Por Leda Galli Fiorillo
O ser humano é um “corpo espiritualizado” ou um “espírito corporificado”. Essas duas dimensões estão de tal modo entrelaçadas que o homem se exprime justamente na sua unidade, na sua inteireza de corpo e espírito. É por isso que a sexualidade não é apenas uma questão de anatomia ou de genética.
O SER HUMANO E AS SUAS DIMENSÕES
“O corpo , se o olhas apenas , é mudo ; mas se o olhas e interrogas, é eloqüente ”.
Este pensamento – tirado já não sei de onde – exprime bem o critério metodológico com que me proponho refletir sobre o que é o ser humano . Isto é, partir do dado biológico para chegar , através do rigoroso fio condutor da lógica , ao plano ético . Isto porque a ética – quer dizer, os princípios do comportamento que mais se ajusta à natureza do ser humano – já está inscrita, de algum modo , no próprio corpo humano : basta querer lê-la.
O que é, portanto , o ser humano ? Foi definido como “corpo espiritualizado” ou “espírito corporificado”. As duas dimensões estão de tal modo entrelaçadas que o homem se exprime justamente na sua unidade , na sua inteireza de corpo e espírito . Demonstremo-lo.
Podemos imaginar o ser humano como composto de camadas concêntricas sobrepostas.
Começando pela periferia , encontramos a corporeidade, dimensão que está em contato direto com o ambiente externo , com o qual interage, e que chega a conhecer através dos sentidos externos – vista , audição , olfato , paladar e tato –, que são precisamente as “portas ” para a realidade circunstante . Nessa mesma dimensão , encontram-se também os instintos , com a finalidade de satisfazer as necessidades primordiais – comer , beber , dormir , reproduzir-se –, sem os quais os indivíduos e a espécie não poderiam subsistir .
É fácil constatar que da satisfação das necessidades deriva um tipo de gratificação que é o prazer corpóreo, útil como incentivo para o desenvolvimento das correspondentes funções .
O que dissemos até agora pode parecer perfeitamente aplicável aos animais . No entanto , já aqui se abre um abismo entre nós e eles . Pois , nos animais , os instintos estão programados em função da necessidade ; satisfeita esta, o instinto apaga-se. De fato , o animal só come se tiver fome , sé bebe se tiver sede , reproduz-se só em determinados períodos do ano , o suficiente para garantir a preservação da espécie , permanecendo absolutamente tranqüilo fora desses períodos .
O homem não . O homem é capaz de – mesmo depois de satisfeita a fome – degustar , ao final do almoço , uma fatia de doce para comemorar um acontecimento qualquer; o mesmo se passa com a bebida. No plano sexual , o ser humano está sempre fisiologicamente disponível, durante todo o ano , muito além , portanto , do que seria necessário para a manutenção da espécie . Daqui se deduz que , no homem , os instintos têm “trânsito livre ”, não estando constitutivamente programados. Veremos daqui a pouco a razão disso.
Debaixo da camada da corporeidade, encontra-se a das paixões , das emoções e dos sentidos internos , isto é, a da memória – que faz reviver o passado – e a da fantasia – que cria no imaginário , no não-vivido. É a rica e envolvente dimensão da afetividade .
A inteligência – do latim intus legere, “ler dentro ” – é a faculdade que serve para conhecer , para entender a verdade das coisas e distingui-la do erro . Do exercício dessa função deriva uma gratificação que podemos definir como satisfação intelectual .
A vontade é a faculdade operativa que permite pôr em prática aquilo que a inteligência entendeu ser justo e, portanto , bom . Pode-se dizer , portanto , que, se a inteligência tende para a verdade , a vontade tende para o bem . A gratificação que daí se tira é – num crescendo que depende das dimensões do bem – a paz do coração , a felicidade , a alegria .
Entende-se facilmente que satisfação intelectual e alegria não pertencem ao plano da corporeidade – embora se exprimam através dela, revelando a intrínseca unidade do ser humano –, mas sim ao plano do espírito . De fato , podemos ser intensamente felizes mesmo quando padecemos algumas dores físicas ; e vice-versa : podemos estar em perfeita saúde , mas ser infelizes a ponto de desejar a morte …
A esta altura , podemos dar-nos conta da razão pela qual os instintos não terem uma auto-regulação no homem tal como nos animais . Porque o homem , e só ele , tem inteligência para entender se, quando e em que medida deve satisfazer os seus impulsos –, e a vontade para agir em conseqüência , realizando o seu bem .
A SEXUALIDADE
A presença dos cromossomos XY no homem e XX na mulher é responsável pela existência , dentro deles, dos caracteres sexuais primários e secundários .
Os caracteres sexuais primários são diretamente determinados pelos genes , ou melhor , pelos cromossomos do sexo , e, portanto , estão presentes e evidentes já desde o início , nos primeiros tempos do desenvolvimento embrionário .
Os caracteres secundários , por sua vez , são induzidos pelos hormônios secretados, respectivamente , pelos aparelhos masculino e feminino ; e, como os hormônios entram em circulação só a partir da puberdade , só fazem a sua aparição nessa época. Compreendem aquela bagagem de características que contribuem para distinguir de modo especial o homem da mulher: a estatura , o timbre da voz , a constituição óssea (costas largas e quadril estreito , no homem ; costas estreitas e quadril largo na mulher ), a quantidade e a distribuição da pelugem, o desenvolvimento maior ou menor das glândulas mamárias, a quantidade e a distribuição da gordura subcutânea , da qual deriva a silhueta , mais linear no homem , mais curvilínea na mulher . Mas , como no ser humano corpo e psique são um todo unitário , existem também alguns caracteres sexuais secundários psíquicos que completam a dimensão pessoal da sexualidade .
Sem querer catalogar ninguém de maneira rígida , é, no entanto , bem evidente que há características mais propriamente masculinas e outras mais femininas. Por exemplo , o homem é mais realista e imediato , vai ao essencial (linear !…), é mais empreendedor e toma mais a iniciativa , o que o leva a “ir em direção a” (também fisicamente, na relação sexual ); vive melhor a fortaleza como afirmação do positivo e tem um tipo de inteligência mais racional , no sentido de que , se vê um problema , dá pequenos passos lógicos , em rigorosa sucessão , na direção do problema , até que chega à solução .
A mulher , por sua vez , é mais sensível e imaginosa (curvilínea !…), atenta ao detalhe , mais paciente , feita para o “acolhimento ” (também fisicamente…); vive melhor a fortaleza como resistência ao negativo e tem um tipo de inteligência predominantemente intuitivo, no sentido que , com uma visão de conjunto , abarca o problema e chega rapidamente à solução , talvez sem a mínima idéia sobre como chegou até ali .
De fato , salta aos olhos que os dois sexos são complementares , tanto no plano físico como no psicológico : cada um dos dois tem e é o que o outro não tem e não é. Nasce, assim , um impulso recíproco irresistível de ir um ao encontro do outro . Mesmo sendo cada um deles um indivíduo completo , no sentido de que poderia muito bem viver só , é até por demais evidente que , postos juntos , formam uma unidade de ordem superior , o casal , completando-se um ao outro .
Agora, pois, podemos finalmente responder à pergunta que formulávamos no início : o que mudaria se o ser humano não fosse sexuado ? Cada um estaria fechado em si mesmo , isolado na sua total auto-suficiência, e viria a faltar , portanto , o impulso poderoso ao “relacionamento”.
Descobrimos, assim , que a sexualidade , além da dimensão individual , tem também uma outra dimensão : a conjugal.
O PUDOR
Na cultura de hoje , parece algo ultrapassado, fora de moda …; basta-nos olhar ao nosso redor ! O homem parece ter-se libertado de certos “tabus ”, aceitáveis , no melhor dos casos , para as nossas avós… Vamos ver se isto é verdade.
Suponhamos que possuímos no nosso apartamento muitos objetos preciosos de grande valor . Deixaríamos o nosso apartamento desprotegido, de portas e janelas abertas, à mercê de estranhos , de modo que qualquer um que passasse levasse consigo uma parte dos nossos bens ? Claro que não ! Não só fecharíamos as portas e as janelas , como as dotaríamos de fechaduras e de alarmes . E seríamos nós que decidiríamos livremente que parte das nossas riquezas doadas e, em qualquer caso , só a quem considerássemos digno de recebê-las.
Poder-se-á objetar , neste ponto , que existem culturas em que – talvez justamente devido a fatores ambientais, como a alta temperatura – o sentido do pudor parece não estar muito presente , por exemplo em certas tribos africanas. Errado!
Há tribos em que os indivíduos , embora vivam nus ou quase , manifestam o seu pudor ruborizando-se violentamente e fugindo de ser tocados; e outras em que , se uma mulher é surpreendida nua por quem não tem esse direito , reage imediatamente cobrindo o rosto com as mãos . Sim , porque , se pensarmos bem , todos os corpos se assemelham, mas a parte absolutamente individual e irrepetível, através da qual se pode, portanto , ser reconhecido, é o rosto – e mais ainda os olhos –, que é o que melhor exprime a originalidade do ser de cada um .
Podemos agora abordar o tema conjugal.
Do que acaba de ser exposto acerca da complementaridade dos dois sexos , derivam algumas conseqüências lógicas .
O que muda com o tempo são as tarefas que o homem e a mulher são chamados a desempenhar nas diversas épocas históricas e nas diferentes sociedades, isto é, para dizê-lo de modo simples : muda a questão de determinar quem vai às compras ou acompanha as crianças à escola , quem cuida das contas a pagar ou das relações com o médico etc., aspectos todos que dependendo, esses sim , de fatores culturais, econômicos , sociológicos, ambientais, profissionais , organizativos ou , simplesmente , de conveniência individual e familiar , e também das aptidões pessoais .
A outra conseqüência está na absoluta paridade de dignidade do ser masculino e feminino , enquanto depositários , um e outro, de atributos , qualidades e prerrogativas de igual valor e, de qualquer modo, indispensáveis ao complemento do outro sexo . Mas atenção : paridade não significa igualdade . O valor e a dignidade são iguais , não os sexos , que – vale a pena insistir ainda uma vez – são diversos e complementares .
Então, que dizer de séculos , ou melhor , de milênios de machismo – no mundo ocidental , pelo menos – que mantiveram a mulher em estado de sujeição? Um abuso . E que dizer de décadas de feminismo, não desse feminismo justo e sadio que ajudou a mulher a recuperar a consciência da sua dignidade , trazendo-a de volta ao mesmo nível do homem , mas , sim , daquele feminismo que tem pretendido substituir o homem , subjugando-o? Outro abuso . Os dois sexos não são antagônicos , nem autorizam – não teria sentido – a competição entre eles . E nem mesmo é de pensar que, para realizar em plenitude o próprio sexo, seja necessário imitar o outro . Pelo contrário , podem ser de válida e preciosa ajuda um ao outro , na medida em que cada um continuar a ser ele próprio .
E assim se chega à praia serena da colaboração , onde cada qual, cônscio das suas prerrogativas insubstituíveis , olha o outro com gratidão e profundo respeito , reconhecendo-o depositário de riquezas diversas, mas paritárias às próprias.
Fonte: Genitori.it
Tradução: Frederico Bonaldo
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