Doutor em Teologia. Professor da Faculdade de Teologia da PUCRS.
O Tratado sobre a Graça, nos dias de hoje, parece bastante incompreensível. Os termos habituais usados como “graça”, “sobrenatural”,“inhabitação” parecem perder seu significado e valor. O processo cultural que investe a consciência do homem moderno é o da secularização e da dessacralização. Seguro de si mesmo, o homem não sabe dar uma resposta adequada a todos os seus problemas, enquanto mostra-se distante e diferente diante do transcendente. Nesse condicionamento pode-se inserir o Tratado da Graça como abertura do homem ao Absoluto e ao Transcendente.
O homem se dá conta de não poder construir-se sozinho, mas sente que pode crescer favorecendo um clima de abertura e de doação. A graça não é aquilo que o homem faz, mas é a possibilidade gratuita fundada sobre um gesto livre e imprevisível de Deus, oferecido ao homem, de transcender-se, de ultrapassar-se e de entrar em comunhão viva com o Deus Trino. “Coisificar” ou “quantificar” a Graça como realidade finita presente, operante e operada pelo homem é errar de maneira grosseira.
Para alcançar o nível da perfeição humana e da comunhão com Deus, dois são os elementos indispensáveis: a graça e a colaboração humana. Mas para alcançar a comunhão com Deus o homem deve renascer em Cristo (cf. Jo 3, 5; GS 37). Se não renasce espiritualmente, o homem não pode conseguir o fim sobrenatural, isto é, Deus.
No que diz respeito à justificação, isto é, a passagem do homem pecador à vida da graça, colocam-se diversos problemas: como acontece o processo da justificação? em tal processo, que coisa comporta como elemento negativo? que coisa comporta de positivo?
O processo da justificação é constituído das moções divinas ou graças atuais e das disposições humanas, que se têm mediante os atos colocados ao homem, sob o influxo da graça divina: o primado, portanto, diz respeito à iniciativa divina; mas também o homem deve concorrer com a sua colaboração. O Concílio de Trento afirma-o explicitamente:
“Quando na Sagrada Escritura se diz: ‘Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós’ (Zc 1, 3), somos advertidos acerca da nossa liberdade; e quando nós respondemos: ‘Faze-nos voltar, Senhor, e nós voltaremos a Ti (Lm 5, 21), nós confessamos que a graça de Deus nos precede” (DS 1525).
O primeiro efeito do encontro entre Deus e o homem é a remissão ou o cancelamento dos pecados, premissa indispensável para que a graça de Deus realize completamente toda a sua potencialidade transformadora.
Examinaremos para isso, sucessivamente, os seguintes pontos:
1. o primado de Deus no processo da justificação;
2. a colaboração humana;
3. problemas teológicos gerados na coordenação entre a ação de Deus e a colaboração humana;
4. a remissão dos pecados.
1 O primado absoluto da graça divina
Encontramo-nos diante de duas verdades à primeira vista paradoxais: de uma parte, os homens, depois do pecado de Adão, não podem viver como humanos, se não renascem em Cristo; de outra parte, porém, esses não podem dar nenhum passo para a justificação, se a graça de Deus não vier ao seu encontro.
Paulo, na Carta aos Romanos, insiste muito sobre a situação de impotência do homem de fronte à graça de Deus, de modo que essa é e deve ser absolutamente considerada um dom. Na mesma Carta aos Romanos, o apóstolo desenvolve um quadro bastante escuro da vida moral sem a graça de Cristo. Eis a síntese:
– culpa do homem, por não haver reconhecido Deus através da criação: Rm 1, 18-23;
– culpas morais dos pagãos: Rm 1, 24-32;
– todos são culpados: os judeus, por não haverem observado a lei mosaica, e os pagãos a lei natural: Rm 3, 1-20;
– justificação de Moisés pela fé e independentemente das obras da lei: Rm 4, 12-25;
– descrição do homem deixado à sua própria capacidade e incapacidade de erguer-se sem o Cristo: Rm 7, 13-25.
O ensino bíblico, conforme visto acima, teve uma história muito agitada no desenvolvimento do pensamento cristão, o que tem provocado as mais diversas intervenções do Magistério, especialmente no Concílio de Trento, com o Decreto da Justificação. Para bem entender toda a situação do problema, devemos partir de duas considerações:
1) existe uma radical insuficiência do homem a respeito da sua salvação, cuja raiz mais profunda é a absoluta transcendência de Deus. “Ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1, 18): ele é inatingível no seu ser e no seu agir, senão por espontânea e gratuita doação de Deus mesmo. O homem é, por isso, condicionado de seu ser no mundo e do mundo em contínua luta pela vida; e continuamente tentado a esquecer Deus e renegá-lo para auto afirmar-se, esquecendo a sua situação de pecado;
2) não pode ser esquecida a vocação do homem à comunhão com Deus, em virtude da qual o homem, não obstante as suas misérias, possui uma atitude ou abertura para o bem universal da salvação para o qual foi criado. Os Padres falam a esse respeito da imagem de Deus, e os teólogos da potência obediencial, de um “apetite” ou tendência inata para Deus ou para a existência sobrenatural: expressões que colocam em relevo a estrutura espiritual do homem, determinada da sua vocação histórica.
A graça, da qual pretendemos falar, é antes de tudo uma realidade externa ao homem (Criação, Encarnação, Igreja, o dom do Espírito...), mas é também uma realidade interior subjetiva (dinamismo da natureza orientada para a salvação eterna, as moções para o bem e para a vida, abertura do homem ao infinito...). Tal prospectiva recém-desenvolvida, em base à Teologia bíblica e à Antropologia cristã, é rica em aplicações para a Teologia das graças atuais. A Teologia neo-escolástica considera as graças atuais como influxos divinos que iluminam o intelecto e inclinam a vontade a reconhecer e a aceitar o convite de Cristo: é uma atração do Espírito Santo que move a alma sem ainda habitar nela (cf. DS 1678). A Teologia moderna, antes ainda das graças atuais, descobre no homem a presença de uma realidade objetiva e subjetiva da salvação, para a qual cada um é ordenado à comunhão com Deus (cf. GS 19), através de um existencial sobrenatural, que é uma determinação ontológica anterior à justificação. Essa se manifesta ao menos em uma inquietação ou insatisfação até que o homem não consiga unificar a sua existência, alcançando a comunhão com o Pai, por Cristo, no Espírito Santo: “O nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Ti” (cf. santo Agostinho). A iniciativa divina na justificação é entendida nesse sentido.
a) Doutrina bíblica
Na descrição bíblica da ação de Deus na justificação, encontramos duas afirmações principais: o primado da misericórdia divina que com livre iniciativa, se dirige ao pecador indigno; a eficácia dessa ação pela qual o pecador se torna realmente justo.
No Antigo Testamento, a história do povo eleito é um esquema típico que representa em qualquer modo Deus agindo em favor dos indivíduos. O povo de Israel é conduzido para a salvação messiânica, não porque se dispõe por si a receber a ação divina, mas enquanto o próprio Deus o elege sem nenhum mérito da parte do povo (cf. Ex 19,4-5). A Teologia do Deuteronômio coloca mais em luz a gratuidade da vocação de Israel: o favor de Deus não depende nem da grandeza quantitativa (cf. Dt 7, 7), nem qualitativa (cf. Dt 8, 17), nem moral (cf. Dt 10, 15). E Jeremias reconhece que o povo é pleno de pecados, mas espera que Deus prepare a salvação política e religiosa (cf. Jr 14, 7-9).
Durante o exílio, se faz mais profunda a persuasão de que somente de Iaweh vem a salvação política e religiosa (cf. Jr 24, 6-7). A gratuidade da eleição é descrita por Ezequiel com dramática crueldade (cf. Ez 16), quando Israel é comparado a uma mulher privada de boa fama, que Iaweh seu esposo eleva à condição de rainha e à qual mantém fidelidade, não obstante as suas depravações morais.
No Novo Testamento, os Sinóticos colocam em relevo que o processo da conversão tem origem de uma vocação divina. Jesus veio para chamar os pecadores (cf. Lc 5, 32), vai à procura da ovelha perdida e da dracma perdida (cf. Lc 15, 3-10), chama os homens, também se indignos (cf. Lc 14, 15-24). Paulo apóstolo não somente ensina que Deus de fato previne cada iniciativa humana em ordem à salvação, mas mostra também a necessidade e o porquê da intervenção divina. Tal ação é descrita, sobretudo, na Carta aos Efésios (cf. 2, 1-10): os pecadores eram mortos de morte espiritual unida à morte eterna (cf. v. 1); espírito maligno e concupiscência (cf. vv. 2-3). Deus ama os pecadores também quando estão nesse estado de morte (cf. v. 5), isto é, antes que fossem amáveis, fazendo-os dignos de seu amor; a intervenção misericordiosa de Deus não vem provocada da atividade do pecador (cf. vv. 6-10).
João descreve a obra da salvação usando as categorias antitéticas mundo-Deus, morte-vida, trevas-luz, mentira-verdade. Onde Deus não opera, ou onde a sua ação salvadora é rejeitada, o homem está sob as trevas, é mentiroso. Cristo somente vence o príncipe deste mundo e com a sua verdade o liberta da escravidão do pecado (cf. Jo 15, 1-15, a alegoria da videira e dos ramos que se conclui com o “sem mim nada podeis fazer”). No evangelista João (cf. 6, 44-45) se lê: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me mandou não o atrair”: ir a Cristo é o primeiro ato de fé que se pode fazer sob a ação do Pai que o atrai. Em todo texto usa-se sempre o verbo “atrair”, isto é, ensinar, dar. No Antigo Testamento, tal verbo é usado para indicar o influxo interno com o qual Deus suscita o afeto do homem para com o próprio Deus (cf. Os 11, 4).
O homem, portanto, é absolutamente incapaz de mover-se para a salvação com um ato de fé; a capacidade de fazer tal ato lhe é dada pelo Pai celeste com um dom interior pelo qual é modificado o horizonte cognoscitivo e afetivo.
b) Controvérsia semipelagiana
O semipelagianismo foi uma reação, certamente exagerada, para com algumas afirmações muito rígidas de Santo Agostinho acerca da predestinação e a graça eficaz, formuladas em modo tal de esquecer, seja a vontade salvífica universal de Deus, seja a responsabilidade do homem na obra da salvação e o valor do esforço humano na vida espiritual. Para colocar em relevo essa verdade, o semipelagianismo atribuiu o início da conversão (início da fé ou desejo eficaz de salvação) aos próprios recursos humanos. O homem por si só, sem a graça, com a força da natureza, não só pode desejar e pedir a salvação, mas também preparar-se para a justificação.
Em tal modo, os semipelagianos queriam salvar a vontade salvífica universal de Deus como também a responsabilidade do homem na obra da salvação. A doutrina católica é expressa nos documentos de condenação do semipelagianismo (cf. DS 238-249; DS 370-397) e do protestantismo, no Decreto sobre a Justificação (cf. DS 1520-1583). Em resumo, os documentos da Igreja afirmam a necessidade absoluta da graça para cada ato salutar, também para os atos preparatórios à justificação, incluído o ato inicial da fé (initium fidei). Não se trata somente de uma necessidade moral, mas física, fundada sobre a desproporção das faculdades humanas aos atos salutares. Tais atos superam a capacidade do homem, não só enquanto pecador, mas simplesmente enquanto homem. O homem tem, portanto, necessidade da graça elevante que ordena intrinsecamente os atos humanos ao fim sobrenatural. Em termos conciliares, se diz que a graça não só dá a possibilidade de fazer melhor (facilius posse), mas própria e simplesmente a capacidade (simpliciter posse).
b) Conclusão antropológica
O fato de que o homem não possa fazer nenhum passo em direção à justificação sem a graça de Deus, de modo que o seu aperfeiçoamento depende totalmente de Deus, não diminui o homem, mas explica como o fenômeno humano não se torna adequadamente inteligível sem a referência ao Absoluto e, portanto, quando o homem rejeita o auxílio de Deus, não pode construir a própria salvação e a sua existência. A graça não diminui a natureza, mas leva-a ao cumprimento. É necessário ter presente que o homem histórico é ordenado à comunhão com Deus.
Esta vocação produz no homem um efeito que o determina do mais profundo de seu ser, através de um existencial sobrenatural, que é a presença do mistério redentor de Cristo no homem, pelo qual todos os homens são chamados à salvação e são objeto da benevolência divina, que oferece a todos os meios necessários, antes de qualquer ato pessoal.
Nesse modo se entende a absoluta iniciativa de Deus na obra da justificação e o influxo da graça atual que previne o homem e lhe vem ao encontro para ajudá-lo a aceitar o convite à comunhão com Deus, em quem está a razão mais alta da dignidade do homem (cf. GS 19). “A liberdade do homem, que foi ferida pelo pecado, pode tornar plenamente eficaz esta ordenação em direção a Deus com a ajuda da graça divina” (GS 17). A necessidade da graça ilustra ainda uma lei fundamental da economia cristã, isto é, “esta própria ordem divina, longe de suprimir a autonomia justa da criatura, principalmente do homem, antes a restabelece e a confirma em sua dignidade” (GS 41).
2 Colaboração humana para a justificação
A colaboração humana à justificação é absolutamente necessária para quantos possuem o uso da razão: a graça da conversão, de fato, não influi sobre o homem como um poder irresistível. Deus não força jamais o homem, mas respeita a sua liberdade e, conseqüentemente, o pecador deve dispor-se à justificação consentindo livremente ao chamado da graça e cooperando com ela. A disposição do homem à justificação é o resultado da cooperação da liberdade humana e da graça: “O homem, não é que não faça nada aceitando aquela inspiração, porque também a pode rejeitar; todavia, sem a graça de Deus, não pode mover-se livremente de própria vontade em direção da justiça” (DS 1525). O homem com suas próprias forças é absolutamente incapaz de dispor-se positivamente à graça.
A cooperação livre do homem à graça é, de per si, um postulado da própria graça; “A dignidade do homem exige que possa agir de acordo com uma opção consciente e livre, isto é, movido e levado por convicção pessoal e não por força de um impulso interno cego ou debaixo de mera coação externa” (GS 17). O Concílio de Trento claramente reafirmado contra os Protestantes a possibilidade e a necessidade da cooperação humana e da aceitação voluntária da graça e da justificação. Depois de ter reafirmado que com o pecado não foi extinto o livre-arbítrio, o Concílio estabelece quais são os diversos atos requeridos para a justificação dos adultos e com quais atos o pecador, sob o influxo da graça, deve preparar-se à justificação.
No capítulo VI do Decreto sobra a Justificação do Concílio de Trento – O modo da preparação à justificação – o Decreto prevê estes atos:
– a fé: “incentivados e ajudados pela divina graça, os pecadores, recebendo a fé mediante a escuta (cf. Rm 10, 17), se dirigem livremente a Deus, acreditando como verdade aquilo que foi divinamente revelado e prometido [...]” (DS 1526), trata-se de fé teologal, de assentimento intelectual, e não de fé fiducial luterana com a qual Lutero identificava a fé dos escolásticos (cf. DS 1553, 1554, 1557 com seus respectivos cânones);
– o temor da justiça e a esperança do perdão: o temor não é só um sentimento espontâneo de terror diante das sanções divinas, mas uma tomada de posição ativa, que leva à detestação do pecado e é unido ao pensamento da misericórdia divina. “Reconhecendo que são pecadores, abalados pelo temor da justiça divina, passam a considerar a misericórdia de Deus e sentem nascer a esperança, confiando que Deus lhes será propício por causa de Cristo” (DS 1526; cf. 1558);
– o princípio do amor: os penitentes “começam a amar a Deus como fonte de toda a justiça” (DS 1526). Tal amor não se refere à caridade, porque se está ainda na fase de preparação à conversão; trata-se de um amor inicial contido na fé e no ódio ao pecado;
– o ódio ao pecado: os pecadores “se movem contra os seus pecados, começando a odiá-los e detestá-los, ou seja, com a penitência que é necessária fazer antes do batismo, enfim, se propõem a receber o batismo, a começar uma vida nova e observar os mandamentos divinos” (DS 1526).
Quando fala da justificação, o Concílio diz que essa acontece “segundo a disposição e a cooperação de cada um” (DS 1529). Como se vê, o Concílio de Trento dá grande importância à virtude da fé; antes, dá uma explicação da frase paulina, “ser justificado pela fé e gratuitamente (Rm 3, 24): “Dizemos que somos justificados mediante a fé, porque a fé é o início da salvação humana, o fundamento e a raiz de toda justificação, sem a qual ‘é impossível agradar a Deus’ (Hb 11, 6) e chegar à comunhão (2 Pd 1, 4) que ele tem com os seus filhos. Dizemos também que nós somos justificados gratuitamente, porque nada daquilo que precede a justificação – tanto a fé como as obras – merece a graça da justificação” (DS 1532).
a) Conceito paulino de justificação pela fé
Todo o Novo Testamento fala da necessidade da fé para a justificação. Mas a doutrina é desenvolvida particularmente por Paulo, nas Epístolas aos Gálatas e aos Romanos (cf. Gl 2, 16; 3, 5.8.11.24; 5, 5; Rm 1, 17; 3, 28.30; 4, 3.5.9.11; 5, 1). A doutrina da Paulo pode ser assim resumida: a justificação é uma graça concedida por Deus àqueles que crêem. Não se trata de uma realidade que se pode merecer ou conquistar com as obras da lei, mas de uma salvação à qual se tem acesso pela fé; e o dom de Deus em Cristo, essencialmente gratuito, que o homem acolhe mediante a fé.
A necessidade da fé para a justificação vem determinada da natureza própria da justificação e da fé. Se a justificação do homem implica essencialmente a orientação livre de sua própria vida para com Deus, o ato que melhor exprime essa livre orientação é a fé. Pela fé, de fato, o homem toma consciência de sua condição de criatura, da sua insuficiência radical e absoluta dependência de Deus, e se abandona a ele, submetendo-se à sua atividade salvífica. Este é o sentido genuíno bíblico da fé, isto é, um movimento de fidúcia/confiança e de abandono, pela qual o homem renuncia a contar com sua própria força para apoiar-se na palavra e no poder salvador de Deus.
A fé que justifica, segundo Paulo, não é uma simples adesão intelectual, segundo o sentido mais difuso entre os fiéis, e não menos uma simples adesão fiduciosa para com Deus, como querem os protestantes. Ela é as duas coisas e qualquer coisa a mais: é o dom integral que o homem faz de si mesmo a Deus que fala, que se revela em Cristo e que salva. Empenha, portanto, todo o homem e não somente o intelecto e a vontade e se exprime na obediência e na submissão a toda a economia da salvação proposta pelo Evangelho (cf. DV 5). A saber: a fé que justifica é a resposta integral do homem ao Evangelho de Cristo. Tal fé é necessariamente viva, isto é, animada pela caridade; é a fé que opera por meio da caridade (cf. Gl 5, 6).
b) Fundamento teológico
Uma das características da justificação, mediante a fé, é a exclusão das obras da lei. Paulo, ao excluir tais obras e ao afirmar a necessidade da fé, entende, de uma parte, combater uma das teses fundamentais do judaísmo de seu tempo e, de outra parte, colocar em ressalto o primado de Cristo no mistério da justificação: Rm 7, 25; Gl 1, 6-9. Ele vê o primado de Cristo atacado de uma mentalidade judaizante que quer induzir o homem a procurar, não em Cristo, mas nas obras o bem da justificação. Esta é a razão teológica da doutrina paulina da justificação mediante a fé.
Mas tal doutrina é, no mais, uma exigência da economia da história da salvação, que se funda precisamente sobre uma lógica de fé e não de obras, da graça e não da lei, porque é uma economia de promessas (cf. Rm 4, 13-17).
As promessas feitas a Abraão e cumpridas em Cristo, porque são promessas incondicionadas, isto é, não-sujeitas à obra do homem, mas nascem de uma iniciativa gratuita de salvação.
À sua atuação não podem ser uma recompensa devida às obras, cumpridas em base a um contrato bilateral, cujas cláusulas seriam a lei. Se, portanto, as promessas feitas a Abraão são um favor que exclui qualquer recompensa, e se o mistério de Cristo é a atuação histórica dessas promessas, segue que os bens salvíficos da redenção de Cristo (em primeiro lugar, a justificação) serão efetivamente concedidos ao homem, mediante o único meio da fé.
Esta vocação produz no homem um efeito que o determina do mais profundo de seu ser, através de um existencial sobrenatural, que é a presença do mistério redentor de Cristo no homem, pelo qual todos os homens são chamados à salvação e são objeto da benevolência divina, que oferece a todos os meios necessários, antes de qualquer ato pessoal.
Nesse modo se entende a absoluta iniciativa de Deus na obra da justificação e o influxo da graça atual que previne o homem e lhe vem ao encontro para ajudá-lo a aceitar o convite à comunhão com Deus, em quem está a razão mais alta da dignidade do homem (cf. GS 19). “A liberdade do homem, que foi ferida pelo pecado, pode tornar plenamente eficaz esta ordenação em direção a Deus com a ajuda da graça divina” (GS 17). A necessidade da graça ilustra ainda uma lei fundamental da economia cristã, isto é, “esta própria ordem divina, longe de suprimir a autonomia justa da criatura, principalmente do homem, antes a restabelece e a confirma em sua dignidade” (GS 41).
2 Colaboração humana para a justificação
A colaboração humana à justificação é absolutamente necessária para quantos possuem o uso da razão: a graça da conversão, de fato, não influi sobre o homem como um poder irresistível. Deus não força jamais o homem, mas respeita a sua liberdade e, conseqüentemente, o pecador deve dispor-se à justificação consentindo livremente ao chamado da graça e cooperando com ela. A disposição do homem à justificação é o resultado da cooperação da liberdade humana e da graça: “O homem, não é que não faça nada aceitando aquela inspiração, porque também a pode rejeitar; todavia, sem a graça de Deus, não pode mover-se livremente de própria vontade em direção da justiça” (DS 1525). O homem com suas próprias forças é absolutamente incapaz de dispor-se positivamente à graça.
A cooperação livre do homem à graça é, de per si, um postulado da própria graça; “A dignidade do homem exige que possa agir de acordo com uma opção consciente e livre, isto é, movido e levado por convicção pessoal e não por força de um impulso interno cego ou debaixo de mera coação externa” (GS 17). O Concílio de Trento claramente reafirmado contra os Protestantes a possibilidade e a necessidade da cooperação humana e da aceitação voluntária da graça e da justificação. Depois de ter reafirmado que com o pecado não foi extinto o livre-arbítrio, o Concílio estabelece quais são os diversos atos requeridos para a justificação dos adultos e com quais atos o pecador, sob o influxo da graça, deve preparar-se à justificação.
No capítulo VI do Decreto sobra a Justificação do Concílio de Trento – O modo da preparação à justificação – o Decreto prevê estes atos:
– a fé: “incentivados e ajudados pela divina graça, os pecadores, recebendo a fé mediante a escuta (cf. Rm 10, 17), se dirigem livremente a Deus, acreditando como verdade aquilo que foi divinamente revelado e prometido [...]” (DS 1526), trata-se de fé teologal, de assentimento intelectual, e não de fé fiducial luterana com a qual Lutero identificava a fé dos escolásticos (cf. DS 1553, 1554, 1557 com seus respectivos cânones);
– o temor da justiça e a esperança do perdão: o temor não é só um sentimento espontâneo de terror diante das sanções divinas, mas uma tomada de posição ativa, que leva à detestação do pecado e é unido ao pensamento da misericórdia divina. “Reconhecendo que são pecadores, abalados pelo temor da justiça divina, passam a considerar a misericórdia de Deus e sentem nascer a esperança, confiando que Deus lhes será propício por causa de Cristo” (DS 1526; cf. 1558);
– o princípio do amor: os penitentes “começam a amar a Deus como fonte de toda a justiça” (DS 1526). Tal amor não se refere à caridade, porque se está ainda na fase de preparação à conversão; trata-se de um amor inicial contido na fé e no ódio ao pecado;
– o ódio ao pecado: os pecadores “se movem contra os seus pecados, começando a odiá-los e detestá-los, ou seja, com a penitência que é necessária fazer antes do batismo, enfim, se propõem a receber o batismo, a começar uma vida nova e observar os mandamentos divinos” (DS 1526).
Quando fala da justificação, o Concílio diz que essa acontece “segundo a disposição e a cooperação de cada um” (DS 1529). Como se vê, o Concílio de Trento dá grande importância à virtude da fé; antes, dá uma explicação da frase paulina, “ser justificado pela fé e gratuitamente (Rm 3, 24): “Dizemos que somos justificados mediante a fé, porque a fé é o início da salvação humana, o fundamento e a raiz de toda justificação, sem a qual ‘é impossível agradar a Deus’ (Hb 11, 6) e chegar à comunhão (2 Pd 1, 4) que ele tem com os seus filhos. Dizemos também que nós somos justificados gratuitamente, porque nada daquilo que precede a justificação – tanto a fé como as obras – merece a graça da justificação” (DS 1532).
a) Conceito paulino de justificação pela fé
Todo o Novo Testamento fala da necessidade da fé para a justificação. Mas a doutrina é desenvolvida particularmente por Paulo, nas Epístolas aos Gálatas e aos Romanos (cf. Gl 2, 16; 3, 5.8.11.24; 5, 5; Rm 1, 17; 3, 28.30; 4, 3.5.9.11; 5, 1). A doutrina da Paulo pode ser assim resumida: a justificação é uma graça concedida por Deus àqueles que crêem. Não se trata de uma realidade que se pode merecer ou conquistar com as obras da lei, mas de uma salvação à qual se tem acesso pela fé; e o dom de Deus em Cristo, essencialmente gratuito, que o homem acolhe mediante a fé.
A necessidade da fé para a justificação vem determinada da natureza própria da justificação e da fé. Se a justificação do homem implica essencialmente a orientação livre de sua própria vida para com Deus, o ato que melhor exprime essa livre orientação é a fé. Pela fé, de fato, o homem toma consciência de sua condição de criatura, da sua insuficiência radical e absoluta dependência de Deus, e se abandona a ele, submetendo-se à sua atividade salvífica. Este é o sentido genuíno bíblico da fé, isto é, um movimento de fidúcia/confiança e de abandono, pela qual o homem renuncia a contar com sua própria força para apoiar-se na palavra e no poder salvador de Deus.
A fé que justifica, segundo Paulo, não é uma simples adesão intelectual, segundo o sentido mais difuso entre os fiéis, e não menos uma simples adesão fiduciosa para com Deus, como querem os protestantes. Ela é as duas coisas e qualquer coisa a mais: é o dom integral que o homem faz de si mesmo a Deus que fala, que se revela em Cristo e que salva. Empenha, portanto, todo o homem e não somente o intelecto e a vontade e se exprime na obediência e na submissão a toda a economia da salvação proposta pelo Evangelho (cf. DV 5). A saber: a fé que justifica é a resposta integral do homem ao Evangelho de Cristo. Tal fé é necessariamente viva, isto é, animada pela caridade; é a fé que opera por meio da caridade (cf. Gl 5, 6).
b) Fundamento teológico
Uma das características da justificação, mediante a fé, é a exclusão das obras da lei. Paulo, ao excluir tais obras e ao afirmar a necessidade da fé, entende, de uma parte, combater uma das teses fundamentais do judaísmo de seu tempo e, de outra parte, colocar em ressalto o primado de Cristo no mistério da justificação: Rm 7, 25; Gl 1, 6-9. Ele vê o primado de Cristo atacado de uma mentalidade judaizante que quer induzir o homem a procurar, não em Cristo, mas nas obras o bem da justificação. Esta é a razão teológica da doutrina paulina da justificação mediante a fé.
Mas tal doutrina é, no mais, uma exigência da economia da história da salvação, que se funda precisamente sobre uma lógica de fé e não de obras, da graça e não da lei, porque é uma economia de promessas (cf. Rm 4, 13-17).
As promessas feitas a Abraão e cumpridas em Cristo, porque são promessas incondicionadas, isto é, não-sujeitas à obra do homem, mas nascem de uma iniciativa gratuita de salvação.
À sua atuação não podem ser uma recompensa devida às obras, cumpridas em base a um contrato bilateral, cujas cláusulas seriam a lei. Se, portanto, as promessas feitas a Abraão são um favor que exclui qualquer recompensa, e se o mistério de Cristo é a atuação histórica dessas promessas, segue que os bens salvíficos da redenção de Cristo (em primeiro lugar, a justificação) serão efetivamente concedidos ao homem, mediante o único meio da fé.
c) Necessidade da fé e gratuidade da justificação
Não obstante a necessidade da fé, a justificação é sempre gratuita. Assim, Paulo considera a fé como o único meio dado ao homem para acolher a justificação como dom gratuito de Deus. Para a fé, de fato, o homem acolhe, na justificação, o que ela é em si: dom de Deus e acontecimento salvífico graciosamente realizado em Cristo. A fé é adesão à íntima realidade da salvação, o que ela é em si e como é revelada na história. Ora, o bem da salvação não é um salário ou um direito, mas um dom gratuito da misericórdia divina. Não é, portanto, um bem a conquistar, mas uma graça a acolher, e se acolhe por meio da fé. A aceitação, mediante a fé, da salvação gratuitamente operada por Deus é a aceitação da graça de Deus. Em outras palavras, mediante a fé, o homem confessa não poder salvar-se por si e ser gratuitamente salvo por Deus.
Pelo fato mesmo de o homem aceitar livremente a salvação de Deus, esta não perde nada da sua gratuidade. Porque aquilo que o homem faz (responder, aceitar e acolher os dons de Deus) o dispõe para receber a graça, mas não a causa em nenhum modo (cf. DS 1532). O que dizer da frase: “A quem faz o bem não pode Deus não fazer faltar a graça?”
3 Problemas teológicos
A justificação é o resultado da ação de Deus e da colaboração do homem, mas não em medida igual e do mesmo modo, porque a colaboração é determinada pela graça de Deus, sob cujo influxo o homem se dispõe à justificação propriamente dita. Faz-se necessário explicar como o homem, antes da justificação, quando ainda não tem a graça habitual, está já sob o influxo da graça de Deus. Não parece, talvez, um círculo vicioso afirmar a necessidade da graça para dispor o homem à própria graça?
A resposta vem da existência dos auxílios internos e das moções atuais (graça atual) que finalizam o conferimento ao homem, ao término de sua preparação, um dom permanente e uma segunda natureza (a graça habitual). É necessário explicar como se salva a livre vontade do homem sob o influxo da graça de Deus.
a) Existência e natureza da graça atual
A existência dos auxílios internos gratuitos de Deus, diferentes das qualidades permanentes que tornam o homem justo e amigo de Deus, é uma conseqüência da doutrina católica que ensina que o pecador não pode preparar-se à justificação sem o auxílio da graça e que ele deve cooperar com a graça (quando está ainda em estado de pecado) e dispor-se assim sob o influxo da graça habitual.
Trata-se de uma operação interna de Deus no homem, quando este não se encontra ainda no estado habitual de amizade com ele. Há um fundamento bíblico, especialmente no Novo Testamento, quando se ensina, com clareza, que os atos humanos bons dependem de um modo especial de Deus (cf. Mt 11, 15; Jo 6, 44; At 16, 14; Ef 1, 18). Paulo exorta os fiéis a trabalhar pela própria salvação, porque Deus opera em nós “o querer e o agir” (Fl 2, 13): a ação divina produz, portanto, seja a sincera vontade de agir, seja a própria ação.
A elaboração da doutrina sobre a graça atual se desenvolveu progressivamente sob a distinção da graça gratis data (auxílios divinos que podem prevenir a atividade do homem também antes da justificação) e graça gratum faciens (dom que torna o homem aceito por Deus em forma habitual), da graça operante, preveniente, e graça cooperante, concomitante e subseqüente (auxílio divino que sustenta o homem ainda antes da conversão, prepara-o e o conduz ao término da atividade).
Em seguida, sob o influxo da doutrina filosófica aristotélica e a doutrina do Concílio de Trento, concebeu-se a graça habitual como uma qualidade permanente (habitus) e sempre mais se vê a necessidade de um auxílio de Deus para preparar-se à justificação. Chegou-se, assim, a conceber que, antes da graça habitual, já vem dada uma graça que é profundamente diversa daquela habitual, isto é, a graça atual, cuja natureza vem re-epilogada nestas expressões:
– a graça atual é um auxílio ou uma moção divina, interior e transitória, em ordem aos atos sobrenaturais;
– a graça atual ilumina o intelecto e inspira a vontade por obra direta de Deus;
– o influxo da graça atual sobre o intelecto e sobre a vontade se estende sobre todos os atos prévios à justificação;
– a graça atual cura e eleva os atos do intelecto e da vontade (cf. Concílio de Cartago: DS 226; Concílio de Orange: DS 373-395; Concílio de Trento: DS 1525-1526; Concílio Vaticano I: DS 3010).
b) Graça de Deus e livre colaboração do homem
É verdadeiro que o homem não pode salvar-se, nem justificar-se sem a graça de Deus. Deus oferece a todos as graças suficientes para operar a própria conversão. Por que, então, alguns se convertem e outros não? Se a diferença entre convertidos ou não-convertidos depende unicamente da vontade do homem, que pode refutar ou aceitar o auxílio da graça, incorre-se então no erro dos semipelagianos e não salvamos a gratuidade absoluta da salvação, que não dependeria mais unicamente de Deus o qual oferece a graça suficiente, mas do homem que, por própria iniciativa, consente. Se, ao contrário, se afirma que Deus, além da graça, dá também o consentimento à própria graça de tal modo que, se o homem consente, não é por própria iniciativa, mas por ulterior graça de Deus (graça eficaz), não se vê então como salvar a liberdade do homem na obra da salvação.
A resposta da Igreja obriga a ter em conta o primado de Deus como também a responsabilidade humana. Na controvérsia semipelagiana é colocado claramente que Deus dá ao homem, não somente a capacidade de consentir, mas o próprio consentimento ao seu convite. Na controvérsia jansenista vem clarificada a outra verdade complementar.
Os jansenistas ensinavam que, se o homem resiste à graça, o faz porque, para ele, a graça não foi dada verdadeiramente eficaz para fazer o ato salutar. A Igreja reafirmou, ao invés, a existência de graças que dão ao homem a verdadeira possibilidade de converter-se, mas não obtendo a conversão por causa da livre resistência do homem. Se tal, então, de uma graça verdadeira mas meramente suficiente (vere sed mere sufficiens), isto é, de fato não eficaz (cf. DS 2306).
A doutrina tem o seu fundamento na Sagrada Escritura e se baseia sobre dois conceitos: o conceito da graça eficaz (contra os semipelagianos) e o da graça suficiente (contra os jansenistas). A graça eficaz é uma graça que implica infalivelmente o consenso livre do homem e produz o ato salutar; dá, não só o poder de agir, mas também o próprio agir. A graça suficiente dá uma verdadeira capacidade para fazer o ato salutar, mas este, de fato, não se cumpre, embora sendo verdadeiramente suficiente, não resulta de fato eficaz.
A afirmação da existência da graça eficaz afirma o primado de Deus em ordem à salvação: a conversão depende de Deus, não só enquanto oferece a graça que dá a capacidade de converter-se (recebida também por aquele que não se converte), mas também porque o mesmo consenso da graça é um dom de Deus.
A afirmação da existência da graça suficiente afirma o fato da responsabilidade humana com respeito à própria salvação: a impenitência depende só do homem que livremente resiste ao convite divino.
Essa resistência não é querida ou desejada por Deus, mas somente permitida.
A doutrina que expusemos afirma o fato, mas não explica o motivo. Como conciliar a eficácia da ação de Deus com a liberdade do homem? Foram elaborados, a propósito, diversos sistemas (predeterminação física, predeterminação moral, presciência divina do futurível ou ciência média, etc.), que não têm dado solução satisfatória ao problema, porque não têm superado determinados antropomorfismos e caíram na tentação de querer fazer compreender plenamente o insondável mistério de Deus e o caráter transcendente da nossa vocação sobrenatural. Tais sistemas ou explicações não têm mais um papel especial na Teologia.
A Teologia Moderna faz apelo à transcendência divina para explicar como é possível a mesma livre decisão do homem como sendo graça de Deus. Podemos dizer que a maneira absolutamente especial de agir de Deus, a sua transcendência, torna possível esse fato. É a ação de Deus a que realiza plenamente o homem e o torna livre. Quanto mais o homem depende de Deus, mais ele é livre. Este fato não se pode acolher racionalmente, é uma realidade misteriosa. O acordo entre a ação absolutamente eficaz de Deus e a existência da liberdade humana, não somente pelo influxo de Deus, mas precisamente graças a ele, é um mistério: o mistério próprio da liberdade humana (cf. SC 64; AG 13-14, no que diz respeito ao catecumenato como preparação ao batismo).
4 Remissão dos pecados
Ao término do longo caminho de preparação à conversão, o homem recebe a remissão dos pecados: essa constitui o aspecto “negativo” da justificação. Deus santifica o homem, libertando-o antes de tudo do pecado: é uma verdade que é clara na Revelação.
No Antigo Testamento, Deus não imputa os pecados (cf. Sl 32, 2), cobre-os (cf. Sl 85, 3), esquece-os (cf. Sl 25, 7), tira o seu olhar deles (cf. Sl 50, 11). Deus não tem, portanto, mais em conta os pecados que perdoa, não por uma espécie de anistia, mas enquanto Deus cancela os pecados (cf. Sl 50, 3.11). Onde se diz que Deus lava e purifica: purifica o homem das suas iniqüidades (cf. Sl 50, 4). Deus tira os pecados (cf. Ex 34, 7), remove-os (cf. Sl 103, 12). O homem não é capaz de expurgar-se, com as suas próprias forças, do pecado (cf. Jr 2, 22), porque a purificação é sempre obra de Deus. Deus, de fato, “é justo e salvador” (Is 45, 21), e o “Senhor manifestou a sua salvação e aos olhos dos povos revelou a sua justiça; recordou-se de sua bondade e da sua fidelidade pela casa de Israel” (Sl 98, 2).
No Novo Testamento a remissão dos pecados aparece como o objeto próprio da missão de Jesus (cf. Mt 1, 21); a iniciação cristã inicia com “o batismo para a remissão dos pecados” (At 2, 38). Jesus é aquele que tira os pecados do mundo (cf. Jo 1, 29). Paulo insiste em vários textos sobre o fato de que o Evangelho é, por excelência, a palavra de salvação: “Não me envergonho do Evangelho porque é poder de Deus para a salvação de todos” (Rm 1, 16). Alcançando o perdão dos pecados, o homem torna-se justo, santo, filho de Deus, templo do Espírito Santo: são as realidades positivas da vida da graça que interessam de forma absolutamente maior.
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