segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A ação de crer e o sofrimento.

Por Dom Henrrique

Por que, Senhor meu?


Hoje, a Palavra de Deus nos coloca diante de um tema inquietante, o tema da fé. E o coloca com toda a dureza, nas palavras cheias de dor, de angústia e de tristeza do profeta Habacuc. Ele viveu no final do século VII, início do século VI antes de Cristo. Reinava em Judá um rei iníqüo, Joaquim; o povo já não cultivava o amor pelo Senhor; a idolatria e o sincretismo estavam na ordem do dia: era moda, era moderno, era abertura, era sensatez segundo uma lógica política mundana e conveniente. Não aceitá-los era considerado fechamento e estreiteza de visão... Imperava a injustiça, a impiedade, a imoralidade, a violência do grande contra o pequeno... 
 
Diante desta situação tão triste, o profeta anunciava o tremendo juízo de Deus, que não aceita suborno e a Quem não se pode enganar com raciocínios vãos. eis a sentença do Eterno: os babilônios viriam e levariam o povo para o exílio. Seria a correção de Deus. 
 
Mas, aí, o profeta entra em crise: está certo que Judá merecia castigo; mas, por que Deus iria usar para castigar exatamente os babilônios, que eram um povo mais pecador que os judeus? O profeta angustia-se com esta incompreensível lógica do Senhor e, com dor e sinceridade sofrida, apresenta o seu protesto: “Senhor, até quando clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me socorreres? Por que me fazes ver iniquidades, quando Tu mesmo vês a maldade? Destruições e prepotência estão à minha frente”. Eis: “Senhor, Tu és Santo, Tu és puro demais, Tu és sábio e justo! Tu poderias resolver tudo! Tu poderias corrigir o Teu povo de um modo mais lógico, mais compreensível, menos doloroso! Por que, Senhor, ages deste modo? Por que os babilônios - logo eles, iníquos, ferozes, ímpios - virão, matando homens, rasgando o ventre das parturientes, deixando crianças órfãs? Ó Eterno, ó Santo de Israel, meu Santo, que não tens mácula, como Teus caminhos me são misteriosos e incompreensíveis, como Tuas sendas me fazem sofrer e chorar!"

A tremenda aventura de crer...
 
Crer não é compreender tudo! Crer é caminhar diante do Santo, do Eterno, Daquele cujo Nome - bendito seja! - é misterioso! Seus pensamentos, Sua lógica somente podem ser de longe vislumbradas por nós: ultrapassam-nos de longe, envolvem-se em mistério, tão luminoso que nos cega!
 
Vede, caros Irmãos: o profeta, que fala em Nome de Deus, nem mesmo ele compreende totalmente o agir do Senhor, e se angustia, e pergunta, e chora: “Senhor, por que ages assim? Por que Teus caminhos nos escapam deste modo?”
 
A verdade é que a fé não é uma realidade quieta e pacífica! O próprio Jesus adverte que somente os violentos conquistam o Reino dos céus (cf. Mt 11,12s); somente aqueles que lutam, que teimam em acreditar!
 
A fé é uma realidade que sangra, sangra na dor de tantas perguntas sem resposta, sangra pelo sofrimento do inocente, pela vitória dos maus, pelo mal presente em tantas dimensões da nossa vida... E Deus parece calar-Se! Um filósofo ateu do século passado chegou a dizer, escandalizado com o sofrimento no mundo: “Se Deus existe, o mundo é sua reserva de caça!” Jó, usou palavras parecidas: “Também hoje minha queixa é uma revolta, porque Sua mão agrava os meus gemidos. Ele cobriu-me o rosto com a escuridão" (23,2.17). E, pesaroso, se queixa de Deus: “Clamo por Ti, e não me respondes; insisto, e não Te importas comigo. Tu Te tornaste o meu carrasco e me atacas com Teu braço musculoso!” (30,20s).
 
Por que, Senhor? Por que Te calas? Por que Teus caminhos nos são escondidos? Por que parece que não Te importas conosco? – Eis a dor que sangra das feridas dos crentes! O próprio Habacuc, um pouco mais adiante, constata, quase que escandalizado: "Não és Tu, Senhor, desde o princípio, o meu Deus e o meu santo? Tu estabeleceste, Senhor, os caldeus para exercerem a justiça, como uma rocha, Tu os constituíste para castigar. Os Teus olhos são demasiado puros para ver o mal, não podes contemplar a opressão! Por que contemplas, em silêncio, os traidores, quando devoram os que são mais justos do que eles? Tratas os homens como peixes do mar, como répteis que não têm dono. Eles pescam-nos a todos no anzol, arrastam-nos com a sua rede, recolhem-nos em seu cesto e depois alegram-se e exultam" (1,12-15). Que imagem: os homens, neste mundo, tratados à toa, como os peixes do mar, que não têm dono que por eles vele, com os proteja, que os defenda!
 
Não é esta a nossa tentação de escândalo em relação a Deus? Não é este o motivo de escárnio dos não crentes em relação a nós: "Onde está o Vosso Deus? Por que permite? Por que não age? Por que é impotente? Por que não faz justiça? Por que Se esconde? Dizei-nos vós, ó crentes de um Deus que não conheceis e não vos dá explicações: onde está o vosso Deus? Que tipo de Deus é Ele?"

Eu creio! Em Ti coloco a minha esperança!

A resposta de Deus a Habacuc é firme, cortante, dura e, ao mesmo tempo, consoladora! Não explica, não dá satisfações, não presta contas! Deus nunca, jamais, nos presta contas! Ele é Deus! Ele é o Santo! Ele é o Eterno! Ele é Deus!
Qual a Sua resposta ao profeta em crise?
 
Primeiro, deixa claro que Sua palavra não é engano, não é promessa vã, mas uma realidade firme como a rocha, que dura para a eternidade: "Escreve esta visão, estende seus dizeres sobre tábuas, para que possa ser lida com facilidade! Não falhará! Se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará!" Deus fiel, Deus dos prazos e tempos tão diversos dos nossos! Eterno, Santo Misterioso, Fiel, Senhor!
 
E vem a sentença, que somente pode ser compreendida com o olhar na eternidade do Eterno que eterniza os que recebem Sua eterna Vida: “Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé!" Qual o sentido dessas palavras? "Habacuc, tu não compreenderás agora! Somente acolhe, somente entende com o Meu entendimento, superando a tua compreensão: no meio das dores da vida, no meio do turbilhão da história, no redemoinho dos acontecimentos da vida, não é a mesma coisa ser piedoso ou ímpio, amar-Me ou desprezar-Me, ser justo ou pecador: quem não é correto morrerá para sempre, mas o justo, o Meu amigo, viverá por sua fidelidade! Tu não podes compreender agora, mas sabe com saber certo: Eu sou o Santo, o Justo, o Eterno, o Vivente que dá Vida! Eu sei salvar da morte os Meus amigos!"
 
Deus é assim: nunca nos explica na medida da nossa lógica, nunca nos revela para contentar nossa curiosidade, para satisfazer nossas perguntas! Ele muda nossa perspectiva, muda nosso modo de perguntar! Deus subversivo das nossas certezas e seguranças! Sempre nos convida à confiança renovada, ao abandono nas Suas mãos benditas! Quem não é correto, quem não se entrega nas mãos do Senhor, perderá a fé, morrerá por sair da amizade com Deus... Mas o justo, o amigo de Deus, viverá, permanecerá firme pela sua fé total e confiante, mesmo nas escuridões e absurdos da existência.
 
O justo vive da fé! É isto que é tão difícil para o homem de hoje, que tudo deseja enquadrar na sua razão e, quando não enquadra, se revolta e dá as costas a Deus e, assim, termina morrendo... Porque viver sem Deus é a pior das mortes, o maior dos absurdos! O justo vive da fé, vive na fé, vive abandonado nas mãos do Senhor, como dizem as palavras da Antífona de Entrada, que o missal coloca para a liturgia de hoje: “Senhor, tudo está em Vosso poder, e ninguém pode resistir à Vossa vontade. Vós fizestes todas as coisas: o céu, a terra, e tudo o que eles contêm; sois o Deus do universo!” (Est 13,9.10-11).

Deus solidário!

Nunca esqueçamos: Deus não nos explica Seu modo de agir! Se o compreendêssemos, compreenderíamos o próprio Deus, mas um Deus sob medida, um Deus à nossa medida, não é Deus, mas um deuzinho feito por nós, apenas um idolozinho que nos diria amém!

Contudo, o que eu disse até aqui não significa que Deus não liga para nossa dor e para o nosso destino. Pelo contrário! Ele é o Deus próximo, o Deus solidário: veio a nós, fez-Se um de nós, viveu nossa vida, suportou nossas dores, crises, contradições e escuridões, experimentou nossa morte! Deus próximo, Deus de amor, Deus solidário!
 
Sim, Ele veio a nós, Ele Se chamou Jesus, Ele mostrou-nos Seu Rosto, sorriu-nos Seu riso, abraçou-nos com Seus braços, aqueceu-nos com Seu coração! Pudemos - podemos - tocá-Lo, ouvi-Lo, vê-lo cansado, sedento, faminto, angustiado, prostrado, crucificado, morto, sepultado na derrota da morte! Como não amá-Lo, como pensá-Lo frio e distante? Como não jogar toda a vida Nele, que Se jogou assim por nós?
 
Por tudo isso, podemos olhar para Ele e, suplicantes, estender-Lhe as mãos, como os discípulos do Evangelho, que pediam: “Aumenta a nossa fé!” E Jesus responde – a eles e a nós – “Se vós tivésseis fé (em Mim), mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’ e ela vos obedeceria”. Ou seja: se crermos de verdade naquele amor que se manifestou até a cruz, se crermos – aconteça o que acontecer – que Deus nos ama a ponto de entregar o Seu Filho-Deus, teremos a força de enfrentar todas as noites com a Sua luz, todos os pecados com a Sua graça, todas as mortes com a Sua vida! Mas, se não crermos, pereceremos...
O que o Senhor espera dos Seus servos é esta fé total, incondicional, pobre e amorosa! É o que o Senhor espera de nós! Mas, o que fazemos? Queremos recompensas, provas, certezas lógicas! E, os mais cultos, vamos atrás de filosofias e sabedorias humanas... E os mais incultos e tolos, vamos atrás de seitas, de descarregos, de exorcismos feitos por missionários de araques e pastores de si próprios, falsos profetas de um deus falso, feito de dízimos, moedas e gritarias...

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