Gustavo Gutiérrez Merino nasceu em Lima, Peru, em 8 de junho de 1928. É é um teólogo peruano e sacerdote dominicano, considerado por muitos como o fundador da Teologia da Libertação.
Sofreu de osteomielite na infância e adolescência, permaneceu em cadeira de rodas dos doze aos dezoito anos. Ao recuperar a mobilidade, estudou medicina e letras na Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Foi militante da Ação Católica, o que o motivou a aprofundar os estudos teológicos. Decidido pelo sacerdócio, entrou para o seminário em Santiago do Chile. Estudou Filosofia e Psicologia na Universidade Católica de Louvain, Bélgica. Seus estudos de Teologia foram efetuados na Universidade Católica de Lyon, França, na Universidade Gregoriana de Roma e no Instituto Católico de Paris, chegando ao grau de doutor.
Foi ordenado sacerdote em 1959. Gutierrez, na década de 60, foi o primeiro a falar na igreja dos pobres e, na década seguinte, elaborou o conceito teológico propriamente dito. É considerado por muitos o pioneiro na sistematização da Teologia da Libertação na década de 70, quando lançou o livro Teologia da Libertação. Na obra Teologia da Libertação, focaliza que o nosso Deus é o Deus da Aliança com os marginalizados e desclassificados. No livro, Gutierrez afirma que o cristianismo da misericórdia não devia ser apenas da assistência pela esmola, mas do compromisso com a superação das desigualdades sociais. Dessa forma, a Teologia da Libertação oferecia uma nova espiritualidade para o engajamento paroquial, comunitário e religioso. Isso se manifestou num "novo jeito de ser Igreja", que se concretizou nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
Nos anos 80 sofreu processo da Cúria Romana, que acusava sua obra de reduzir a fé à política.
Gutiérrez cria, no fim dos anos 60, um método teológico desde e para a América Latina pobre e oprimida. Deu a essa reflexão da fé a partir do reverso da história o nome de Teologia da Libertação. Seu raio de projeção tem sido verdadeiramente impressionante: desde a teologia negra, índia, asiática, feminista, ecológica e das religiões até a teologia judaica e palestina da libertação. Gustavo é o primeiro latino-americano a se situar de igual para igual entre os grandes criadores dentro da história da teologia.
Em 1998 ingressou como noviço na Ordem dos Pregadores.
Possui 23 títulos de Doutor Honoris Causa outorgados por universidades de diversos países: 5 no Peru, Argentina, Holanda, Suiça, dois na Alemanha, dez nos Estados Unidos, dois no Canadá e também na Escócia, obtidos entre 1979 e 2006. Ganhou o Prémio Príncipe das Astúrias em 2003 na Categoria Comunicação e Humanidades.
Atualmente Gutierrez vive e trabalha entre os pobres em Lima. Em seus livros, Gutiérrez explica sua visão da pobreza cristã, como um ato de amor e solidariedade com os pobres e um protesto libertador contra a pobreza. Gutiérrez continua tendo responsabilidade pastoral na Igreja do Cristo Redentor em Rimac. Gutiérrez é também professor de teologia na Pontifícia Universidade Católica de Lima.
No movimento da Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez ocupa um lugar em destaque. A ele deve-se a primeira obra sistemática de reflexão crítica a partir da práxis histórica da libertação em confronto com a palavra de Deus, acolhida e vivenciada na fé. Em sua ótica, a teologia é representada com um ato segundo, que supõe como ato primeiro não uma práxis qualquer, mas a práxis da fé, isto é, uma espiritualidade caracterizada pelo compromisso com o outro - que no contexto latino-americano é o empobrecido - e, então, pela luta em prol da justiça que o Deus da vida não só comanda mas compartilha. Trata-se de uma teologia "do avesso da história", que se deixa provocar pela indentificação de Cristo com os oprimidos e leva os cristãos a "descer do inferno deste mundo", e a "comungar com a miséria, com a injustiça, com as lutas e com as esperanças dos condenados da Terra, porque deles é o Reino dos Céus". Nesse sentido, o objetivo da teologia é "apologético" no significado mais elevado: dar testemunho do Deus da vida que escuta o grito do pobre.
Obras:
- Teologia da libertação
- O Deus da vida
- A força histórica dos pobres
- Beber no próprio poço - Itinerário espiritual de um povo.
PENSAMENTOS DE GUSTAVO GUTIERREZ
"Vivemos numa época dominada pela economia liberal, ou, se se preferir, neoliberal. O mercado irrestrito, chamado a regular-se com as suas próprias forças, passa a ser o princípio, quase absoluto, da vida económica. O célebre e clássico "deixar fazer" do início da economia liberal postula hoje de forma universal – pelo menos na teoria – que toda a intervenção do poder político, mesmo para atender a necessidades sociais, prejudica o crescimento económico e redunda em prejuízo geral. Por isso, se se apresentam dificuldades nos rumos económicos, a única solução é mais mercado."
"Não há duas histórias, uma da filiação e outra da fraternidade, uma em que nos fazemos filhos de Deus e outra na qual nos tornamos irmãos entre nós. É isso o que o termo ´libertação` quer destacar".
"Na raiz de nossa existência pessoal e comunitária se acha o dom da autocomunicação de Deus, a graça de sua amizade enche de gratuidade a nossa vida. Faz-nos ver como um dom nossos encontros com os outros homens, nossos afetos, tudo o que acontece".
"Assim, desprendidos de nós mesmos, chegamos ao outro libertos de toda tendência de impormos uma vontade que lhe seja alheia, respeitosos de sua própria personalidade, de suas necessidades e de suas aspirações. Dado que o próximo é o caminho para chegarmos a Deus, a relação com Deus será a condição necessária para o encontro, para a verdadeira comunhão com o outro".
"A verdade é que um cristianismo vivido no compromisso com o processo libertador, apresenta problemas próprios que não se podem descurar e encontra escolhos que importa superar. Para muitos, o encontro com o Senhor, nessas condições pode desaparecer em benefício do que ele próprio suscita e alimenta: o amor do homem. Amor que desconhecerá, então, toda a plenitude que encerra".
"Neste contexto, a teologia será uma reflexão crítica a partir de e a respeito da práxis histórica diante da palavra do Senhor acolhida e vivida na fé".
"Mais do que o pai da Teologia da Libertação, eu gostaria de ser conhecido como um daqueles que contribuíram para libertação da Teologia".
"Senti-me muito tocado pela fundamentação do júri que outorgou o prêmio, por sua referência ao mundo pobre e à América Latina, aos quais escolhi dedicar minha vida. Pode ser que a Teologia da Libertação não esteja mais atual. Infelizmente, porém, desgraçadamente, permanece atual a realidade da pobreza que suscitou o seu nascimento".
"Conversão significa transformação radical de nós mesmos, significa pensar, sentir e viver como Cristo presente no homem despojado e alienado."
"O discurso sobre Deus vem depois do silêncio da oração e do compromisso."
"Precisamos conceber a história como um processo de libertação de homens e mulheres no qual este vão assumindo conscientemente seu próprio destino..."
"A fé não é coisa que se conserve num cofre-forte para a proteger, é vida que se exprime no amor e na dedicação aos outros. Nos Evangelhos ter medo equivale a não ter fé... A parábola dos talentos ensina-nos que uma vida cristã, baseada não na formalidade, na auto-proteção e no medo, mas na gratuidade, na coragem e no sentido do outro, constitui a alegria do Senhor. E a nossa".
"Para mim fazer teologia é escrever uma carta de amor ao Deus em que eu creio, ao povo ao que pertenço e a Igreja da que formo parte"
"Além de qualquer dúvida, a vida do pobre é marcada pela fome e pela exploração, cuidado médico inadequado, ausência de habitação digna, dificuldade em alcançar alguma educação, salários injustos e desemprego, lutas por seus direitos e também repressão. Ma não é tudo. Ser pobre é também uma forma de sentir, conhecer, pensar, fazer amigos, amar, crer, sofrer, celebrar e rezar. O pobre constitui um mundo em si mesmo. Compromisso com o pobre significa entrar e, por vezes permanecer neste universo, com uma consciência muito mais clara; significa ser um dos seus habitantes, olhando para ele como local de residência e não só de trabalho. Não significa ir a este mundo pontualmente, para testemunhar o Evangelho, mas antes, dele emergir, cada manhã, com o propósito de proclamar as boas novas a todo ser humano… Vemos com clareza crescente que se exige uma imensa dose de humildade para que as pessoas se comprometam com os pobres dos nossos dias".
"Uma espiritualidade é uma forma concreta, movida pelo Espírito, de viver o Evangelho. Maneira precisa de viver 'diante do Senhor' em solidariedade com todos os homens, 'com o Senhor' e diante dos homens"
"Aos países pobres não interessa repetir o modelo dos países ricos, entre outras coisas, porque estão cada vez mais convencidos de que a situação daqueles é fruto da injustiça, da coerção. Para eles, trata-se de superar, é certo, as limitações materiais, a miséria, mas para chegar a um tipo de sociedade que seja mais humana".
"Uma teologia que não se situe no contexto de uma experiência de fé corre o risco de converter-se numa espécie de metafísica religiosa, numa roda que gira no ar sem mover o carro"
"A espiritualidade é uma aventura comunitária, passo de um povo que percorre o próprio caminho, em seguimento a Jesus Cristo, através da solidão e das ameaças do deserto. Experiência espiritual que é o poço do qual teremos de beber. Ou, quem sabe, na América Latina de hoje, o nosso cálice, promessa da ressurreição".
"Situar-se na perspectiva do Reino é participar da luta pela libertação dos homens oprimidos por outros homens. Isto é o que começaram a viver muitos cristãos, ao comprometer-se com o processo revolucionário latino-americano. Se esta opção parece afastá-los da comunidade cristã, é porque muitos nela, empenhados em domesticar a boa-nova, olham-nos como membros agressivos e até perigosos"
"Uma espiritualidade da libertação deve estar impregnada de vivência de gratuidade. A comunhão com o Senhor e com todos os homens, é antes de tudo, um dom. Daí a universalidade e a radicalidade da libertação trazida por Ele"
"Mais do que teologias, os testemunhos vividos é que assinalarão e já estão assinalando o rumo de uma espiritualidade da libertação".
YVES MARIE-JOSEPH CONGAR (1904-1995)
Yves Congar foi um dos grandes teólogos do Concílio Vaticano II e autor de uma obra ecumênica e teológica considerável.
Yves Congar é um teólogo dominicano francês, nascido em Sedan, em 1904. Foi ordenado em 1930. Esteve preso em 1940-1945 nos campos de concentração de Golditz e Lübeck. Foi fundador e diretor da coleção Unam Sanctam, e professor de teologia na faculdade de Le Saulchoir. Foi um sólido eclesiólogo, aberto ao ecumenismo e à reforma da Igreja, precursor e consultor do Concilio Vaticano II.
Professor em La Saulchoir, o seu livro "Verdadeira e falsa reforma de Igreja" foi objeto de duras censuras. O seu apoio aos curas obreiros e a sua solidariedade com a causa da justiça social não fez mais que complicar a súa situação. Durante 10 anos é afastado do ensino, sancionado, marginalizado de toda atividade pública e tem que exilar-se a Jerusalém. Surpresamente, João XXIII lhe encomendará trabalhar nos mais importantes documentos do Concilio Vaticano II, junto com outros teólogos naquele momento considerados aberturistas como Joseph Ratzinger ou Henri de Lubac.
Como compensação pela incomprensão que sofreu e aos anos de sofrida obediencia e silenciamento Congar foi elevado à dignidade cardinalícia por João Paulo II em 30 de outubro de 1994, recebendo o barrete de cardeal em 8 de dezembro do mesmo ano.
Vítima de uma enfermidade neuronal acabou os seus días impedido fisicamente porém intelectualmente ativo. Yves Congar faleceu em 1995, em Paris.
Entre suas obras, cabe destacar Verdadeira e falsa reforma da Igreja (1950), Jalones para una teología del laicado (1954), Cristãos em diálogo (1964), Tradição e tradições (1961-1963) e O Espírito Santo (1980). Congar é a ponta de lança de uma equipe numerosa de teólogos dominicanos franceses que renovaram a teologia católica ao longo dos últimos cinqüenta anos. Basta citar teólogos como Chenu, Liégé, Lelong, Cardonnel, Schillebeeckx etc.
Duas atividades fundamentais ocupam a vida de Congar:
1. O estudo da Igreja sob todos os seus aspectos. Fruto desse estudo são seus primeiros Ensaios sobre o mistério da Igreja (1952); Verdadeira e falsa reforma da Igreja (1950) onde ataca, pela primeira vez, o tema da reforma da Igreja; Balizas para uma teologia do laicato (1953), onde aborda o tema dos leigos na vida e na atividade missionária da mesma Igreja. Em 1964, formula os princípios do diálogo entre as diferentes Igrejas cristãs com Cristãos em diálogo, continuação de obras anteriores como Cristãos desunidos e Princípios para um ecumenismo católico (1957). Complemento e expressão de seu trabalho e estudo sobre o tema da Igreja é a grande coleção sobre teologia da Igreja, “Unam Sanctam”, fundada e dirigida por ele.
2. Mas Congar não tem sido apenas um homem de estudo; mas, fundamentalmente, o homem que “preparou o clima do Concílio Vaticano II”. Como teólogo do Concílio, influenciou decisivamente nos novos enfoques da teologia, na preparação de novos teólogos e, finalmente, na redação e orientação dos documentos do Concílio Vaticano II, de um modo especial, a Constituição Dogmática sobre a Igreja, A Igreja no mundo de hoje e o documento sobre o Ecumenismo. O mesmo Papa Paulo VI agradeceu publicamente a Congar pela sua colaboração ao Concílio Vaticano II.
Congar utilizou o método especulativo, próprio da escolástica como método histórico. Buscou uma aproximação com o protestantismo afirmando que a Biblia é regra para a Tradição e para a Igreja. Pero sustenta que é sob a luz da Tradição e na proclamação na comunidade eclesial que a Escritura adquire o seu sentido.
Nos seus estudos sobre o Espírito Santo, parte dos escritos dos Pais da Igreja gregos como Atanasio de Alexandría e Basilio o Grande com fim de aproximar-se a posições aceitáveis para a Igreja ortodoxa, e une, como esta, eclesiología e pneumatología. Para Congar o Grande Cisma, desde o ponto de vista dogmático é fruto de perspectivas filosóficas diversas, porém expressan uma mesma fé.
Congar enfatiza que a Igreja é santa, não em sí mesma, ou como qualidade dos seus membros, senão como ámbito da presença de Deus que se aproxima da mesquinhez e miseria humana (pecado), presente na comunidade eclesial. A extensão da vida divina é gratuíta (graça) sem mérito por parte da hieraquía e dos fieis que participam dela.
No que atinge à catolicidade, esta há de consistir na capacidade da Igreja de assimilar e desenvolver os valores auténticos humanos e culturais, tanto de outras igrejas, como de outras religiões e de todas as culturas.
Busca também fazer fincapé na relação fundamental dos leigos, através do seu compromiso com as causas justas da humanidade. A salvação cristã assume e engloba a libertação social, política, económica, cultural e pessoal dándo-lhe totalidade e plenitude na trascendencia. Aquí o compromisso, desde um imperativo cristão orientador, ha de ser radical, porém as opções do crente podem ser opináveis e faliveis e, logo, plurais.
A Congar preocupa o papel da hierarquía na Igreja e não oculta críticas sinceras. Os bispos, para éle estão encurvados absolutamente na passividade e o servilismo a Roma. Defende um conceito profundo e radical de obediencia frente ao simplismo insincero tipo autoridade-súdito.
A atividade de Congar continuou depois do Concílio: Situação e tarefas atuais da teologia (1967) e A Igreja desde Santo Agostinho até a época moderna (1970) são contribuições geniais deste homem que, já numa cadeira de rodas, confessava que sua teologia não vale mais do que a vida de um simples cristão em pé.
PENSAMENTOS DE YVES CONGAR
“Diz-se que a Igreja não interessa mais a ninguém, que a maioria dos homens deixou de esperar dela algo que tenha o peso do real. Isso não é exato. Uma decepção dá a medida de uma esperança, um despeito a medida de um amor. Se não se esperasse mais nada da Igreja, não se falaria tanto dela...”
"Vocês não deveriam dizer que um sapateiro fabrica sapatos; mas, sim, que ele calça os cristãos... 'Fabricar sapatos' indica apenas a profissão e insinua que o único objetivo do fabricante é seu lucro pessoal".
"Aqui está o que Jesus nos deixa: o Espírito e a Noiva. Tal como Eva foi formada a partir do lado de Adão que dormia, assim o foi a Igreja, a nova Eva, formada pelo lado de Cristo crucificado. Em ambos os casos, os símbolos significaram a unidade de duas pessoas chamadas para formar uma única carne, um único corpo, no amor dos esposos destinado para a fecundidade da maternidade"
"Toda vida cristã é fundada na possibilidade melhor, na realidade de um apelo (…). Esta possibilidade de ouvir um apelo e de responder-lhe atualiza-se no máximo na conversão. O homem é capaz de modificar-se, de dar outra direção, outro sentido a sua vida (…). É, em dúvida, por isso que Jesus reconhece uma espécie de primazia para o pecador: é sempre ao vazio e ao defeituoso que ele se dirige; é somente o pobre que ele quer enriquecer. Mas, no fundo, é o único que pode ser enriquecido, porque ‘não são os que tem saúde que precisam de médico, mas os doentes’".
"O sábado era o dia da criação terminada e, por isso, é o sétimo e último dia; era a festa e o repouso do homem criado a imagem de Deus e constituído assim seu colaborador pelas suas obras; ele referia-se aos dias úteis que cumulava pelo repouso, pelo louvor, pela ação de graças. O domingo é a celebração, a aplicação ou a separação da nova criação, a dos filhos e já não a dos servos, que a ressurreição de Cristo inaugura. Por isso o domingo não está, como o sábado estava, em relação direta com os outros dias da semana ; por isso, a interrupção do trabalho se torna um elemento relativamente secundário: o domingo não é uma festa desta criação, pertence à criação nova, a do Filho, cujo princípio é este Espírito vivificador que é a realidade própria dos últimos tempos e do qual se disse que não tinha sido totalmente dado enquanto Jesus não fora glorificado.
Assim, o domingo já não é o sétimo dia, o dia do repouso do trabalho deste mundo, mas o primeiro, ou então o oitavo, e recebeu nomes sensivelmente equivalentes para marcar que era o início de uma nova semana, se um novo mundo e, para além da consumação cósmica, o princípio da vida eterna, que é a dos filhos de Deus, dos que vivem a vida eterna n'Aquele que, ressuscitado dos mortos, vive doravante “para Deus” (Rm 6,10).
Na medida em que os fiéis participam deste mistério, têm já em si a vida, a vida eterna, a vida filial e bem-aventurada; mas esta vida está escondida com Cristo em Deus e espera a manifestação dos filhos de Deus".
“A Palavra e sacramentos têm, aliás, uma união orgânica: a pregação é litúrgica e a celebração deve ser profética, toda esclarecida espiritualmente pela palavra, comunica seu sentido à fé dos fiéis. Mas, destas duas formas do Pão da vida, a Palavra é logicamente a primeira”
"No Evangelho, palavra e sinais caminham juntos. O sinal não toma todo o seu valor de sinal senão iluminado pela palavra”.
BERNARD LONERGAN (1904-1984)
Bernard Joseph Francis Lonergan nasceu em 17 de dezembro de 1904 em Ontário, no Canadá. Foi um padre jesuíta canadense. Ele foi um filósofo e teólogo de tradição tomista e também um economista, formado em Buckingham, Quebec. Lonergan era professor do Colégio Loyola, de Montreal, da Universidade de Toronto (Regis College), da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Harvard e do Boston College. Durante vários anos as suas idéias foram estudadas nas mais variadas áreas do saber: ciências naturais, economia, sociologia, filosofia e teologia.
O seu pai era um engenheiro de ascendência irlandesa, e a família da mãe era inglesa. Aos 13 anos, trocou a casa pela Faculdade de Loyola, uma escola jesuíta em Montreal, e de lá entrou para o noviciado na cidade de Guelph. Frederick Crowe, S.J., diretor emérito do Instituto Lonergan, da Universidade de Toronto, descreve os primeiros anos de aprendizagem de Lonergan, esse estranho mundo anterior ao Concílio Vaticano II. Havia, diz, «leituras sobre a vida de Cristo e dos santos, a Imitação de Cristo, sobre documentos jurídicos e espirituais jesuítas, o velho fiel Afonso Rodriguez, a prática da perfeição e virtudes cristãs. Havia as instruções do mestre aos noviços... as "exortações" pregadas por austeros sacerdotes na comunidade, e assim por diante. Havia as penitências, publicação das faltas - admitidas voluntariamente ou indicadas pelos companheiros em ágapes transbordantes - e havia muita oração... a mais lenta de todas as práticas a aprender».
Era uma vida que ensinava a paciência, a disciplina, e o estudo sério, embora de modo um pouco rígido e restritivo; serão marcas do trabalho de Lonergan. Em 1926, Lonergan foi para Inglaterra estudar filosofia, regressando ao Canadá para ensinar na sua velha escola, em Montreal. De 1933 a 1937 licenciou-se em Teologia em Roma. Não tinha sido um aluno premiado, mas desenvolveu em Roma as ambições intelectuais exemplificadas por uma carta de 1935 a um superior: «Consigo elaborar uma metafísica tomista da história que ofuscará Hegel e Marx, apesar da enorme influência deles nessa obra. Tenho já escrito um esboço, disso como de tudo o mais. Examina as leis objetivas e inevitáveis da economia, da psicologia (ambiente, tradição) e do progresso... para encontrar a síntese superior destas leis no Corpo Místico.» Hegel e Marx, não eram exatamente leituras recomendadas para um jovem sacerdote em Roma e, ainda mais, na Itália fascista. Mas fica bem claro como ele era já o indivíduo audaz, capaz de pensar sem imprimatur. E também fica claro que o corpo místico de Cristo, é desde S. Paulo, um dos conceitos mais integradores da teologia.
A originalidade do seu trabalho está sobretudo em ter proposto, através de um profundo estudo da mente em ação, um método de inter-relação entre todos estes ramos do saber e da experiência humana.
“Sê atento, sê inteligente, sê razoável e sê responsável”. São os traços que marcam, para Lonergan, a atitude fundamental da pessoa que é autêntica. Máximas do gênero "Trata os outros como queres ser tratado" não podem, em última análise, ser fundamentais porque não há uma máxima superior que nos leve a aderir a elas. Nem tão pouco as autoridades nos podem dar os nossos valores últimos, porque não há uma autoridade superior que nos diga que autoridades seguir. O que Lonergan nos diz é, no fundo, que todos nos guiamos por critérios como “sê atento, sê inteligente, sê razoável e sê responsável”, independentemente do modo como se manifestam em nós, e é por eles que escolhemos as máximas e as autoridades pelas quais reger a nossa vida.
Toda a originalidade de Lonergan, reside em oferecer um instrumento hermenêutico da consciência humana que permite elaborar uma nova interpretação tanto do trabalho do teólogo quanto do objeto da teologia.
O seu método empírico generalizado clarifica as operações que se dão no sujeito no que diz respeito à escolha de valores. É uma busca das normas morais inatas e de um possível sentido para a objetividade moral. Num mundo em que há tanta incompreensão e diversidade cultural, ética, etc, Lonergan parte do pressuposto de que o desenvolvimento da verdadeira moralidade só será possível se os jogadores "puserem as cartas na mesa".
Este método dá-nos a possibilidade de conhecer as categorias explicativas da nossa moralidade e do nosso modo de valorizar, o que nos permite conceptualizar o que se passa em nós a nível de valores, e também justificar perante os outros as nossas opções fundamentais, como por exemplo a nossa fé.
Profundo conhecedor do pensamento de Tomás de Aquino, sempre pessoal e original na sua interpretação, tem brindado o público com obras de grande valor. Uma das suas principais obras é: Insight: A Study of Human Understanding (1957). O "Insight" é um ponto de partida para a metafísica, é uma nova concepção da metafísica, é uma introdução à Teologia, é como diz o seu título, "um estudo do conhecimento humano". Analisando outras correntes filosóficas ou discorrendo sobre ciências físico-matemáticas e sobre psicologia profunda, Lonergan evidencia uma cultura científica impressionante, pouco comum num filósofo, e menos ainda, pela própria natureza das coisas, num professor de Teologia Dogmática.
Bernard Lonergan faleceu em Pickering, perto de Toronto, em 26 de novembro de 1984.
Lonergan é autor, entre outras obras, de Insight: A Study of Human Understanding (1957) e de Method in Theology (1973), trabalhos que estabeleceram os lineamentos daquilo ele denominaria Método Empírico Generalizado (Generalized Empirical Method - GEM).
PENSAMENTOS DE BERNARD LONERGAN
"A dificuldade surge na segunda etapa, a expansão básica. Os moralistas responsabilizam a ganância, a avidez. Mas a causa principal é a ignorância. Poucos percebem e poucos ensinam a dinâmica da produção. E quando as pessoas não compreendem o que está a acontecer, não se pode esperar que actuem de modo inteligente. Quando a inteligência desaparece, a primeira lei da natureza é a auto-preservação. São esses esforços frenéticos que transformam a recessão em depressão, e a depressão em falência."
“Ser enamorados por Deus, enquanto experiência, é ser enamorados de uma maneira que não conhece limite algum. Cada amor é doação de si, mas ser enamorados por Deus é ser enamorados sem limites, nem restrições, nem condições, nem reservas. Como a nossa capacidade ilimitada de questionar constitui a nossa capacidade de auto-transcendência, assim o ser enamorados de forma ilimitada constitui o cumprimento próprio de tal capacidade”.
“Na assimilação do passado dá-se a primeira busca, que descobre e torna disponíveis os dados. Há uma teologia ‘in oratione recta’ na qual o teólogo, iluminado pelo passado, enfrenta os problemas do seu tempo”.
“Assim como alguém levanta espontaneamente o braço para golpear a cabeça de alguém, pode espontaneamente estender o braço para alcançar e salvar alguém da queda. Percepção, sentimento e o movimento corporal são envolvidos, mas a ajuda dada a outra pessoa não é deliberada, mas espontânea. Alguém só se dá conta disso não antes mas durante o fato. É como se ‘NÓS’ assumíssemos ser membros uns dos outros antes de nossas distinções nos afastarem uns dos outros”.
“Existe o amor da intimidade, do marido e da mulher, dos pais e dos filhos. Existe o amor aos próprios semelhantes, que tem como fruto a realização do bem-estar humano. Existe o amor de Deus com todo o próprio coração e com toda a própria alma, com toda a própria mente e com todas as próprias forças (cf. Mc 12,30)”.
“O significado dessas declarações (infalíveis) da Igreja vai além das vicissitudes do processo histórico humano. Mas os contextos em que tal significado é colhido e, portanto, o modo em que tal significado é expresso, variam tanto segundo as diferenças culturais como segundo o grau de diferenciação da consciência humana”.
“A especialização funcional da fundação determina que concepções representam as posições que procedem da presença da conversão intelectual, moral e religiosa e que concepções representam as contraposições que revelam ausência de conversão. Em outras palavras, cada teólogo julgará da autenticidade dos autores das várias concepções e o fará sobre a pedra de toque que é a própria autenticidade”.
“As doutrinas da Igreja e as doutrinas teológicas pertencem a contextos diferentes. As doutrinas da Igreja são o conteúdo do testemunho da Igreja a Cristo; elas exprimem o conjunto dos significados e valores que informam a vida cristã, individual e coletiva. As doutrinas teológicas fazem parte de uma disciplina acadêmica, que se fixa no objetivo de conhecer e compreender a tradição cristã e de favorecer seu desenvolvimento. Como os dois contextos dirigem-se para fins bem distintos, assim também são desiguais quanto à extensão. Os teólogos levantam muitas questões que não são mencionadas nas doutrinas da Igreja. E também os teólogos podem diferir entre eles, mesmo pertencendo à mesma Igreja”.
“A teologia medieval voltou-se para Aristóteles em busca de um guia e um auxílio tendo em vista esclarecer o próprio pensamento e torná-lo coerente. Segundo o método por nós proposto, a fonte do esclarecimento de base será a consciência segundo a diferenciação interior e segundo a diferenciação religiosa”.
“A purificação das categorias... é efetuada na medida em que os teólogos alcançam a autenticidade mediante a conversão religiosa, moral e intelectual. Não se deve esperar a descoberta de qualquer critério, experimento ou controle ‘objetivo’. Semelhante significado de ‘objetivo’ não passa na realidade de uma ilusão. A genuína objetividade é fruto da subjetividade autêntica. Buscar e usar qualquer sustentação ou muleta como alternativas conduz invariavelmente, em uma ou outra medida, ao reducionismo”.
DOM ESTEVÃO BETTENCOURT (1919 - 2008)
O teólogo e monge beneditino dom Estevão Bettencourt fazia sempre questão de marcar presença nas missas e nos ofícios divinos, dando exemplo para seus colegas do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Era conhecido por, com sua devoção, inflamar a todos com suas palavras de amor a Jesus Cristo.
D. Flávio Tavares Bettencourt, 88 anos, nasceu no Rio de Janeiro no dia 16 de Setembro de 1919 e foi para Paris com os pais em 1923 onde morou até 1928 onde iniciou seus estudos no Lycée Buffon. Após voltar para o Brasil estudou no Colégio de São Bento do Rio de Janeiro onde, de 1931 a 1935, fez o curso ginasial. Nesse Colégio e no convívio diário com os monges conheceu a vida monástica e optou por ela, ingressando no Mosteiro no dia 1º de Fevereiro de 1936 e recebendo o hábito no dia 6 de Outubro de 1937, tendo escolhido como padroeiro o primeiro mártir cristão, S. Estevão, por causa de sua devoção aos mártires da Igreja nascente.
Seus primeiros votos de profissão simples foram feitos no dia 7 de Outubro de 1937 no mosteiro do Rio de Janeiro. Em novembro de 1937, o abade do Rio de Janeiro, Dom Tomás Keller, enviou-o a Roma, para estudar Filosofia no Pontifício Ateneu de Santo Anselmo, onde obteve o grau de bacharel em 7 de novembro de 1939.
D. Estêvão fez sua Profissão Solene aos 7 de Novembro de 1940 em Monte Cassino, o mesmo Mosteiro em que Tomás de Aquino recebeu os seus primeiros ensinamentos; recebeu o Diaconato aos 12 de Julho de 1942; foi ordenado sacerdote aos 18 de Julho de 1943, na Igreja de S. Agnese na Piazza Navona, e em Novembro de 1944 defendeu a tese de Doutorado sobre Orígenes: “Doctrina Ascetica Origenis seu quid docuerit de Ratione animae humanae cum daemonibus”.
Voltou ao Rio de Janeiro em 2 de Fevereiro de 1945. Neste mesmo ano assumiu a Cátedra Bíblica na Casa de Estudos da Congregação. Lecionou também na Universidade Santa Úrsula de 1946 a 1980; na Pontifícia Universidade Católica de 1958 a 1961 e de 1968 a 1974; na Universidade Católica de Petrópolis de 1968 a 1978; no Instituto Superior de Teologia da Arquidiocese do Rio de Janeiro desde 1985; na Escola Superior de Catequese ‘Mater Ecclesiae’, na Escola ‘Luz e Vida’ de Catequese, no Instituto Pio X do Rio de Janeiro de 1957 a 1958.
Trabalho
Retornando ao Brasil, em 2 de fevereiro de 1945, torna-se um grande educador, tendo sido professor e lecionado:
na Casa de Estudos dos Beneditinos, na cátedra de exegese (desde 1945);
na Universidade Santa Úrsula (1946 e 1980);
na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1958 a 1961 e 1968 a 1974);
na Universidade Católica de Petrópolis (1968 a 1978);
no Instituto Superior de Teologia da Arquidiocese do Rio de Janeiro (desde 1985);
na Escola Superior de Fé e Catequese Mater Ecclesiae (1957 e 1958);
na Escola Luz e Vida de Catequese (1957 e 1958);
no Instituto Pio X do Rio de Janeiro (1957 e 1958).
D. Estevão fundou a revista católica “Pergunte Responderemos em 1957 e trabalhou nela até 2008. Foram cerca de 30.000 páginas de artigos da maior importância para a vida da Igreja e da sociedade. Isto equivale a mais de 130 livros de 200 páginas cada um. Além disso D. Estevão escreveu uma longa série de livros e textos para a Escola Mater Ecclesiae, no Curso de Teologia que pode ser feito por correspondência. É um ensinamento totalmente fiel ao Magistério da Igreja Católica recomendado a todos.
Outras publicações e traduções
Foi diretor e redator da primeira revista sobre Apologética Católica do Brasil, a Pergunte & Responderemos (PR), publicação mensal do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, desde 1957 até 2008.
Foi editor da edição brasileira da revista COMMUNIO desde sua fundação em 1982, até 2001.
Era ainda colaborador da revista mensal "Família Cristã", de São Paulo.
O Professor Edson de Castro Homem explica bem quem é D. Estevão: “De fala mansa, é vigoroso no que diz. De tom suave, é sonante no que defende. Convence pelos argumentos e não pela retórica. Insiste na concisão e no necessário, sem resvalar-se na prolixidade e na repetição. Põe a inteligência a serviço do ensino e sobretudo da difusão da fé…Pensador do século XX, debateu-se contra o fideísmo e o ceticismo, contra o relativismo e o dogmatismo, contra o niilismo e o fundamentalismo em vários autores e tendências do pensamento…Conseguiu permanecer fiel não só à metafísica, mas também à teoria do conhecimento tomista, admitindo os limites da razão em face à fé, reconhecendo a superioridade desta, mas sem humilhar nem desqualificar a razão num ‘cogito’ fechado ao ser e à transcendência porque o vê aberto e capaz de conhecer a verdade revelada e de refletir toda a realidade inclusive o Mistério’’.
O Site Aquinate ensina que “nestas breves linhas vemos uma grande proximidade entre a vida de Tomás de Aquino e a vida de D. Estevão. Tomás era dominicano com espírito beneditino e D. Estevão é beneditino com espírito dominicano… Como Tomás de Aquino, D. Estevão não se vale do argumento de autoridade da verdade de fé para convencer, senão que pelo trilho da razão, aproxima o interlocutor ao conteúdo da fé. Nele vemos o labor de conciliar a fé e a razão. Talvez este tenha sido o seu grande trabalho ao longo destas quase cinco décadas. Mas o grande exemplo é a coerência no ideal de vida cristã… Nele encontramos o ideal dominicano de Tomás de Aquino ‘contemplata aliis tradere’ [dar aos outros as coisas contempladas], plasmado numa vida religiosa beneditina de ‘ora et labora’ [oração e trabalho].”
D. Estevão Bettencourt é um exemplo de sacerdote “sábio, douto e santo”, como recomendava S. Teresa de Ávila às suas irmãs. Questionado se não lhe incomodava muito os inúmeros emails e perguntas que recebia, sua resposta foi: “Dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria a Deus”.
Dom Estevão Bettencourt morreu na manhã da segunda-feira, às 6h, vítima de infarto, aos 89 anos. O seu sepultamento aconteceu na própria segunda, no claustro do mosteiro, após a celebração das exéquias, na igreja abacial.
DOM EUGENIO SALES (1920-2012)
Foi cardeal brasileiro e arcebispo emérito do Rio de Janeiro. Foi o religioso brasileiro com o maior número de cargos no Vaticano.
Eugênio de Araújo (1920-2012) nasceu na fazenda Catuana, Rio Grande do Sul. Filho de Celso Dantas Sales e Josefa de Araújo Sales. De família católica, era irmão do Arcebispo Emérito de Natal, Dom Heitor de Araújo e bisneto de Cândida Mercês da Conceição, uma das fundadoras do Apostolado da Oração na cidade de Acari.
Começou seus estudos no tradicional Colégio Marista de Natal. Em 1931, entrou para o Seminário Menor. Estudou Filosofia e Teologia no Seminário da Prainha, em Fortaleza.
Em 1943, foi ordenado sacerdote pelo bispo Dom Marcolino Esmeraldo de Sousa Dantas. Em 1954, foi nomeado bispo auxiliar de Natal pelo Papa Pio XII. Em 1962, entrou para a administração do apostolado da Arquidiocese de Natal nomeado por Dom Nivaldo Monte.
Em 1964, foi nomeado administrador apostólico de São Salvador da Bahia e em 1968, Arcebispo de Salvador, pelo Papa Paulo VI. O mesmo Papa também o nomeou Cardeal, em 1969 e Arcebispo do Rio de Janeiro, em 1971, cargo que exerceu até 2001.
Dom Eugênio Sales combateu a teologia da libertação, movimento de tendência marxista que se formou dentro da igreja católica. Em contrapartida, foi o criador das Comunidades Eclesiais de Base e da Campanha da Fraternidade. O cardeal foi defensor dos direitos dos refugiados e perseguidos pela ditadura militar de 1964, no Brasil. Criou vários centros sociais, com destaque para a pastoral carcerária, cujo objetivo era o tratamento de prisioneiros portadores de HIV.
Dom Eugênio de Araújo Sales faleceu dormindo em sua casa, no Rio de Janeiro, no dia 9 de julho de 2012.
JOSEPH RATZINGER (BENTO XVI)
Iniciado em 2005, o pontificado do papa Bento XVI, com então 78 anos, foi marcado por polêmicas e percalços e será recordado por sua férrea defesa da ortodoxia católica, e como um tradicionalista que tentou reconciliar o mundo da fé e da razão em uma Igreja confrontada por inúmeros escândalos, principalmente os casos de pedofilia envolvendo seus padres. Aplaudido pelos conservadores por tentar reafirmar a identidade católica tradicional, Bento foi criticado por liberais que o acusavam de atrasar as reformas e prejudicar o diálogo com muçulmanos, judeus e outros cristãos.
O teólogo alemão Joseph Ratzinger, que adotou o nome Bento XVI depois de assumir o papado, havia presidido por quase 25 anos, a partir de 1981, a célebre Congregação para a Doutrina da Fé, antigamente chamada de Santo Ofício da Inquisição. Antes de eleito papa, Ratzinger era conhecido como “rottweiler de Deus” por sua posição firme sobre questões teológicas. No entanto, ficou claro que não apenas ele não morde, mas quase não latiu. Apesar de grande reverência por seu carismático antecessor – a quem ele colocou no caminho para a santidade, com a beatificação em 2011 – assessores disseram que ele estava determinado a não mudar seus modos calmos para imitar o estilo de João Paulo II.
Com perfil acadêmico, que relaxava tocando piano, Bento XVI procurou mostrar ao mundo o lado mais gentil do homem que havia sido chefe da doutrina do Vaticano por quase um quarto de século. No entanto, os escândalos de abusos sexuais de crianças perseguiram a maior parte de seu papado. Ele ordenou um inquérito oficial sobre abuso na Irlanda, que levou à demissão de vários bispos. Mas as relações do Vaticano com o país, que já foi majoritariamente católico, despencaram durante seu pontificado, a ponto de Dublin fechar sua embaixada na Santa Sé em 2011. Vítimas exigiram que ele fosse investigado pelo Tribunal Penal Internacional, mas o Vaticano disse que Bento XVI não poderia ser responsabilizado por crimes de outras pessoas.
A crise o levou em várias ocasiões a expressar um perdão público às vítimas desses crimes e a reconhecer, durante sua viagem a Portugal, em maio de 2010, que a maior perseguição que a Igreja sofria não vinha de seus “inimigos externos” mas de seus “próprios pecados” e prometeu que os culpados responderiam “ante Deus e a justiça ordinária”. Optou assim pela “tolerância zero” contra os padres pedófilos a fim de frear as suspeitas da opinião pública.
Durante seu pontificado, visitou a América Latina em 2007, durante a assembleia-geral da Conferência Episcopal da América Latina e do Caribe, celebrada em Aparecida (SP). Na ocasião, negou que a religião católica tivesse sido imposta pela força aos povos americanos, o que lhe valeu duras críticas de religiosos e laicos que recordaram as atrocidades cometidas pelos conquistadores da América em nome da fé. Em março de 2012, visitou o México e Cuba, onde pediu respeito às “liberdades fundamentais” e condenou o embargo americano à ilha comunista. Entre 2007 e 2012, publicou três livros sobre a vida de Jesus, a partir de dados oferecidos nos Evangelhos e em escritos do Novo Testamento, refletindo sobre a figura de Jesus Cristo, o que foi considerado um imponente exercício.
Em setembro, um escândalo atingiu o papa, quando descobriu-se que o mordomo do pontífice, Paolo Gabriele, era fonte de documentos vazados alegando corrupção em negócios do Vaticano. Ele foi preso e condenado a 18 meses de prisão. Em 12 de dezembro, Bento XVI lançou-se no mundo virtual ao lançar na sua conta no Twitter seus primeiros tweets “urbi et orbi”. Ao longo de seu pontificado, Bento XVI adotou medidas que confirmaram seu selo conservador, entre elas a negação de modificações nas posturas tradicionais da Igreja, assim como João Paulo II, em termos de aborto, eutanásia, divórcio e homossexualidade. A postura provocou uma incompreensão profunda das teses da Igreja no Ocidente. Segundo ele, o cristianismo só será crível se for exigente. No entanto, foi o primeiro papa a admitir o uso do preservativo em casos muito limitados para evitar a propagação da Aids.Bento refere uma Igreja minoritária e convencida a uma comunidade de fé vaga.
DEFESA FERVOROSA DA FÉ CATÓLICA
Nascido em 16 de abril de 1927, em Marktl am Inn, uma pequena cidade de pouco mais de 2 mil habitantes na Alemanha, em uma modesta família católica, o jovem Joseph Ratzinger entrou em 1939 no seminário e foi inscrito nas Juventudes Hitleristas, afiliação obrigatória por decreto. Em várias ocasiões, como cardeal e como sumo pontífice, denunciou a “desumanidade do regime nazista” e destacou o caráter involuntário de sua afiliação juvenil. Foi ordenado padre em 29 de junho de 1951, nomeado arcebispo de Munique em março de 1977 e proclamado cardeal em junho de 1977.
Foi na década de 1960 que Ratzinger começou a chamar a atenção da Igreja, como consultor liberal do Concílio Vaticano Segundo (1962-1965). Alguns anos depois, diante do caráter marxista e ateu dos protestos de 1968 na Europa, ele se tornaria mais conservador, defendendo a fé contra o avanço do secularismo. Depois de temporadas como professor de teologia e como arcebispo de Munique, foi nomeado em 1981 para dirigir a Congregação para a Doutrina da Fé (CDF).
Ele e o papa João Paulo II concordavam sobre a necessidade de restabelecer os pilares tradicionais da doutrina e da teologia. Como chefe da CDF, Ratzinger voltou-se contra a teologia da libertação, muito em voga na América Latina, e foi criticado por sua dureza ao condenar o frade brasileiro Leonardo Boff a um ano de silêncio público em questões teológicas, por causa de seus escritos de viés marxista.
Encíclicas Em 1986, Ratzinger denunciou com firmeza, em nome do Vaticano, a homossexualidade e o casamento gay. Na década seguinte, exerceu pressão sobre teólogos, principalmente na Ásia, que viam as religiões não-cristãs como parte dos planos de Deus para a humanidade. Em 2002, se tornou decano do Colégio de Cardeais, que três anos depois o elegeria papa. De 2005 para cá, Bento XVI escreveu três encíclicas – a forma mais importante de documento pontifício. A primeira, Deus Caritas Est (Deus é amor), de 2006, que tratava dos vários conceitos de amor, incluindo o erótico e o espiritual. Spe Salvi (Salvos pela esperança), de 2007, era um ataque ao ateísmo e um apelo pela esperança cristã em um mundo pessimista. Caritas in Veritate (Caridade na verdade), em 2009, propunha-se a repensar a gestão econômica do mundo.
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