sábado, 26 de outubro de 2013

Teólogos contemporâneos - Parte 1.

HENRI DE LUBAC (1896-1991)

Henri de Lubac é considerado um dos principais representantes do pensamento religioso contemporâneo. Seu campo de preocupação e estudo vai desde os padres da Igreja à teologia medieval e ao ateísmo contemporâneo. Especializado em temas da Igreja, é fundador com Daniélou da coleção de textos cristãos “Sources chrétiennes”. Em 1967, recebeu o “Grande Prix” católico de literatura, dando a conhecer ao grande público a importância deste fundador de uma teologia aberta, em diálogo permanente e positivo com as diversas correntes do pensamento moderno.

Nascido em Cambrai (França), em 1896, entrou na Companhia de Jesus para atuar muito cedo como professor de Teologia Fundamental e História das Religiões na Universidade Católica de Lyon e na faculdade dos jesuítas de Fourvière. Suas qualidades de escritor, sua grande erudição e a agudeza de seu pensamento cedo o levaram ao primeiro plano da investigação teológica francesa. Iniciou sua produção com o ensaio Catolicismo, sobre os aspectos sociais do dogma. Fruto de seu estudo da história da teologia patrística e medieval é a criação de “Sources chrétiennes”, coleção de textos da literatura cristã. A partir de 1950, apareceram seus estudos sobre patrística e teologia medieval, História e espírito, que reabilita Orígenes e põe em destaque o que significou sua doutrina no pensamento da Igreja. A partir de 1959, apareceram os quatro grossos volumes de Exegese medieval.

Henri de Lubac foi membro da comissão internacional de teólogos (1969), e advogou pelo diálogo com as religiões não cristãs e com os não crentes.

Como todos os grandes teólogos da época, Henri de Lubac foi objeto, durante algum tempo, de crítica e suspeita por seu livro O sobrenatural. Neste livro denuncia a noção escolástica de “natureza pura” e desenvolve a idéia de uma continuidade da natureza e da graça no ser.

Outra das grandes incursões de Lubac foi o pensamento moderno em estudos sobre Proudhon, Blondel, o budismo japonês e temas relacionados com o ateísmo. Mas sem dúvida o trabalho mais importante é dar a conhecer e reabilitar a obra de Teilhard de Chardin, e seu apoio e participação no Concílio Vaticano II. Seu humanismo é concebido e expresso numa perspectiva cristã e transcendente: “o humanismo exclusivo é um humanismo inumano”, dirá. Seu comentário à constituição conciliar sobre a divina revelação — Deus se lê na história (1974) — é um exemplo deste humanismo transcendente.

Foi um grande renovador da teologia católica por sua imersão nos Padres da Igreja. Em 1983 foi feito cardeal. Entre suas muitas obras, cabe destacar O drama do humanismo ateu (1944), Meditação sobre a Igreja (1953), Exegese medieval (1959-1964) e A revelação divina (1983).

Henri de Lubac faleceu em 1991.

PENSAMENTOS DE HENRI DE LUBAC

"A Igreja não só é a primeira entre as obras do Espírito santificador, mas também compreende, condiciona e absorve todas as outras. Todo o processo da salvação se realiza nela. Para dizer a verdade, identifica-se com ela. Mais ainda: o mistério da Igreja é um resumo de todo o Mistério. É por excelência nosso próprio mistério! Abraça-nos por completo. Rodeia-nos por todos os lados, já que Deus nos vê e nos ama em sua Igreja, já que ele nos quer nela e nela é onde nós o encontramos e nela é também onde nós aderimos a ele e onde ele nos faz felizes".

"Se vivemos na Igreja, temos de combater as lutas da Igreja de hoje. Devemos dar a adesão do nosso entendimento à doutrina da Igreja tal como hoje se encontra elaborada. Ainda supondo que fosse lícito, seria uma grande ilusão acreditar que se poderia reter em seu exato teor e em toda a sua fecundidade a fé de uma época anterior, desprezando o que desde então se foi fazendo mais explícito. O próprio erro e a rebelião, por perfeitamente que tenham sido vencidos, impõem em certa medida um novo estilo e outra ênfase à existência do homem fiel como à expressão da verdade".

"A fé da Igreja... a fé que o Senhor lhe concedeu, que vem a ser nela uma força ardorosa que a fundamenta e que a sustenta... a fé que nós não podemos professar se não nos associarmos a toda a Igreja e da qual somente podemos participar numa medida muito pequena. Era aquela fé perfeita e inalterável, aquela fé sempre plena, sempre igual e sempre serena, aquela fé perseverante, inamovível como a cruz de Cristo, que não é sacudida por nenhum escândalo, que nunca duvida nem vacila, que nunca está sonolenta; aquela fé viva e vivificante, que frutifica no mundo inteiro, na qual se acende e se insere a fé de cada um dos indivíduos, que a nutre a reconforta, até o ponto que quando alguém de nós diz: “Eu creio em Deus”, sempre fala na Igreja e em dependência da Igreja.

"A confissão de fé no Símbolo (o Credo) se pronuncia sempre como que em nome de toda a Igreja. Isto é o que faz com que ainda que aquele que não tem senão uma fé informe e ainda que esteja desprovido das disposições (ideais), possa, contudo, dizer com toda a verdade que ele crê. Pode fazê-lo pelo fato de pertencer à Igreja, que lhe permite falar in persona Ecclesiae (na pessoa da Igreja); enquanto que, ao contrário, quem voluntariamente se separa da Igreja, não tem uma fé válida".

De igual modo, nossa predestinação em Cristo é a predestinação na Igreja. São Paulo nunca pensou em tal predestinação a não ser nesta perspectiva total. Jesus Cristo nos ama a cada um; e a cada um nos diz como a Moisés: “Conheci-te pelo nome”. Porém não nos ama separadamente. Ele nos ama em sua Igreja, pela qual derramou seu sangue. Por isso nosso destino pessoal não pode se realizar a não ser na salvação comum da Igreja, desta Mãe da unidade".

"A Igreja não é Deus, mas “a Igreja de Deus”. Ela é sua Esposa inseparável, que o serve na fé e na justiça... a Casa de Deus onde ele nos recebe para perdoar os nossos pecados. Esta Igreja, que é a coluna da verdade, é onde nós cremos retamente em Deus e onde o glorificamos".

"Ela (a Igreja) é, com efeito, o Lugar escolhido pelo Senhor para que nela seja invocado o seu nome. Ela é o Templo no qual se adora a Trindade e o santuário imutável fora do qual, salvo a desculpa da ignorância invencível, ninguém pode esperar a salvação... Ela é o corpo das três Pessoas. Ela é também aquela Casa preparada no alto dos montes, Casa anunciada pelos profetas, para onde haverão de confluir um dia todas nações para viver unidas nela sob a Lei do único Senhor. Ela é a câmara do tesouro, onde os Apóstolos depositaram a Verdade, que é o Cristo. Ela é a única Sala onde o Pai de família celebra os desposórios de seu Filho. Como também nela é que nós recebemos o perdão e por ela temos acesso à Vida e a todos os dons do Espírito. Não podemos crer nela como cremos no Autor da nossa salvação, porém cremos que ela é a Mãe que nos traz a regeneração".

"Com efeito, por uma parte, à série de erros e desvios que apareceram ao longo dos séculos passados, que deram origem a tantos cismas, que provocaram tantas discussões, conflitos e desordens e que ainda continuam produzindo entre nós seus frutos, vão juntando-se outros, mais sutis, que às vezes minam a consciência católica mesmo naqueles que de modo algum sentem a tentação do cisma ou da heresia formal".

"Em Jesus Cristo, que era a finalidade, a antiga Lei encontrou precedentemente a sua unidade. Século após século, tudo nessa Lei convergia para Ele. É Ele que, da totalidade das Escrituras, formava já a única Palavra de Deus.

"Nele, os “verba multa” (as muitas palavras) dos escritores bíblicos tornam-se para sempre “Verbum unum”(Palavra única). Sem Ele, ao invés, o laço se dissolve: de novo a palavra de Deus se reduz a fragmentos de “palavras humanas; palavras múltiplas, não somente numerosas, mas múltiplas por essência e sem unidade possível, porque, como constata Hugo de São Vítor, “Muitas são as palavras do homem, porque o coração do homem não é uno".

"Ei-lo agora, total, único, na sua unidade visível. Verbo abreviado, Verbo “concentrado”, não somente neste primeiro sentido que Ele, que é um si mesmo imenso e incompreensível, que é Aquele que é infinito no seio do Pai, se comprime no seio da Virgem ou se reduz às proporções de um menino na gruta de Belém, como São Bernardo e seus filhos gostavam de falar, como repetia M. Olier num hino para o Ofício da vida interior de Maria, e, ainda há pouco, o padre Teihard de Chardin. Mas, [Verbo concentrado] também e ao mesmo tempo no sentido que o conteúdo múltiplo das Escrituras, espalhado ao longo dos séculos de expectativa vem todo inteiro comprimir-se para se cumprir, isto é unificar-se, completar-se, iluminar-se e transcender-se Nele".

"Deus pronuncia uma só palavra, não só em si mesmo, na sua eternidade sem vicissitudes, no ato imóvel com o qual gera o Verbo, como Santo agostinho recordava; mas também, como ensinava já Santo Ambrósio, no tempo e entre os homens, no ato com o qual ele envia o seu Verbo para habitar a nossa terra. “Semel locutus est Deus, quando locutus in Filio est” (Deus pronunciou uma só palavra, quando falou no seu Filho): porque é Ele que dá o sentido a todas as palavras que o anunciavam, tudo se explica Nele e somente Nele: “Et audita sunt etiam illa quae ante audita non erant ab iis quibus locutus fuerat per prophetas” (E agora são compreendidas todas aquelas palavras que não foram entendidas antes por aqueles aos quais ele tinha falado por meio dos profetas)".

"A Igreja católica é aquele estandarte erguido em meio às nações, como se exprime o Concílio Vaticano I, tomando as mesmas palavras do profeta Isaías (cf. 49,22), para servir a todos de sinal de reunião, a ela convidando todos os que ainda não têm fé, e assegurando a seus próprios filhos que a fé que eles professam apóia-se sobre o mais firme fundamento.

"A Igreja é aquela montanha que se faz visível desde longe a todos os olhares, aquela cidade resplandecente, aquela luz colocada sobre o candelabro para iluminar toda a casa. Ela é aquele edifício de cedro e de cipreste incorruptível, cuja solidez majestosa desafia os séculos e inspira confiança a nossas efêmeras individualidades. Ela é aquele milagre continuado que não cessa de anunciar aos homens a vinda do seu Salvador e mostrar-lhes com mil exemplos sua Força libertadora..."

"Pela profundidade e pela coesão da doutrina que propõe, por seu conhecimento experimental do homem, como pelos frutos que o Espírito não cessa de fazer florescer nela, a Igreja exerce sobre as almas retas uma atração que atesta, de idade em idade, tantas conversões paradoxais".

"Receptáculo a guardiã das Escrituras, a Igreja distribui sua luz, que é a única que da um sentido inteligível à nossa história. Deste modo, ela nos leva a Cristo por mil caminhos convergentes. É nela onde Deus se mostra aos olhos que vêem a sabedoria".

"A Igreja não só é a primeira entre as obras do Espírito santificador, mas também compreende, condiciona e absorve todas as outras. Todo o processo da salvação se realiza nela. Para dizer a verdade, identifica-se com ela. Mais ainda: o mistério da Igreja é um resumo de todo o Mistério. É por excelência nosso próprio mistério! Abraça-nos por completo. Rodeia-nos por todos os lados, já que Deus nos vê e nos ama em sua Igreja, já que ele nos quer nela e nela é onde nós o encontramos e nela é também onde nós aderimos a ele e onde ele nos faz felizes".

"Não muda em nada a substância da fé. Nunca se lhe acrescenta nada. Não se introduz nenhuma novidade O que faz é impedir, por meio de uma série de esclarecimentos e exatidões sucessivas, que a doutrina diminua ou pereça. Este progresso faz que, em virtude da própria vida que mantém, impeça que a doutrina se esgote. Prevê ou retifica seus desvios. Na verdade, contra os impulsos opostos entre si que mais ou menos estão sempre em ação, ele (o progresso da doutrina) consegue manter em sua plenitude, em sua integridade e em sua autenticidade a verdade que foi confiada à Igreja uma vez para sempre. Não se deve confundir, portanto, este progresso com uma revelação progressiva. Porém tenha-se em conta que ninguém pode opor-se ou ignorar sistematicamente este progresso sem corromper precisamente aquilo mesmo que pretendia conservar".

"Desde algum tempo vem-se falando muito da Igreja; muito mais que antes e, sobretudo, num sentido mais compreensível. Alguns acreditam inclusive que se fala dela um tanto demasiado e com demasiada desconsideração. E se perguntam se não seria melhor esforçar-se simplesmente – como fizeram tantas gerações – esforçar-se para viver nela. De tanto considerá-la a partir de fora para estudá-la, não se habituaria alguém no mais profundo de si mesmo a separar-se dela? Não se corre o perigo, se não de cortar, ao menos de afrouxar os laços íntimos, sem os quais não se pode ser verdadeiramente católico? Tantos venenos, tantos problemas sutis, com toda a agitação intelectual que supõem, serão por acaso compatíveis com aquela antiga simplicidade e com aquele espírito de obediência que caracterizaram sempre os filhos fiéis da Igreja?"

"A Igreja não é uma realidade deste mundo que se pode medir e analisar como se queira. Enquanto durar a presente condição, a Igreja não pode ser conhecida com toda perfeição, mas permanece oculta sob um véu. Pois a Igreja é um mistério de fé. Como os demais mistérios, também ela ultrapassa a capacidade e as forças de nossa inteligência. E mais ainda: pode-se afirmar que ela se torna para nós como o lugar onde no qual confluem todos os mistérios, Porém, o mistério exclui toda indagação curiosa. Deve-se crê-lo na obscuridade. Deve-se meditá-lo em silêncio".

"O homem da Igreja ama a beleza da casa de Deus. A Igreja roubou seu coração. É sua pátria espiritual. É sua mãe e seus irmãos. Nada que lhe diga respeito deixa-lhe indiferente ou afastado. Ele se radica em seu solo; forma-se à sua imagem, integra-se na sua experiência; sente-se rico das suas riquezas. Tem consciência de participar por meio dela, e apenas por meio dela da estabilidade de Deus. Dela aprende como viver e como morrer. Não a julga, mas se deixa julgar por ela. Aceita com júbilo todos os sacrifícios por sua unidade".

"O homem da Igreja ama o seu passado. Medita sobre sua história. Venera e explora sua tradição... Aceita o ensinamento do magistério como norma absoluta. Acredita simultaneamente que Deus nos revelou tudo, de uma vez por todas, no Filho e que, todavia, o pensamento divino adapta a cada época, na Igreja e mediante a Igreja, o entendimento do mistério de Cristo... E compreende, enfim, em qualquer circunstância, que não pode ser um membro ativo do corpo se não for antes de mais nada um membro submetido, dobrável e dócil à direção da cabeça".

"Seja, portanto, louvada essa grande Mãe, pelo mistério divino que nos comunica, introduzindo-nos nele através da dupla porta, constantemente aberta, da sua doutrina e da sua liturgia! Seja louvada pelo perdão que nos assegura! Seja louvada pelos focos de vida religiosa que suscita, que protege e cuja chama mantém viva! Seja louvada pelo universo exterior que nos desvela e em cuja exploração nos guia! Seja louvada pelo desejo e a esperança que cultiva em nós! E louvada seja inclusive por tudo aquilo que ela desmascara e dissipa nas nossas ilusões, para que a nossa adoração seja pura! Louvada seja essa grande Mãe!" 


PAUL JOHANNES TILLICH (1866-1965)

Paul Johannes Oskar Tillich nasceu em 20 de agosto de 1886, em Starzeddel, Alemanha. Foi um teólogo alemão-estado-unidense. Tillich foi comtemporâneo de Karl Barth, e um dos mais influentes teólogos protestantes do século XX.

Estudou sucessivamente a filosofia e a teologia em Berlin, Tübingen e Halle, sendo contemporâneo de Karl Barth e Rudolf Bultmann. Suas teses foram dedicadas à filosofia religiosa de Schelling.

Ordenado em 1912, foi pastor da Igreja luterana evangélica de Brandeburgo; participou da Primeira Guerra Mundial como capelão de guerra. Até 1933, lecionou em Berlin, Marburg, Dresden, Leipzig e Frankfurt. Em 1929 sucedeu Max Scheler na cátedra de filosofia e psicologia de Frankfurt.

Desempenhou um papel importante na fundação da Escola de Frankfurt, tendo orientado a tese de doutorado de Theodor Adorno. Foi fundador, com um grupo de amigos, do movimento intelectual do "socialismo religioso".

Tendo perdido sua cátedra por causa de suas posições anti-nazistas, Tillich emigrou para os Estados Unidos em 1933, a convite dos amigos Reinhold e Richard Niebuhr. De 1933 a 1955, foi professor de Teologia Filosófica no Union Theological Seminary e na Columbia University (New York).

Nacionalizou-se americano e lecionou nas universidades de Harvard e de Chicago. Nesta última cidade, coordenou importantes seminários de estudos da religião com Mircea Eliade. Depois da Segunda Guerra, fez freqüentes viagens a Europa para cursos e conferências. Recebeu o prêmio da paz dos editores alemães em 1962. Harvard e Chicago ocuparam os últimos anos de sua docência como teólogo protestante.

Paul Tillich foi casado com Hanna Tillich e tiveram dois filhos.

Paul Tillich faleceu em Chicago, em 22 de outubro de 1965.

As pesquisas de Paul Tillich contribuíram também para o existencialismo cristão. Tillich é tido, ao lado de Karl Barth, como um dos mais influentes teólogos protestantes do século XX.

Tillich deixou uma densa obra e numerosos discípulos, que seguiram e aplicaram sua doutrina. Seu pensamento aparece como uma ponte entre o sagrado e o profano. Não confunde as duas esferas, mas tende a explicitar o sentido religioso, implícito nas profundezas do ser, de todo ser. A tentativa apóia-se nestes conceitos-base: o limite, a ruptura, a correlação e o abismo. É um pensamento no limite, porque é onde se definem as coisas. O ser no limite significa não um ser estático, mas uma posição de ruptura entre o ser e o não-ser. A ruptura segue a correlação, categoria básica de Tillich, resposta aos problemas do homem e da história. E finalmente o abismo, que permite a Tillich superar a oposição da moderna teologia protestante entre o Deus da razão e o Deus da fé.

No abismo de todo ser reúnem-se e harmonizam-se unitariamente o ser em si e o Uno-Trino da Bíblia. Paul Tillich defendeu o exame da religião pela razão, assim como valorizou o auxílio do conhecimento secular para a compreensão do cristianismo, embora afirmasse que o critério supremo da revelação residia em Jesus.

Sobre essa base filosófica de fundo hegeliano, Tillich constrói sua teologia, que pode ser resumida nestes pontos:

— Insistência em que a Bíblia não é a única fonte da teologia. Esta deve ser predominantemente apologética e querigmática, isto é, deve interessar-se pelas diferentes formas de cultura e ser uma tarefa essencialmente racional para chegar à compreensão do especificamente cristão. Em sua Teologia sistemática (3 vols., 1951-1957), Deus é apresentado como “aquele que nos concerne, em última instância” ou “a essência de nosso ser”. Deus não é um ser, mas o próprio ser. A linguagem da teologia e da religião é essencialmente simbólica. A única exceção é Deus que, como vimos, define como o mesmo ser. “O homem desta infinita e incansável profundidade de todo ser é Deus.” “Talvez se esqueça tudo o que se aprendeu sobre Deus, inclusive a própria palavra, para desta maneira saber que conhecendo que Deus é o profundo, conhecemos muito sobre ele. Neste sentido, ninguém pode chamar-se ateu ou nãocrente. Somente é ateu quem seriamente afirma que a vida é superficial.”

— Com relação ao fato cristão, afirma que Cristo, “enquanto símbolo da participação de Deus nas situações humanas”, é a resposta necessária para a situação existencial do homem pecador. Com ele mudou-se a existência, pois revelou-nos um Deus libertador. Para Tillich, o Novo Testamento somente se refere à história de Jesus para elevá-lo a valor simbólico universal, cujos momentos decisivos são a cruz, símbolo do encadeamento do homem ao finito e negativo da existência, e a ressurreição, símbolo da vitória.

— Fiel a seu método da “correlação”, Tillich insinua e demonstra, em termos arduamente exeqüíveis, que não existe contradição entre o natural e o sobrenatural e que, portanto, o Deus da razão e o Deus da fé e a revelação são dois aspectos de uma mesma realidade. Corrige assim o sobrenaturalismo de Barth, demasiado preocupado em identificar a mensagem imutável do Evangelho com a Bíblia ou com a ortodoxia tradicional. Sua teologia apologética destina-se a responder aos problemas da situação de hoje. “Deve-se lançar a mensagem como se lança uma pedra sobre a situação de hoje.” Pelo princípio da correlação os elementos relacionados só podem existir juntos. É impossível que um aniquile a existência do outro. Com o princípio da correlação a reflexão teológica desenvolve-se entre dois pólos: a verdade da mensagem cristã e a interpretação dessa verdade, que deve levar em conta a situação em que se encontra o destinatário da mensagem. E a situação não diz apenas respeito ao estado psicológico ou sociológico do destinatário, mas "as formas científicas e artísticas, econômicas, políticas e éticas, nas quais [os indivíduos e grupos] exprimem as suas interpretações da existência". A situação é o que se deve levar a sério.

— Com fundamento nas idéias de Schelling e no existencialismo de Kierkegaard, Tillich elaborou uma teologia que engloba todos os aspectos da realidade humana em função da situação histórica do homem. Seu método teológico baseou-se no chamado princípio da correlação, descrito em Systematic Theology (1951-1963; Teologia sistemática). Esse princípio transforma a teologia num diálogo que relaciona as perguntas feitas pela razão às respostas obtidas mediante a fé, como experiência reveladora.

— Para Tillich, a teonomia - lei interior dada por Deus, em harmonia com a natureza essencial do homem - dá força e liberdade ao homem para reconstruir a sociedade de forma criativa. A teonomia contrapõe-se à heteronomia, lei imposta ao homem de fora para dentro, e à autonomia, que o deixa frustrado e sem motivação para a vida.

— A vida é definida por Paul Tillich como sendo a atualização do ser potencial. Em todo processo vital ocorre essa atualização. Os termos "ato", "ação", "atual" denotam um movimento com centralidade dirigida para diante, um sair do centro de ação. Mas esse sair-de-si ocorre de tal forma que, para Tillich, "o centro não se perde nesse movimento centrífugo. Permanece a auto-identidade na auto-alteração." O outro, no processo de alteração se dirige tanto para fora do centro como para dentro dele novamente. Dessa forma distingue três elementos no processo da vida: auto-identidade, auto-alteração, e volta para si mesmo. "Potencialidade se torna atualidade somente através desses três elementos no processo que chamamos vida".

A influência de Tillich cresceu ainda mais depois de sua morte. Seu pensamento com relação ao conceito de Deus foi seguido e popularizado por John Robinson, autor de Honest to God (1963). Mais recentemente, Don Guppitt iniciou um duro ataque à doutrina tradicional cristã sobre Deus em sua obra Tomando o lugar de Deus (1980), na qual advoga por um conceito cristão-budista de Deus similar ao de Tillich.

Entre suas obras, cabe destacar Se comovem os fudamentos da Terra (1948), Teologia sistemática (1951, 1957 e 1963), Coragem de ser (1952) e O eterno agora (1963). Grande renovador da teologia, seu tema principal é a reconciliação entre ciência e fé e entre cultura e religião.

PENSAMENTOS DE PAUL TILLICH

"A cura pela fé no sentido não pervertido da palavra é a recepção da salvação/saúde no ato da fé, isto é: na entrega a algo que nos diz respeito incondicionalmente, ao sagrado que não pode ser forçado a se colocar a nosso serviço. De tal entrega deriva a cura no centro da personalidade, integração das forças contraditórias que se subtraem ao centro e querem então se apossar dele".

"A integração do si mesmo pessoal só é possível mediante a sua elevação até aquilo que chamamos simbolicamente de si mesmo (ou personalidade) divino. E isso só é possível graças à irrupção do Espírito divino no espírito humano, isto é, pela presença do Espírito divino".

"Chegamos assim à conclusão que cura e salvação se pertencem mutuamente de modo indissociável, que os múltiplos aspectos do curar/salvar devem ser claramente diferenciados, que eles são produzidos por uma força suprema de cura e que seus portadores devem lutar juntos a favor da humanidade. Nenhuma separação, nenhuma confusão mas um objetivo comum de todo "curar": o ser humano salvo, em totalidade".

"Uma religião que não possui um poder de curar e salvar é desprovida de sentido".

"A razão não resiste à revelação. Ela pergunta pela revelação. Pois revelação significa a reintegração da razão".

"É a finitude do ser que conduz à questão de Deus".

"... o termo 'Novo Ser', quando aplicado a Jesus como o Cristo, indica o poder que nele vence a alienação existencial ou, expresso em forma negativa, o poder de resistir às forças da alienação. Experimentar o Novo Ser em Jesus como o Cristo significa experimentar o poder que nele venceu a alienação existencial em si mesmo e em todos aqueles que têm parte com ele".

"A teologia sistemática necessita de uma teologia bíblica que seja histórico-crítica sem quaisquer restrições, mas que seja, ao mesmo tempo, interpretativo-existencial, levando em conta o fato de que ela trata de assuntos de preocupação última"

"Nossa preocupação última é aquilo que determina o nosso ser ou não-ser. Só são teológicas aquelas afirmações que tratam de seu objeto na medida em que possa se tornar para nós uma questão de ser ou não-ser"

"O homem está dividido dentro de si. A vida volta-se contra si própria através da agressão, do ódio e do desespero. Estamos habituados a condenar o amor-próprio; mas aquilo que pretendemos realmente condenar é o oposto do amor-próprio. É aquela mistura de egoísmo e aversão por nós próprios que permanentemente nos persegue, que nos impede de amar os outros e que nos proíbe de nos perdermos no amor com que somos eternamente amados. Aquele que é capaz de se amar a si próprio é capaz de amar os outros; aquele que aprendeu a superar o desprezo por si próprio superou o seu desprezo pelos outros".

"Na nossa tendência para maltratar e destruir os outros existe uma tendência, visível ou oculta, para nos maltratarmos e nos destruirmos. A crueldade para com os outros é sempre também crueldade para com nós próprios. Deste modo, o estado de toda a nossa vida é o distanciamento dos outros e de nós próprios, porque estamos distanciados da Razão do nosso ser, porque estamos distanciados da origem e do objectivo da nossa vida".

"A teologia levanta necessariamente a questão da realidade como um todo, a questão da estrutura do ser. A teologia suscita necessariamente a mesma pergunta, pois aquilo que nos preocupa de forma última deve pertencer à realidade como um todo; deve pertencer ao ser".

"O objetivo da teologia é aquilo que nos preocupa de forma última. Só são teo-lógicas aquelas afirmações que tratam do seu objeto na medida em que ele pode se tornar questão de preocupação última para nós"

"“Um sistema teológico deve satisfazer duas necessidades básicas: a afirmação da verdade da mensagem cristã e a interpretação desta verdade para cada nova geração”.

"Se a “Palavra de Deus” ou o “ato de revelação” é considerado a fonte da teologia sistemática, devemos enfatizar que a “Palavra de Deus” não está limitada às palavras de um livro e que o ato de revelação não se identifica com a “inspiração” de um “livro de revelações”, mesmo que esse livro seja o documento da “Palavra de Deus” final, plenitude a critério de todas as revelações".

"O sentido ontológico da experiência é uma conseqüência do positivismo filosófico. O que é dado positivamente é, segundo esta teoria, a única realidade da qual se pode falar de modo significativo. E positivamente dado significa dado na experiência. A realidade é idêntica à experiência"

“A Bíblia como um todo nunca foi a norma da teologia sistemática. A norma tem sido um princípio derivado da Bíblia num encontro entre ela e a igreja”.

“Já que a norma da teologia sistemática é o resultado de um encontro da igreja com a mensagem bíblica, podemos considerá-la produto da experiência coletiva da igreja”

"A Bíblia é a Palavra de Deus em dois sentidos: É o documento de revelação final e participante na revelação final da qual é documento. Provavelmente nada contribuiu mais para a interpretação errônea da doutrina bíblica da Palavra do que a identificação da Palavra com a Bíblia"

“O Cristo não é o Cristo sem a Igreja, e a Igreja não é Igreja sem o Cristo. A revelação final, como toda revelação, é correlativa”.

HANS URS VON BALTHASAR (1905-1988)

Teólogo jesuíta suíço, nascido em 1905, em Lucerna. Foi um dos mais importantes do século XX (considerado o favorito do papa João Paulo II, que o fez cardeal nos últimos dias de sua vida). Estudou germanismo e filosofia em Viena, Berlim e Zurique (1923-1929) e filosofia e teologia em Lyon e Pullach (1929-1938).

Depois de ser ordenado sacerdote, exerceu seu ministério em Munique, Zurique e Basilea como capelão de estudantes. Sua obra recolhe as incitações mais fecundas do pensamento alemão e francês e da teologia cósmica dos padres gregos.

Ordenado padre em 1936, von Balthasar foi jesuíta até 1950. Nesse ano deixou a Sociedade de Jesus, como consequência de, no desempenho da sua missão, se ter tornado amigo e confessor de Adrienne von Speyr, uma viúva convertida ao catolicismo. As suas visões e escritos místicos, bem como a "Comunidade de S. João" (para leigos, fundada pelos dois), não eram reconhecidos pela Igreja, pelo que o teólogo se desvinculou dos jesuítas, como "aplicação da obediência cristã a Deus".

O teólogo que defendia uma "teologia ajoelhada", isto é, o pensamento teológico tem de estar ligado à oração e à adoração, em vez de ser mera análise sistemática, foi o grande ausente do Concílio do Vaticano II, embora ideias como a da Igreja santa mas "sempre necessitada de purificação e de penitência" lhe sejam caras.

Von Balthasar deixou uma importante coleção de escritos — alguns deles, tratados teológicos de grande profundidade. Balthasar também deixou obras leves, como "A tríplice guirlanda", que é um comentário sobre a Ave Maria.

Segundo outro grande teólogo, Henri de Lubac, ele era "o homem mais culto do nosso tempo"; ele "tentou colocar o tema da beleza como fundamento da reflexão teológica", explica o monge Enzo Bianchi. Von Balthasar quis construir uma teologia que intui na beleza da "figura" de Cristo o caminho fundamental para se chegar ao cristianismo. Os outros dois pontos fundamentais, a verdade e a bondade, não têm nenhuma possibilidade de atrair o homem, a não ser que este se sinta atraído pela beleza de Cristo crucificado, irradiada sobre todo o cosmos através da ressurreição. Segundo Balthasar existem três maneiras de entrar em contato com a beleza de Cristo: a Sagrada Escritura, definida como "espelho", "imagem canônica"; a Eucaristia, "mistério de fé", ou representação da plenitude da salvação cristã; e a Igreja, "forma imperfeita", que torna perceptível a beleza de Cristo.

Diz-se que Hans Urs von Balthasar era o teólogo preferido de João Paulo II. E, de fato, não pelas suas preferências, mas pelo contributo dado à Teologia e à Igreja, o Papa Wojtyla nomeou-o cardeal. A recepção do título, apenas honorífico, visto não poder participar em um conclave, estava marcada para 28 de Junho de 1988. Hans Urs von Balthasar entra para a glória do Senhor dois dias antes, quando se preparava para celebrar Missa.

Seus títulos mais representativos são, entre outros, A essência da verdade (1942), Teologia da história (1950), A oração contemplativa (1955), O problema de Deus no homem atual (1956), Glória, uma estética teológica (1961-1969), Pneuma e instituição (1974) e Se não vos fazeis como esta criança (1985). Em 1988 foi promovido ao cardinalato e criado cardeal a título póstumo.

Von Balthasar faleceu em 1988, em Basilea.

PENSAMENTOS DE HANS URS VON BALTHASAR

O texto seguinte se refere à cena do Evangelho em que Maria e José perdem Jesus, até o encontrarem no Templo.

"'Por que você fez isso conosco — diz a Virgem? Eu e o seu pai te procurávamos aflitos!' Ele (o Cristo) não pode poupá-los desse sofrimento. Só nessa busca um cristão pode 'encontrar'; uma busca tão séria que é como se tudo dependesse dessa coisa que se quer encontrar. Não há outra recomendação para a vida cristã a não ser esta: só podemos encontrar Jesus no lugar onde ele se entregou a Deus. Todo cristão deve procurá-lo 'entre parentes e conhecidos', para cima e para baixo da estrada; mas no final, sempre ouviremos dele as palavras: 'Não sabíeis que eu devo tratar das coisas do meu Pai?' Muito provavelmente, como Maria e José, a princípio não entenderemos nada, e teremos de procurar ainda mais. Maria Madalena o procura no sepulcro, mas depois que Ele se deixa encontrar, ela tenta segurá-lo, e ele desaparece. Da mesma forma, ele some da vista dos discípulos de Emaús no momento em que, finalmente, eles conseguem identificá-lo. Nós só o encontramos definitivamente 'no lugar do Pai', no céu, — isto é, quando 'encontrar' já não significa delimitar Deus no nosso próprio espaço, mas significa que nós fomos 'encontrados' por Deus, que nós entramos no espaço Dele, que nós somos 'conhecidos por Deus', como diz são Paulo. 'Deus é infinito, de modo que continuaremos procurando por Ele mesmo depois de tê-lo encontrado' (Santo Agostinho)".

"Esse total dom de si, para o qual o Filho e o Espírito Santo respondem, repetirão, significa algo como uma "morte", uma primeira e radical "kenose", se se quiser: uma "super morte", que se encontra como aspecto de todo amor e que fundamentará no interior da criatura tudo aquilo que nela poderá ser uma boa morte: do esquecer-se de si mesma pela criatura amada até aquele supremo amor que "dá a vida por seus amigos" .

"A Teologia é uma ciência 'de joelhos'".

"A infância e a morte estão uma ao lado da outra: o seu mistério essencial chama-se simplesmente. entregar-se a si mesmo de forma completa. A criança manifesta-se no mundo nua no corpo e nua do espírito, enquanto inerme deve confiar-se ao mistério do Pai. Tudo aquilo que se encontra entre onascimento e a morte constitui um parêntese. A sua seriedade faz parte do jogo de Deus: todavia, no início e no final revela-se sem qualquer obstáculo o modo de jogar: o Filho do Pai, que procede eternamente dele, volta para Ele também de forma eterna, e em cada instante de tempo. E nós, crianças, somos convidados a participar precisamente neste jogo"

"Em todas as culturas não cristãs a criança tem uma importância somente marginal, porque é simplesmente um estado que precede o homem adulto. Necessita-se da encarnação de Cristo para que possamos ver não somente a importância antropológica, mas também aquela teológica e eterna do nascer, a bem-aventurança definitiva do ser a partir de um sinal que gera e dá à luz"

"Tudo o que é humano é argila nas mãos do Criador e Redentor".

"Para os cristãos não existe qualquer motivo que os leve a restringir o conceito de espiritualidade ao espaço cristão"

"Se agora passamos a ver as coisas através da espiritualidade da ação (Aristóteles), tem de dizer-se então que ela (espiritualidade da ação) é justamente importante para o Eros absoluto. Mais ainda: ela desempenha na espiritualidade humana um papel indispensável e decisivo, no sentido de que ajuda e facilita ao Eros a consecução da sua tarefa, qual é a de permanecer ativamente no espaço mundano, visto como lugar obrigatório do seu exercício, provação, educação e purificação. Este campo de atividade é para o homem necessariamente duplo: primeiro, porque é Eros entre o Eu e o Tu, não só à dimensão sexual, como também à supra-sexual, ao nível da amizade; depois, porque é também Eros como entrega à sociedade (povo, estado, humanidade) e à comum empresa de humanidade (cultura, técnica e progresso). Esta dualidade característica do Eros assenta porém na própria essência do homem: ele é efetivamente uma pessoa exclusiva, quando visto na sua relação ao corpo. Mas simultaneamente ele é também espírito e como tal aberto e obrigado a ser universal (…) Em todo o caso, é devido à estrutura do Eros, olhado como desejo de realização do Espírito, que o homem se sente obrigado a colaborar com os outros homens para a construção do mundo, sem com isto dizer que o Eros deve terminar a sua atividade no espaço humano ou mundano"

"A estrutura interior do Evangelho exige que, para imitar a Cristo, o homem tenha de arriscar tudo numa só jogada, sem se importar com mais nada. O deixar tudo é absoluto e exclui até o olhar para trás, pela última vez, exclui qualquer conciliação entre seguir Jesus e o adeus à casa paterna, entre Jesus e o dever de sepultar o próprio pai, entre Jesus e qualquer outra coisa que pudesse condicionar o caráter absoluto da entrega"

"Tudo depende – se quisermos ver autenticamente segundo o Espírito Santo – da capacidade de redescobrir o Evangelho através duma nova abertura interior. E quanto mais direta e profundamente a abertura do olhar interior conduzir para o centro do Evangelho, tanto mais verdadeira e eclesial será então a espiritualidade. Nenhum enviado verdadeiro acreditou ou pretendeu fundar, através da missão que lhe foi confiada, uma nova espiritualidade. Por isso mesmo se tornam desde o princípio suspeitas, e com toda a probabilidade estéreis, as tentativas dum indivíduo, dum grupo ou dum Estado, para criar e configurar até ao último pormenor uma espiritualidade nova e própria. Os grupos aos quais o Espírito não presenteou com carismas especiais devem estar agradecidos com o fato de poderem permanecer no anonimato da Ecclesia ancilla e nele poderem levar a cabo uma existência dedicada ao serviço do amor"

"Deus é o fim último das criaturas: ele é o céu para quem o alcança, o inferno para quem o perde, o juízo para quem por ele é examinado, o purgatório para quem é por ele purificado... e tudo isto no modo em que ele dirigiu-se ao mundo, isto é, no seu Filho, Jesus Cristo, que é a possibilidade de revelação de Deus e, portanto, a síntese das coisas últimas."

KARL BARTH (1886-1969)

Karl Barth foi um dos maiores pensadores protestantes do século XX. Karl Barth nasceu em Basel, Suíça, no dia 10 de maio de 1886. Barth foi um teólogo de confissão calvinista. Filho de pais religiosos, foi educado em meio a pastores conservadores. Suas influências acadêmicas foram Kant, Hegel, Kierkegaard e teólogos como Calvino, Baur, Harnack e Hermann. Até 1911, ainda jovem, esteve Karl Barth vinculado ao protestantismo liberal antidogmático e modernista de Adolf von Harnack (1851-1930), invertendo a seguir sua posição. Em 1911 começou a pastorear uma pequena igreja do interior da Suíça e aí ficou até 1925. Durante esses anos conheceu Eduard Thuneysen, amigo que acompanhou e contribuiu em suas reflexões teológicas. Nessa época seu grande desafio era o que pregar a cada domingo. Em 1914, ele e Thuneysen resolveram buscar uma resposta ao desafio da pregação. Durante quatro anos, Thuneysen estudou Schleiermacher e Barth estudou Paulo. Como fruto desses estudos, em 1919, Barth publicou seu Comentário à Epístola aos Romanos.

Estudou em Berna, Berlim, Tuebingen, Marburgo. Algum tempo pastor em Genebra e em Safenwil. A partir de 1921 passou a ensinar teologia na universidade alemã de Goettingen; em 1925, na de Muenster; em 1930, na de Bonn. Em 1935, por sua atitude anti-nazista, foi obrigado por Hitler a refugiar-se em Basiléia, de cuja universidade foi professor, onde lecionou até 1961. Na Alemanha, deu ainda, na qualidade de professor estrangeiro, lições em Bonn, em 1946 e 1947.

Karl Barth faz parte da chamada “teologia dialética” ou “da crise”, junto a J. Moltmann, E. Brunner, R. Bultmann, F. Gogarten e outros. Barth deu nome a um movimento: o barthismo, que propõe uma total e coerente adesão à Palavra de Deus, equivalente ao objetivismo da revelação bíblica e ao fato histórico da encarnação, contra o imanentismo da cultura moderna geral e em particular do “protestantismo liberal”. Procurou renovar a teologia desvinculando-a da tradição fideísta de Schleiermacher (1768-1834), para recolocá-la na reforma do século 16. A teologia de Barth é uma reação frente a Schleiermacher e, em geral, contra a cultura do Romantismo e do Iluminismo.Barth rejeitou a analogia entre Deus e a criatura, para destacar a transcendência divina, advertindo que somente é válida a via negativa de acesso a Deus, de acordo com a expressão de Kierkegaard sobre a infinita diferença qualitativa entre o tempo e a eternidade.

Com o destaque da transcendência divina abriu largo espaço entre Deus e o homem. Abandonado o homem existencialmente a si mesmo, não tendo senão a fé como caminho para o alto. Cristo é o intermediário, como se diz na Epístola aos Romanos, e comentada por Barth. A teologia de Barth recebe muitos nomes: teologia da crise, teologia dialética, teologia kerigmática,teologia da Palavra.

Participou, como observador, do Concílio Vaticano II. A doutrina de Barth está presente em seus numerosos discípulos e em sua extensa e valiosa obra escrita. Destacamos seu monumental Die Kirchliche Dogmatik (10 vols., 1955) e o Comentario à epístola aos Romanos (1919); Humanismus (1950), e outras.

Karl Barth faleceu em dezembro de 1969.

Podemos sintetizar sua teologia nos seguintes pontos:

1) Barth destaca a absoluta transcendência de Deus. Deus é o único positivo, o ser. O homem, no entanto, da mesma forma que o mundo, é a negação, o não ser. Justamente por não ser nada, o homem não tem a possibilidade de autoredenção; nem ao menos de conhecer Deus, mas somente de saber que não o conhece.

2) A iniciativa vem de Deus, que irrompe no mundo do homem através de sua revelação e palavra. A teologia de Barth é, por isso, a teologia da palavra. A revelação de Deus é o objeto da teologia. Barth centra toda a sua atenção na revelação e palavra de Deus na Bíblia.

3) Barth vê a revelação de Deus na Bíblia como algo dinâmico, não estático. A palavra de Deus, diz Barth, não é um objeto que nós controlamos como se fosse um corpo morto que podemos analisar e dissecar. Na realidade é como um sujeito que nos controla e atua sobre nós. E essa Palavra é capaz de nos fazer reagir de um jeito ou de outro.

4) A Palavra de Deus é o acontecimento mediante o qual Deus fala e se revela ao homem através de Jesus Cristo. E como isto se torna realidade? A Bíblia, Palavra escrita de Deus, é a testemunha do acontecimento da Revelação de Deus. O Antigo e o Novo Testamento colocam Jesus Cristo como o “Cordeiro de Deus”, anunciado por João Batista. Por isso, sem dúvida, desde seus primeiros anos como pastor, Barth teve sobre sua mesa a pintura de Grünewald em que João Batista mostra Jesus Cristo crucificado.

5) Hoje, através da Palavra proclamada, a Igreja é testemunha da Palavra revelada. Sua proclamação baseia-se na palavra escrita, a Bíblia. Deus serve-se desta palavra proclamada e escrita, e se transforma em palavra revelada de Deus, quando ele quer falar-nos através dela.

A ênfase da teologia de Barth está na revelação de Deus em Jesus Cristo. A única palavra de Deus está em Jesus Cristo. Toda relação de Deus com o homem se dá em Cristo e através de Cristo. Em sua forma negativa, isto significa a exclusão da teologia natural. Positivamente, tudo deve ser visto e interpretado a partir de Cristo ou, empregando a expressão barthiana, a partir da “concentração cristológica”. O pecado original não pode ser entendido independentemente de Cristo. A fé também não é fruto de um raciocínio nem está fundamentada em um sentimento subjetivo. “Em Jesus Cristo não há separação do homem de Deus, nem de Deus do homem.”

Barth prega que “a mensagem da graça de Deus é mais urgente que a mensagem da Lei de Deus, de sua ira, de sua acusação e de seu juízo”. A teologia de Barth exerceu e continua exercendo uma influência decisiva na constante procura da palavra autêntica e verdadeira de Deus. Sua condição de “crente” que não invoca nenhum mérito diante de Deus é o melhor estímulo para os cristãos de todos os tempos.

Produziu obra volumosa, ainda que sob poucos títulos:- Comentário à epístola aos romanos (1919);- O cristão na sociedade (1920);- A ressurreição dos mortos (1924);- A palavra de Deus e a teologia (1925);- A dogmática cristã (26 vols, 1932-1969);- A teologia protestante no século 19 (1947).

PENSAMENTOS DE KARL BARTH

“Devemos falar de Deus. Somos, porém, humanos e como tais não podemos falar de Deus. Devemos saber ambos, nosso dever e nosso não-poder, e justamente assim dar glória a Deus”

"Que o Pai ama o Filho e que o Filho é obediente ao Pai, que Deus se entrega ao homem neste amor e, nesta obediência, assume a baixeza do homem para elevá-la à sua altura, que o homem se torna livre neste acontecimento, pelo fato de escolher por sua vez a Deus que o elegeu, eis em absoluto uma história que não pode, como tal, ser interpretada por equívoco como uma causa imóvel que produz efeitos quaisquer"

"É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra o jornal".

"Tudo o que digo de Deus é um homem quem o diz".

"Se se nega a Trindade temos um Deus sem beleza".

"Igreja existe ali onde a pessoa humana presta ouvidos a Deus"

"O culto constitui a ação mais momentosa, mais urgente e mais gloriosa que pode acontecer na vida humana".

"Que Deus enquanto Deus seja capaz de tal condescendência, de tal rebaixamento de si mesmo, que esteja disposto e pronto para isto: eis aí - o que muitas vezes se desconhece neste caráter concreto - o mistério da 'divindade de Cristo'"

"Precisa morrer em Cristo o homem que escolhe para si o materialismo, lendas e fábulas ou a transitoriedade do mundo; o homem que se esquece que nada tem que não tivesse recebido e precisasse receber novamente de Deus; o homem que quer safar-se do paradoxo da fé; o homem que já não quer, ou que ainda não quer, abrir mão de sua confiança na sabedoria, na ciência, nas coisas certas e palpáveis do mundo, e do conforto que este oferece, para depender exclusivamente da graça de Deus. Precisa morrer em Cristo o homem que tenha qualquer outro pretexto para se apoiar, que não seja 'esperança'."

"Justamente de Jesus Cristo, não sabemos nada de tão certo quanto isto: em uma livre obediência a seu Pai, escolheu ser homem e, como tal, fazer a vontade de Deus"

"Eis, portanto, qual é a realidade de Jesus Cristo: Deus mesmo em pessoa está presente e age na carne. Deus mesmo em pessoa é o sujeito de um ser e de um agir realmente humanos. E é justamente assim, e não de outra forma, que este ser e este agir são reais. É um ser e um agir autêntica e verdadeiramente humanos... Sua humanidade (de Jesus) não é senão o atributo da sua divindade, ou antes, em termos concretos: ela não é senão o atributo, assumido no decurso de um rebaixamento incompreensível, da Palavra que age em nós e que é o Senhor".

"Como filho do homem e portanto como ser humano, Jesus Cristo só existe pela ação de Deus: pelo fato de ser primeiramente o Filho de Deus... Mas a humanidade de Jesus, em si e como tal, seria um atributo sem sujeito".

KARL RAHNER (1904-1985)

Um dos maiores teólogos católicos do século XX, Karl Rahner nasceu em Freiburg, na Alemanha, em 1904. Foi sacerdote jesuíta, ordenado em 1932. O teólogo Karl Rahner, foi um dos mais importantes e criativos teólogos da tradição católica no século XX, teve um papel fundamental no incentivo à abertura da igreja católica-romana às diversas tradições religiosas.

Foi um dos principais assessores teológicos do Concílio Vaticano II. Em 1965 fundou a «Concilium», revista internacional de Teologia, com a colaboração de Yves Congar e Edward Schillebeeckx. Foi um pensador que influenciou muitos teólogos. Segundo muitos teólogos "todos bebemos em Rahner". O pensamento teológico na atualidade "é devedor, mas em profundidade, à reflexão deste alemão". O projeto de auto-comunicação de Deus; a relação da Antropologia com a Cristologia e a Igreja e o espírito são pontos essenciais da reflexão de Karl Rahner. Rahner estudou na universidade de Freiburg e acompanhou os cursos de Martin Heidegger, uma das influências decisivas na sua formação (outras influências importantes seriam Kant e o jesuita belga Joseph Maréchal).Karl Rahner passou a maior parte da sua vida ensinando teologia sistemática em cidades como Innsbruck e Munique. Deixou uma obra vastíssima, que inclui as "Investigações Teológicas", em 14 volumes. Karl Rahner faleceu em 1985.

Karl Rahner foi profundamente ligado à renovação da teologia católica e da Igreja. Desde 1948 foi professor de teologia dogmática em Innsbruck. Posteriormente lecionou também teologia nas Universidades de Munique e Münster. A partir de 1964, e durante três anos, participou dos trabalhos da comissão teológica do Vaticano ll, dando ao mesmo tempo cursos sobre a concepção cristã do mundo na Faculdade de Filosofia de Münster, onde sucedeu Romano Guardini. A aposentadoria de Rahner, em 1971, não interrompeu sua atividade científica e pastoral, já que continua sendo membro ativo do Sínodo Nacional da Alemanha.

Sua obra insere-se na corrente filosófica alemã de Heidegger, de quem foi discípulo, e nutrese do pensamento teológico alemão tanto católico quanto protestante. É uma teologia aberta e profundamente tradicional, mas fortalecida com um novo alento de vida e cultura moderna. Sua numerosa produção vai de 1941 a praticamente seus últimos dias, em 1985. Cabe assinalar as seguintes obras: Ouvinte da palavra (1941); Visões e profecias (1952); Liberdade de palavra na Igreja (1953); Missão e graça (1959); Cristologia (1972); Mudança estrutural da Igreja (1973); Curso fundamental da fé (1976). Muitos de seus escritos foram coletados nos Escritos de Teologia (1954-1975) e na coleção “Quaestiones disputatae” (iniciada em 1958). Dirigiu também as obras enciclopédicas Sacramentum mundi (1969) e Manual de teologia pastoral (1971-1972).

Dessa abundante obra destacamos sua doutrina mais original, e que divulgou o que se conhece como “cristianismo anônimo”. Para ele, cristão é todo aquele que “choca com o mistério”. Quanto mais o homem se coloca questões fundamentais e se aprofunda na experiência da vida ou utiliza seus conhecimentos científicos, mais se adentra no mistério: “é o mistério que chamamos Deus”.

Pois bem, “o cristão anônimo”, tal como o entendemos, é o pagão que vive depois da vinda e pregação de Cristo, em estado de graça através da fé, da esperança e da caridade, embora não tenha conhcecimento explícito do fato de que sua vida é orientada pela graça salvadora que leva a Cristo... "Deve haver uma explicação cristã que dê conta do fato que todo indivíduo que não opera em nenhum sentido contra a sua própria consciência e diz realmente em seu coração ‘Abba’ com fé, esperança e caridade, é na realidade aos olhos de Deus um irmão para os cristãos” (Escritos de teologia).

Sua idéia, seguida hoje por muitos outros teólogos, de que existam “cristãos anônimos” sem compromisso religioso algum, é altamente sugestiva. “Cristão anônimo é aquele que aceita a si mesmo numa decisão moral”, ainda quando tal decisão não se faz de uma forma “religiosa” ou “teísta”. Justificaria o chamado “cristianismo secular” ou “cristianismo horizontal” tal como o formulou a Assembléia de Upsala (1964) e tal como o formula a Teologia da Libertação. Pode-se ser cristão sem referência a nenhum elemento religioso. E a Igreja fica como comunidade missionária sem nenhuma pretensão ou pressão social e política.

Segundo Karl Rahner, o homem é o ser "ouvinte da Palavra". Por sua dimensão espiritual, o homem está receptivo a uma possível revelação divina, que lhe explique e dê significado ao mistério da Existência e do Ser.

O homem é o único ser, que pergunta-se pelo mistério e o sentido da Existência e do Ser, e isso devido a sua dimensão espiritual: o homem é espírito. Por ser espírito, o homem está receptivo e a procura de uma explicação para o Mistério; o homem é um "ouvinte da Palavra"; ele contém um a priori cognoscitivo, que é essa abertura para uma possível revelação divina; o homem é o ser à espera da manifestação de Deus.

A revelaçao é uma auto-manifestação de Deus, é uma auto-revelação; e essa auto-comunicação de Deus responde e vem ao encontro da "abertura" ou "receptividade" humana que está à procura e à espera de uma resposta válida e coerente para suas perguntas sobre o Ser e a Vida.

Assim como Kant estabeleceu os a prioris que permitem o homem chegar ao conhecimento da ciência e do mundo; Rahner estabeleceu os a prioris que permitem ao homem chegar ao conhecimento de Deus e da teologia.

O a priori de Rahner, consiste nessa abertura e receptvividade do homem para com o Mistério. O Mundo, o Ser e a Vida são mistérios e interrogações que colocam-se diante do homem, e o homem está a espera de uma Palavra, uma Revelação, que lhe dê sentido e explicação sobre essas realidades misteriosas; por isso o homem é um "ouvinte da Palavra". O homem está à escuta da Palavra que lhe dê a resposta apaziguadora; essa Palavra é a auto-comunicação de Deus. Cristo é justamente essa auto-revelação e auto-manifestação de Deus. Em Cristo, Deus se auto-revela e se auto-comunica aos homens, dando-lhes a resposta que eles procuram e buscam.

A teologia de Rahner é chamada de "transcendental", pois parte da dimensão do mistério da Vida e do Ser. É diante do mistério da Vida e do Ser, que o homem pergunta-se pelo sentido e significado das coisas; é a partir desse mistério, que o homem está a espera de uma revelação.

Como outros teólogos, Rahner recebeu vários “monitum”. Sua teoria do cristianismo anônimo, aberto a todos e não monopolizado pela Igreja — um cristianismo disperso e arraigado em todo o mundo, um cristianismo sem fronteiras, fruto da graça de Deus oferecida acima de todas as categorias humanas — foi posta em questão. “A teologia não é um assunto privado e, submetida ao Magistério da Igreja, inclusive em sua tarefa de pesquisa, não pode esconder-se atrás de uma liberdade acadêmica” (Paulo VI, 1975). Não obstante, permanece o mais valioso de sua doutrina: o diálogo constante mantido com o homem moderno, com a sociedade e suas condições. A teologia terá de fazer o possível para não se desentender com eles.

PENSAMENTOS DE KARL RAHNER

"Maria é a concreta realização do perfeito cristão. Maria é como nós. Jesus Cristo é outrossim um como nós. Mas ele também é Deus. Maria é que é inteiramente uma entre nós. O que ela é nós devemos ser. É por isto que Maria é-nos tão familiar. É por isso que nós a amamos".

"Deus age através de Causas Segundas. É Ele a Causa Primeira que dá origem e sustenta a cadeia de todas as causas segundas que movem o mundo. Mas não é, Ele mesmo, um elemento do mundo, como se fosse apenas uma causa segunda entre as outras. Deus, em sí mesmo, não é uma engrenagem do mundo".

"A condição criada do mundo é relação absolutamente única, só ocorre uma vez. Criação e condição de criatura não indicam apenas o primeiro momento da existência de um ser temporal, mas significam, em última análise, a constituição desse ser existente e do seu tempo, constituição essa que não entra no tempo mas é o fundamento da criatura, e do próprio tempo."

"O homem deve ser entendido como a possibilidade de ser assumido por Deus, de tornar-se o material de possivel história de Deus. Deus planeja o homem de modo criador, tirando-o do nada, e o coloca em sua realidade de criatura, diferente de Deus, mas como a "gramática" de possivel auto-expressão de Deus. A humanidade de Jesus Cristo não é mera aparência de Deus. Também não é Ele um mero profeta, mas o próprio Deus. Em consequência, manifesta-se como herética qualquer idéia da encarnação que considere a humanidade de Jesus como se fosse apenas uma "roupagem" revestida por Deus, de que ele apenas se servisse para assinalar sua presença quando fala. Quem aceita inteiramente o seu ser homem, acolheu o Filho do Homem porque, neste, Deus acolheu o homem. Ao dizer a Escritura que quem ama o próximo cumpriu a Lei, trata-se aí da verdade última, uma vez que o próprio Deus tornou-se este próximo e, desta sorte, em todo o próximo, sempre é acolhido e amado aquele que é simultaneamente o mais próximo e mais longínquo: Deus. A realidade humana de Deus em Jesus Cristo permanece para sempre, eternamente..."

"A descoberta do Coração de Jesus na fé, na esperança e na caridade, é um longo e aventureiro caminho, pleno de imprevistos; uma viagem da qual não se vê o fim senão quando se acaba por entrar no seu próprio coração, para aí descobrir que esse horrível fosso está pleno do próprio Deus".

"A tarefa mais urgente de uma Cristologia de hoje consiste em formular o dogma da Igreja - 'Deus é (tornou-se) homem, e este Deus que se fez homem é o Jesus Cristo concreto' - de modo a tornar compreensível o que estas proposições significam e em excluir toda a aparência de uma mitologia que se tornou inaceitável hoje".

"O cristão do futuro, ou será místico ou não será cristão".

"Se a ressurreição de Jesus é a vigência permanente de sua pessoa e sua causa, e se esta pessoa-causa não significa a sobrevivência de um homem e de sua história, mas o triunfo de sua pretensão de ser o mediador absoluto da salvação, então a fé na sua ressurreição constitui um momento intrínseco dessa ressurreição e não a tomada de consciência de um fato que por sua natureza poderia existir exatamente o mesmo sem ser conhecido. Se a ressurreição de Jesus há de ser a vitória escatológica da graça de Deus no mundo, não é possível concebê-la sem uma fé efetiva (ainda que livre) nela, uma fé na qual culmina a própria natureza da ressurreição".

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