domingo, 29 de dezembro de 2013

A Sagrada Família, de Nazaré e nossa!

Por Dom Henrique
 
“Vieram apressados os pastores, encontraram Maria com José, e o Menino deitado no presépio” (Lc 2,16).
 
Como os pastores, é assim que também nós encontramos o Menino nascido para nós, o filho que nos foi dado: deitadinho no presépio, com Maria e José. Neste Domingo dentro da Oitava do Santo Natal, a Igreja contempla o mistério da Sagrada Família de Nazaré. Mistério, sim! Vejamos senão: o Filho eterno, ao assumir nossa condição humana, encarnou-Se e nasceu, viveu e cresceu no seio de uma família humana. Para a fé cristã, este fato reveste-se de uma significação enorme: ao assumir a família, ao entrar nela e nela humanizar-Se, aprendendo a ser gente, o nosso Deus e Salvador, Jesus Cristo, santificou a família humana. Já no princípio, quando Deus, na Sua sabedoria infinita, viu não ser bom que o homem estivesse só e deu-lhe a mulher por companheira, determinando que os dois fossem uma só carne, desde então, a família é sagrada. Isso mesmo: Deus pensou no ser humano nascendo e sendo formado no seio de uma família! E compreendamos bem família: um homem e uma mulher unidos estavelmente, gerando e educando filhos no amor! Uma família, do ponto de vista de Deus, é isso; nem mais nem menos! Pois bem: a família, sonhada e instituída por Deus, foi definitivamente abençoada e levada à plena sacralidade pelo Filho eterno quando, fazendo-Se homem, santificou e consagrou a vida familiar.
 
Eis por que, para os cristãos, a família é sagrada: nasce do sacramento do Matrimônio, no qual o marido e a esposa recebem a graça de viverem como sinal da aliança de amor entre o Cristo-Esposo e a Igreja-Esposa. Nascida do matrimônio, a família vai crescendo pela fecundidade do amor humano, consagrado nas águas do Batismo de cada novo membro que nasce; e vai alimentando-se não somente da comida e da bebida da mesa de cada dia, fruto bendito do suor e do trabalho, mas, sobretudo, do pão e do vinho, Corpo e Sangue do Senhor, dado e recebido na Eucaristia. Estejamos atentos a este fato importantíssimo! A família não é uma realidade simplesmente humana, sociológica! A família é sagrada: querida por Deus, amada por Deus, criada por Deus, sustentada por Deus! Quem destrói a família peca gravemente contra Deus! E mais ainda: a família como Deus a pensou, repitamos para que não haja dúvida, é composta nuclearmente por um esposo, uma esposa e os filhos! Os cristãos não poderão nunca pensar em outros modelos de convivência como sendo uma família nos moldes desejados por Deus! Os cristãos nunca aceitarão a maldita ideologia de gênero que, em nome de direitos inexistentes, pretende subverter o que o Senhor Deus pensou para a humanidade e inscreveu no corpo e na psicologia dos seres humanos! Homem e mulher imagem de Deus, unidos no amor que tudo crê, tudo suporta, tudo espera, que é fiel, que é perene, abertos à vida, gerando e educando filhos para a Igreja e para o mundo. Este é o plano de Deus, este é o compromisso dos cristãos, esta é a lei inscrita na nossa natureza humana, no nosso coração, quando não subvertido por ideologias artificiais e ateias! Atentos, irmãos: os cristãos devem sempre respeitar as pessoas e suas opções de vida, mas jamais devem chamar de certo ao que Deus chama de errado! Isto nunca, sob pretexto algum!
 
Esta família como Deus sonhou, se é cristã, é a primeira imagem da Igreja, é a primeira comunidade de cristãos! Pensemos bem na sublimidade de tal mistério: o pai, a mãe e os filhos, todos batizados em Cristo Jesus, são uma pequena Igreja, a Igreja doméstica! A esta comunidade familiar, São Paulo dirige, na liturgia de hoje, palavras comoventes, conselhos e exortações insuperáveis. Pensando na nossa família, escutemos: “Vós sois amados de Deus, sois Seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se um tiver queixa contra o outro. Sobretudo, amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição. Que a paz de Cristo reine em vossos corações. E sede agradecidos! Que a palavra de Cristo habite em vós! Tudo que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus Cristo. Esposas, sede solícitas para com vossos maridos, como convém, no Senhor. Maridos, amai vossas esposas e não sejais grosseiros com elas. Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais. Pais, não intimideis vossos filhos, para que eles não desanimem”. Vede, irmãos, o que é uma família cristã: uma pequena comunidade de irmãos no Senhor, um pequeno sinal do Reino de Deus, uma outra família de Nazaré! A família cristã é o primeiro lugar de evangelização, de experiência de amor ao Senhor e aos outros, é o primeiro lugar de oração comunitária e de santificação, é o primeiro ambiente no qual se aprende o valor do trabalho, do esforço, da partilha, da renúncia, da piedade! A família é santa, a família é sagrada, o lar é um santuário!
 
Mas, hoje, o mundo tem como propósito sério, sistemático, persistente, inteligente e eficaz destruir a família. Os meios de comunicação invadiram nossas casas, com ideias, imagens e palavras eivadas de paganismo e anticristianismo. Querem nos fazer acreditar que a família é algo meramente humano, que pode ser definido a nosso bel prazer! Querem que se chame de matrim6onio a uma união civil de pessoas do mesmo sexo, querem que se aceite como normal o divórcio, o adultério, a convivência sem o sacramento do matrimônio. Desejam que os cristãos achem normal a existência de ex-maridos, ex-esposas, ex-noras, ex-sogras, ex-genros, ex-sogros... Ex, ex, ex... Ex-cristão, é o que o mundo de hoje é! Ex-famílias é o que esses ajuntamentos de desajuntados são! Repito: as pessoas merecem todo o nosso respeito, a história de cada pessoa deve ser sempre respeitada; mas jamais um cristão deve esquecer o sonho de Deus, o preceito de Deus, a Lei de Deus! O projeto de Deus para a família humana não poderá nunca ser negado, relativizado, desvalorizado por um crente de verdade!
 
Os cristãos devemos respeitar os que pensam diferente de nós. É normal: o mundo não conhece o Evangelho, não conhece a Deus nem a luz do Seu Cristo. Tantos e tantos vivem à luz de sua própria escuridão e enxergam a vida com sua própria cegueira. Mas, nós, nós somos cristãos! Nós vimos a Luz que brilhou em Belém, nós vimos o Menino com José e Sua Mãe, nós conhecemos o plano de Deus para o amor humano e para a família!
 
Caríssimos, lutemos por nossas famílias! Jovens, preparai-vos com responsabilidade para uma vida de família! Que a família não nasça das gravidezes precoces, das relações pecaminosas fora do casamento! Que a família não seja enfraquecida pelo materialismo que enche a casa de bens e a esvazia de amor, de convivência e de diálogo. Que os pais não deleguem a estranhos a educação humana e religiosa de seus filhos! Pais cristãos, que vossos filhos aprendam convosco a rezar e a viver! Estejamos bem conscientes: não há esperança para o mundo quando se destrói a família; não há futuro para a Igreja se perde a noção da sacralidade de nossos lares! É na família que se aprende a rezar, a amar, a dialogar, perdoar e conviver. É com o leite materno e o abraço paterno que devemos aprender a santa fé católica que o Senhor nos concedeu.
 
Voltemos nosso olhar e nosso coração para a família de Nazaré: pobrezinha, sujeita a conflitos e crises, feita de lágrimas e alegrias, de convivência e esperanças. Família de Nazaré, tão igual a nossa, tão diferente da nossa! Santo Carpinteiro José, velai pelos esposos: que sejam fortes e suaves, que sejam responsáveis e fiéis, que sejam piedosos e cheios de doçura paterna, que sejam presentes ao lar e à educação de seus filhos. Santíssima Virgem Maria, olhai para as mães: que sejam defensoras da vida, que nunca percam de vista a dignidade imensa da maternidade! Que nem o trabalho nem o sucesso profissional as façam perder de vista a prioridade e santidade de sua vocação materna e a necessidade de aquecer o lar e os filhos com seu amor e sua presença. Senhor Jesus, Menino nascido para ser nossa paz, velai pelos filhos, velai pelas crianças e não permitais que a vida humana seja assassinada pelo aborto e pelas experiências sacrílegas com embriões humanos! Que os filhos cresçam como Tu cresceste: no calor de um pai e de uma mãe, no aconchego de um lar, na piedade da oração familiar e da simplicidade das lutas de cada dia! E que possamos louvar-Te eternamente, um dia, com José e Maria de Nazaré. Amém.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Orientações sobre a Liturgia ( Por Dom Antonio Carlos R Keller)

DOM ANTONIO CARLOS ROSSI KELLER
PELA GRAÇA DE DEUS E DA SANTA SÉ APOSTÓLICA
BISPO DE FREDERICO WESTPHALEN (RS)
 
Aos senhores padres da Diocese de Frederico Westphalen, bem como aos seminaristas e religiosos e religiosas, e a todo o povo fiel desta Diocese.
 
Paz e Benção no Senhor.
 
Como está estabelecido pela Instrução “Redemptionis Sacramentum”, na esteira dos documentos oficiais do Concílio Ecumênico Vaticano II bem como de todos os demais documentos de aplicação do mesmo Concílio Ecumênico, o Bispo diocesano é o moderador, promotor e custódio de toda a vida litúrgica. A ele corresponde dar normas obrigatórias para todos sobre matéria litúrgica, regular, dirigir, estimular e algumas vezes também repreender. Compete pois, ao Bispo diocesano, o direito e o dever de visitar e vigiar a liturgia nas igrejas e oratórios situados em seu território, também aqueles que sejam fundados ou dirigidos pelos citados institutos religiosos, se os fiéis recorrem a eles de forma habitual.
 
Tendo em vista alguns erros e abusos verificados em nossa Diocese, naturalmente por descuido, venho recordar, de forma pontual, algumas questões.
 
    1. Na Celebração da Sagrada Eucaristia, bem como dos demais sacramentos, os ministros sagrados usem sempre as vestes litúrgicas próprias para a dignidade do Mistério que celebram. Para a celebração da Santa Missa, “Salvo indicação em contrário, a veste própria do sacerdote celebrante, para a Missa e outras ações sagradas diretamente ligadas com a Missa, é a casula ou planeta, que se veste sobre a alva e a estola. Do mesmo modo, o Sacerdote que, segundo as rubricas, veste a casula não deixe de colocar também a estola. Todos os Ordinários velarão para que se elimine qualquer uso contrário”. (Instrução Geral sobre o Missal Romano, n. 123). Portanto, está determinantemente proibido que se celebre a Santa Missa sem os paramentos prescritos pela Igreja, aceitando-se, no caso do Brasil como indulto, o uso da túnica com a estola na cor do dia. 
 
    2. “Nas celebrações litúrgicas, limite-se cada um, ministro ou simples fiel, exercendo o seu ofício, a fazer tudo e só o que é de sua competência, segundo a natureza do rito e as leis litúrgicas” (n. 28, CONSTITUIÇÃO CONCILIAR SACROSANCTUM CONCILIUM SOBRE A SAGRADA LITURGIA), e como ensina a “Instrução Geral sobre o Missal Romano”, n. 5, “Com efeito, a celebração da Eucaristia é uma ação de toda a Igreja, onde cada um deve fazer tudo e só o que lhe compete, segundo o lugar que ocupa no Povo de Deus”. Assim sendo, não é permitido que nas Celebrações Litúrgicas, especialmente na Celebração da Santa Missa, alguém que não seja ministro ordenado, sacerdote ou diácono, proclame o Santo Evangelho. Mesmo os seminaristas instituídos como Leitores e Acólitos, bem como os Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística, bem como religiosos não ordenados e religiosas não podem proclamar o Santo Evangelho nas Celebrações Litúrgicas dos Sacramentos, especialmente na Santa Missa.
 
    3. Também em relação à Homilia, é necessário lembrar as Normas estabelecidas pela mesma Instrução Redemptionis Sacramentum, n. 65 e 66: “Lembre-se que deve se ter revogada, de acordo com o prescrito no cânon 767 § 1, qualquer norma precedente que admita, aos fiéis não ordenados, poder fazer a homilia na celebração eucarística. Reprove-se esta concessão, sem que se possa admitir nenhuma força do costume. A proibição de admitir os leigos para pregar, dentro da celebração da Missa, também é válida para os alunos de seminários, ou estudantes de teologia, para os que têm recebido a tarefa de «assistentes pastorais» e para qualquer outro tipo de grupo, irmandade, comunidade ou associação de leigos”. Portanto, cabe ao celebrante, ou a um concelebrante ou a um diácono, o fazer a Homilia, que deve ser sempre preparada com esmero e carinho. Nosso povo merece este cuidado e esta atenção.
 
    4. Da mesma forma, no exercício de sua função nas celebrações litúrgicas, o sacerdote que preside, e no caso da Sagrada Eucaristia, aqueles que concelebram, não devem, sob nenhum pretexto, exercer qualquer outro serviço não próprio de sua função, como seria o caso de dirigir os cantos, tocar algum instrumento, realizar os comentários e até mesmo ler as Leituras bíblicas propostas. Naturalmente, no caso das Leituras, e tão somente nestes casos, somente o fato de que ninguém tivesse condições de ler, justificaria que fosse o sacerdote, ou algum concelebrante quem lesse. O contrário deste abuso, seria o de que os leigos assumissem funções sacerdotais. Lembro que o sinal da cruz inicial, deve ser rezado ou cantado pelo celebrante, cabendo ao povo tão somente a resposta final, o Amém. Chamo a atenção de que sob nenhuma hipótese devem os leigos, por exemplo, intervir no cânon da Missa, dizendo as partes reservadas ao ministro ordenado. Cabe tão somente ao celebrante e demais concelebrantes rezar as partes do Cânon, bem como o “Por Cristo”, que é aclamado no final pelo “Amém” da Assembleia. Durante o Cânon, a Assembleia deve tão somente recitar as fórmulas de aclamação propostas. Da mesma forma, a “Oração da Paz” deve ser rezada somente pelo celebrante principal.
 
    5. Use-se tão somente os livros litúrgicos prescritos, nas celebrações do s Sacramentos, especialmente na Sagrada Eucaristia: o Missal Romano e o Lecionário. Para as Leituras bíblicas não pode ser usado nenhum outro volume da Bíblia e, menos ainda, o folheto litúrgico usado pela Assembleia.
  
    6. Não esqueçam os senhores padres de incluir, como indicado pela Igreja, com a ordem do Papa Francisco, o nome de São José nas Preces Eucarísticas II, III e IV.
 
Finalmente, é importante recordar as palavras do Santo Padre, o Papa Francisco, em relação a esta questão de “clericalizar” os leigos, com a intenção de “dar maior participação” aos mesmos na vida da Igreja. Ensina-nos o Papa que “O padre clericaliza , e o leigo lhe pede por favor que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade e de liberdade cristã em parte do laicato latino-americano” (Discurso à Coordenação do CELAM, no Rio de Janeiro, por ocasião da JMJ). 
 
Peço, pois a atenção e a obediência de todos nestas e em outras questões que envolvam a Sagrada Liturgia. Não somos donos, mas sim servidores da Liturgia, portanto, estas questões exigem de nós a lealdade no cumprimento amoroso daquilo que a Igreja nos pede.
 
Desejando a todos um Santo e Feliz Natal, bem como um ano repleto das bênçãos de Deus, subscrevo-me, no Senhor.
 
Frederico Westphalen, 18 de dezembro de 2013.
+Antonio Carlos Rossi Keller
 Bispo de Frederico Westphalen

Natal: não é a festa de aniversário de Jesus!

Eis o Natal, uma das grandes festas cristãs. Gostaria de explicar o sentido desta celebração, já que atualmente parece que os cristãos andam meio confusos, sem saber bem o que celebram. Alguns pensam que celebrar o Natal é comemorar o aniversário de Jesus; alguns chegam até a cantar “parabéns pra você”! Coisa totalmente fora de propósito, contrária ao sentimento da Igreja e fora do sentido da celebração dos cristãos. Então, se não celebramos o aniversário de Jesus, o que fazemos no Natal?
 
Antes de tudo é necessário entender o que é a Liturgia, a Celebração da Igreja.
 
O nosso Deus, quando quis nos salvar, agiu na nossa história. Primeiramente agiu na história de toda a humanidade, guiando de modo secreto e sábio todos os seres humanos e sua história. Basta que pensemos nos santos pagãos do Antigo Testamento – santos que não pertenceram ao povo de Israel: Santo Abel, Santo Henoc, São Matusalém, São Noé, São Melquisedec, São Jó... Nenhum destes pertencia ao Povo de Deus... E, no entanto, Deus agia através deles... Depois, Deus agiu de modo forte, aberto, intenso na história do povo de Israel, com as palavras de fogo dos profetas, com a mão estendida e o braço potente nas obras maravilhosas em benefício do Seu Povo eleito.

Finalmente, Deus agiu de modo pleno e total, fazendo-Se pessoalmente presente, em Jesus Cristo, que é o cume, o centro e a finalidade da revelação e da ação de Deus: em Jesus, tudo quanto Deus sonhou para nós se realizou de modo pleno, único, absoluto, completo e definitivo! Então, o nosso Deus não Se revela principalmente com ensinamentos, com doutrinas e conselhos, mas com ações concretas e palavras concretas de amor! E tudo isso chegou à plenitude na vida, nos gestos, palavras e ações de Jesus Cristo!
 
Pois bem: são estas obras salvíficas de Deus, realizadas de modo pleno em Jesus, que nós tornamos presente na nossa vida quando celebramos a Santa Liturgia, sobretudo a Eucaristia! Na força do Espírito Santo de Jesus, através das palavras, dos gestos e dos símbolos litúrgicos, os acontecimentos do passado – todos resumidos em Cristo: na Sua Encarnação, no Seu Nascimento,  Ministério, Morte e Ressurreição e no Dom do seu Espírito – tornam-se presentes na nossa vida.
 
Vejamos, agora, o caso do Natal. Quando a Igreja celebra as festas do Natal, quer celebrar não o aniversariozinho do menininho Jesus... O que ela deseja fazer e faz é tornar presente para nós, na força do Espírito Santo, a graça da Vinda do Cristo! Celebrando a liturgia do Natal, o acontecimento do passado (a Manifestação do Filho de Deus) torna-se presente no hoje da nossa vida! Na liturgia do Natal a Igreja não diz: “Há dois mil anos nasceu Jesus”! Nada disso! O que ela diz é: “Alegremo-nos todos no Senhor: hoje nasceu o Salvador do mundo, desceu do céu a verdadeira paz!”. Então, celebrando as santas festas do Natal, celebramos a Manifestação do Salvador no nosso hoje, na nossa vida, no nosso mundo! A liturgia tem essa característica: na força do Santo Espírito torna presente realmente, de verdade, aquele acontecimento ocorrido no passado. Não é uma repetição do acontecimento, nem uma recordação! É, ao invés, aquilo que a Bíblia chama de memorial, isto é, tornar presente os atos de salvação de Deus!
 
Agora vejamos: a Eucaristia é a celebração, o memorial da Páscoa do Senhor. Como é, então, que no Natal a gente celebra a Missa, que é a Páscoa? Como é que já no Natal a Igreja mete a celebração da Páscoa? É que a Eucaristia não é simplesmente a celebração da paixão, morte e ressurreição de Cristo! Essa seria uma ideia muito mesquinha, estreita! Em cada Missa é todo o mistério da nossa salvação que se faz presente, é tudo aquilo que Deus realizou por nós, desde a criação até agora... E tudo isso tem o seu centro em Jesus: na Sua encarnação, na Sua vida e na sua pregação, e alcança seu cume na Sua morte e ressurreição, na Sua ascensão e no dom do Santo Espírito. Então, celebramos as cinco festas do Natal celebrando a Missa, porque aí o mistério, o acontecimento da nossa salvação se torna presente e atuante na nossa vida.
 
Voltando para casa após a Missa do Natal, podemos dizer: “Hoje eu vi, hoje eu ouvi, hoje eu experimentei, hoje eu testemunhei e hoje eu anuncio: nasceu para nós, nasceu para o mundo um Salvador! Ele veio, Ele não nos deixou, Ele Se fez nosso companheiro de estrada!” Celebrando a Eucaristia do Natal, recebemos a graça do Natal, entramos em comunhão com o Cristo que veio no Natal, porque recebemos no Corpo e Sangue do Senhor o próprio Cristo que nasceu para nós, e, agora, Cristo ressuscitado, pleno do Santo Espírito! É incrível, mas a graça do Natal chega a nós mais do que chegou para Maria e José e os pastores e os magos. Porque eles viram um menininho no presépio, na Sua natureza humana em estado de humilhação, enquanto nós O recebemos dentro de nós, Seu Corpo no nosso corpo, Seu Sangue no nosso sangue, Sua Alma na nossa alma, Seu Espírito no nosso espírito... E tudo isto num estado de glória! Não mais um menininho frágil, com esta nossa vidinha humana, mas o próprio Filho agora glorificado, com uma natureza humana imortal e gloriosa, que nos transformará para a Vida eterna.
 
Então, que neste Natal ninguém cante parabéns para o Menino Jesus, nem fique com inveja dos pastores e dos magos... Também para nós HOJE nasceu um Salvador: o Cristo ressuscitado, glorioso, que recebemos no Seu Corpo e Sangue e cujo mistério celebramos nos gestos, palavras e símbolos da liturgia santíssima!
   
O Natal não se resume a um dia nem celebra simplesmente o Nascimento de Jesus. Na verdade, o Natal é um tempo, formado por cinco festas que celebram no rito da Santa Liturgia o mistério da Manifestação do Filho de Deus em nossa natureza humana. O Filho eterno do Pai manifestou-Se na nossa pobre humanidade para enriquecê-la com a Sua divindade; Ele veio para nos dar a graça da comunhão, da amizade com Ele – é isso a salvação! Cinco festas; ei-las:
 
1) A Solenidade do Natal do Senhor, no dia 25 de dezembro. Na pobreza da gruta de Belém contemplaremos como frágil criança Aquele que é o Forte e eterno Deus: “Porque um Menino nos nasceu, um filho nos foi dado, Ele recebeu o poder sobre os Seus ombros e Lhe foi dado este Nome: Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, Pai-eterno, Príncipe-da-Paz” (Is 9,5). Neste Dia santíssimo (que é celebrado durante oito dias) a Igreja dobra os joelhos diante do Salvador, juntamente com Maria, José e os pastores; a Igreja canta o “Glória a Deus nas alturas” juntamente com os anjos, a Igreja ilumina-se de alegria como o céu da noite santa de Belém.
 
2) No Domingo entre os dias 25 e 1º de janeiro a Igreja celebra a Festa da Sagrada Família. O Filho de Deus assumiu em tudo a nossa condição humana: entrou numa família, na vida miudinha de cada dia; Ele veio verdadeiramente viver a nossa aventura. Assim, santificou as famílias de modo especial: “Desceu com eles para Nazaré e era-lhes submisso” (Lc 2,51).
 
3) Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, no dia 1º de janeiro, Oitava do Natal. “(Os pastores) foram, então, às pressas, e encontraram Maria, José e o Recém-nascido deitado na manjedoura” (Lc 2,16). A Igreja contempla o Menino que nasceu em Belém e Nele reconhece o Deus eterno, reclinado no colo de Maria. Por isso chama-a Mãe de Deus, quer dizer, Mãe do Filho de Deus feito homem! Dando este título à Virgem a Igreja, desde suas origens, professa sua fé na divindade de Jesus. Primeiro de Janeiro é uma das grandes festas marianas.

 4) Solenidade da Epifania do Senhor, no Domingo entre 2 e 8 de janeiro. É a festa chamada Festa de Reis. Mas, é bem mais que isso: a palavra “epifania” significa “manifestação”. Os magos, vindos dos povos pagãos, representam toda a humanidade que vem adorar o Salvador e reconhecê-Lo como a luz para iluminar as nações. Deus manifesta a Sua salvação a todos os povos: “O Senhor fez conhecer Sua salvação, revelou Sua justiça aos olhos das nações. Os confins da terra contemplaram a Salvação do nosso Deus” (Sl 97,2.3).
 
5) A Festa do Batismo do Senhor, no Domingo após a Epifania. Com ela termina o tempo do Natal. O Pai apresenta o Seu Filho: “Este é o Meu Filho amado, em Quem Eu Me comprazo!” (Mt 3,17). Com esta festa encerra-se o ciclo de festas da Manifestação do Senhor. A Igreja agora sabe, experimenta e anuncia ao mundo: “O Verbo Se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a Sua glória!” (Jo 1,14).
    
Que vivamos bem este tempo do Natal, tão rico e santo!

sábado, 7 de dezembro de 2013

Os animais têm alma como os seres humanos?

O que diz a doutrina cristã católica a respeito deste assunto, que desperta o interesse de cada vez mais pessoas?

Vivemos tempos em que muitos valorizam mais a vida de um animal do que a vida de um ser humano. Muitas pessoas estão se comovendo mais com os problemas de cães e gatos do que com as vidas de tantas crianças carentes, idosos desamparados...

Fortunas são gastas com luxos para os "pets". Não estamos falando de alimentar e tratar bem, mas sim de acompanhamento "psicológico"(!), massagens relaxantes, banhos de ofurô, coleiras decoradas com pedras preciosas, restaurantes especializados e até motéis... Tudo para cachorro. Enquanto isso, ali na esquina, uma criança implora por um prato de comida. Será justo isso?

De pessoas que possuem um cão de estimação, a frase mais comum é a seguinte: "É como se fosse o meu filho!"... Os mais exagerados chegam mesmo a dizer que não há diferença entre um cachorrinho e uma criança, que ambos merecem o mesmo amor e o mesmo carinho... Dia desses, diante de uma senhora que me disse tal frase, não resisti e contra-argumentei: "não me leve a mal, mas ainda bem que eu não sou filho da senhora! Eu não gostaria de ouvir minha mãe dizer que eu não valho mais do que um cachorro, por mais esperto e fofinho que ele seja...". - Não fiz por mal: eu só queria abrir a consciência daquela pessoa para o absurdo que ela estava dizendo, mesmo sem maldade.

Outros ainda vão além e dizem que um cachorro vale mais do que um ser humano, porque os humanos roubam, matam, cometem barbaridades... E os cachorros não fazem nada disso e são fiéis aos seus donos. Bem, há controvérsias: posso citar o caso de uma vizinha que eu tive, que apesar de tratar seu cachorro, literalmente, como se fosse um filho, um belo dia levou uma mordida tão feia que teve que ser socorrida ao hospital. Existem muitos casos como esse, e, se formos usar a mesma lógica, teríamos de concluir que deveríamos exterminar toda a humanidade e deixar o planeta livre para as árvores. Estas sim, não fazem mal a ninguém e, pelo contrário, são benéficas por sua própria natureza.

Será que o fato de os seres humanos fazerem o mal justifica a ideia de que valem menos que os animais? O que a sua consciência cristã diz sobre este assunto? Será mesmo que um cachorro deve ser amado, literalmente, como um filho? Será que não há diferença entre um filho e um cão?

Segundo a psicologia, o amor assim extremamente exagerado pelos animais de estimação está relacionado à dependência afetiva e a uma personalidade imatura, que depende de uma muleta psicológica para sobreviver.

Já o crescimento do mercado "pet" (produtos para animais de estimação) é confirmado nos dados comerciais do segmento. Dados do IBOPE-NPD, estimam em quase quarenta milhões a população de animais de estimação no Brasil, sendo que 71% das residências tem cão e 17,5% dos lares tem gato. O setor vem apresentando um crescimento médio de 17% ao ano(!), desde 1995, segundo a Associação dos Revendedores e Prestadores de Serviços ao Mercado Pet.

A solução está no equilíbrio. Só precisamos do mínimo de bom senso, razão e lógica: em outras palavras, precisamos apenas de discernimento. A ligação vital com o meio em que vivemos, - com a natureza, com as plantas e os animais, - alimenta o nosso espírito, proporciona prazer à nossa vida e nos acalma. Pode servir como uma espécie de vínculo com Deus Criador e facilitar até o nosso trato com as outras pessoas. Pode ser também uma arma contra a solidão, a apatia e a depressão. O problema está no exagero e na perda da noção da realidade.

Adotar e cuidar de um animal, por mais saudável e agradável que seja, jamais deveria nos levar a assemelhá-lo ou compará-lo com um ser humano, especialmente um filho. O psicólogo especializado Richard Klein[1] advertiu que comparar um cão a um ser humano é um erro psicológico e biológico perigoso, e que a humanização dos animais pode conduzir a uma animalização dos seres humanos. Assim, a também psicóloga Marjorie Garber, autora do livro-referência "Amor de Cão" (Editora Record -
veja aqui) coloca-se contra a ideia de permitir que o amor pelos animais substitua o amor pelos seres humanos, chamando tal preferência de moralmente perigosa. Conclui que o ser humano que, desiludido e amargurado pela fraqueza dos homens, retira seu amor da humanidade e o deposita em cães ou gatos, está cometendo um pecado grave e uma repulsiva perversão social. 

A alma dos animais

E aí, quando o animal de estimação morre, muitos sofrem além da conta, não se conformam com a perda e querem acreditar que reencontrarão seus bichinhos, algum dia, no Céu. Outros preferem imaginar que existe um "céu dos cachorros" ou dos gatos, onde eles viverão felizes para sempre. O que a Igreja tem a dizer sobre isso?

Os animais tem almas como os seres humanos? A resposta para essa pergunta é sim e não. Segundo a doutrina cristã e católica, sim, os animais, - e também as plantas -, possuem almas. Mas não, eles (obviamente) não possuem almas como as nossas.

A alma é o princípio da vida. Os animais e as plantas são seres vivos, logo possuem almas, mas não no mesmo sentido que as almas humanas. Nossas almas são racionais e conscientes, as almas deles não são; nossas almas são racionais porque são espirituais e não materiais.

Como assim? Os animais e as plantas não podem fazer nada que transcenda os limites da matéria, isto é, nada que vá além do físico. Eles vivem e morrem neste mundo. Embora muitos animais sejam realmente muito "inteligentes", eles realmente não possuem a nossa inteligência conceitual. Eles não podem, por exemplo, conceber a noção abstrata de justiça. Animal algum possui a consciência humana do bem e do mal. Os animais e as plantas não têm senso moral. Quando você repreende o seu cachorro por ele ter mastigado o tapete e ainda diz a ele que "está errado", é certo que você não pode atribuir-lhe culpa de pecado, já que ele não pode cometer pecados. Ainda que ele faça uma "carinha muito fofa" quando você briga com ele devido a uma travessura, ele não pode compreender porque aquilo é errado. Estudos apontam que alguns bichos acabam se especializando em adotar posturas e "expressões" que cativam os seres humanos, porque aprenderam que isso funciona.

Para muita gente parece estranho: até onde eu observo, os animais sentem e expressam sentimentos (alegria, tristeza, raiva, euforia, preguiça e mesmo dissimulação). A diferença é que estes sentimentos não lhes têm peso moral algum; não são capazes de transformar essas emoções instintivas em virtude, pois que não são capazes de discernir entre o bem e o mal.

As almas dos animais e das plantas dependem inteiramente da matéria para o seu ser e para as suas ações. Tais almas deixam de existir com a morte (não existe um 'céu para cachorros'). Os animais nascem e cumprem o seu papel na existência aqui mesmo, e é assim que deve ser. Percebe onde começa o pecado de dizer que um cachorro é igual a um filho?

As almas humanas, ao contrário, não são materiais. São espirituais. Só um espírito pode conhecer e amar em nível mais elevado, transcendente; as duas faculdades principais do espírito são o intelecto (que conhece) e a vontade (que ama). Nós sabemos que as almas humanas são espirituais porque podem conhecer e amar. Um animal pode demonstrar afeto e fidelidade ao dono. Eles são capazes disso, mas se tratam de naturezas e realidades muito distintas.

As almas humanas são imortais porque os espíritos não podem se decompor. Eles também são indivisíveis: apenas uma coisa divisível pode ser separada em partes. O espírito é uma unidade: não tem parte superior nem inferior; não tem esquerda ou direita; não tem lado de dentro nem lado de fora.

Toda matéria, por menor que seja ela, possui partes, logo é divisível. O corpo humano pode se decompor - pois é feito de matéria - mas a alma humana não - e por isso dizemos que é imortal.

Aos que não se conformam com o fato de os animais não possuírem alma imortal e não terem a possibilidade de ganhar o Céu, cabe a reflexão a seguir, extraída do website
"O Catequista":

Observe que estivemos falando aqui exclusivamente de cães e gatos. Ninguém está preocupado com o destino post mortem dos outros animaizinhos: as baratas que insistem em invadir a sua cozinha, o rato que mora no bueiro em frente à sua casa, o camarão da empada que você comeu ontem, o mosquito da dengue que mordeu a sua tia no verão passado… Com a alma deles, aposto que você nunca se preocupou!

Então, vamos direto ao ponto: não, o seu cachorro não vai para o Céu. E não é por que ele roubou a salsicha do mercado e se atracou lascivamente com as pernas da sua vizinha… O fato é que ele não possui alma imortal. Simples assim.

O Catecismo da Igreja Católica (2415 a 2418) ensina que os animais são dons de Deus. São criaturas benditas, mas que não possuem alma imortal. Temos a obrigação de tratá-los com respeito e carinho, já que eles têm sentimentos e sentem dor. É pecado “fazer os animais sofrerem inutilmente e desperdiçar suas vidas”. Mas sem confundir as coisas. Assim como as demais coisas maravilhosas da natureza, – as flores, as matas e os rios, – os animais de estimação são, muitas vezes, um consolo no meio das amarguras e decepções da vida. Eles são sinais da bondade de Deus para conosco, então, agradeça a Ele pelos momentos de alegria que o seu bichinho lhe dá, pela companhia que ele lhe faz, pelo carinho que lhe oferece. Mas sem confundir as coisas.

Por que sofremos? Por que existem a dor e o sofrimento neste mundo.

Adaptado dos escritos do Pe. Francisco Faus

O sofrimento e o amor - Dois modos de encarar a mesma dor

Faz alguns anos, no espaço de um mês, tomei conhecimento de dois casos muito parecidos, porém totalmente diferentes em seus efeitos: dois casos de pais que haviam perdido um filho adolescente de maneira repentina e trágica. Conversei longamente com o primeiro e, uns trinta dias mais tarde, com o outro. O primeiro afundara-se numa dor insuportável, que lhe abalou os alicerces da vida e lhe asfixiou a fé. Repetia depois, ao longo dos anos, num desabafo amargo e cheio de rancor, que a sua vida tinha perdido o sentido, que não sabia se Deus existia ou não, mas que não se importava, porque já o tinha apagado dos pensamentos e não queria saber mais dEle. Fechado na sua solidão desesperada, definhava e tornava difícil a existência dos que conviviam com ele. Sem a luz da fé, o homem fica abandonado ao turbilhão da vida, é como um cego golpeado por um mundo cruel e incompreensível, sem outra alternativa a não ser a revolta, a frieza, a resignação ou o desespero.

O segundo pai sofreu tanto como o primeiro. Perder um filho é uma das maiores dores da vida. Mas não permitiu que o sofrimento lhe vendasse os olhos nem se encapsulou na sua dor. No meio das lágrimas, fixou com força o olhar da alma em Cristo crucificado e, unido a Ele, rezou: “Pai, seja feita a vossa vontade!” Dentro do seu coração ele dizia: “Não entendo essa Tua vontade, Pai, mas eu creio em Ti, eu espero em Ti, eu Te amo acima de todas as coisas”.

No velório, ver esse pai – e a mãe igualmente, com o mesmo espírito - a rezar junto do corpo do filho, não causava constrangimento, mas comunicava uma serenidade superior a qualquer paz que se possa experimentar nesta terra, e elevava a todos para Deus, cuja presença era palpável. Era uma serenidade estranha e poderosa, misturada com uma dor muito forte, que ficava sendo um enigma para os frios e os descrentes. Era mesmo um lampejo da Sabedoria da Cruz, de que fala São Paulo (Cf. 1 Cor 1,18-25).

Entender e saber

Como este segundo pai, nós também muitas vezes não entendemos o sofrimento, e é natural. É difícil compreender a doença incurável, a incapacitação física, a ruína psicológica dos que amamos, o desastre econômico… Não entendemos, mas… Sabemos, – com a certeza indestrutível da fé, - que Deus é Pai, que Deus é Amor (I Jo 4,8) e, portanto – como diz com cálido otimismo São Paulo, - nós sabemos que Deus faz concorrer todas as coisas para o bem daqueles que o amam (Rom 8,28). Faz concorrer também, e muito especialmente, os sofrimentos que Ele mesmo nos envia, ou os que Ele permite, ainda que os não queira, porque causados pela maldade dos homens.

Então, essa nossa fé – Dom precioso de Deus que não queremos extinguir, – nos permite o paradoxo inefável de sofrer e ter paz, de sofrer e manter no íntimo da alma uma misteriosa e fortíssima serenidade, uma imorredoura esperança. Assim sofreu Cristo na Cruz e assim sofreram os santos. Os que se entregam nas mãos de Deus Pai sentem que a Cruz se lhes torna doce; – uma Cruz sem Cruz, - e os inunda de uma suavidade amável. Eles escutam e escutarão sempre as palavras de Cristo, que nos diz, na hora da dor: "Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve” (Mat 11,28-30).

E chegarão a exclamar, como Santa Teresa de Ávila: “Ó Senhor, o Caminho da Cruz é o que reservais aos vossos amados!”

A dor que faz amadurecer

Num conto intitulado O Espelho, João Guimarães Rosa descreve, simbolicamente, uma experiência que os místicos cristãos conhecem em profundidade. O protagonista da estória empreende a aventura de descobrir o seu verdadeiro rosto – o seu autêntico eu – num espelho-símbolo. Tenta olhar de tal modo que depure da sua figura tudo o que é superficial, animal, passional e espúrio, e acaba não vendo nada: “Eu não tinha formas, rosto?” Prosseguindo na experiência, só “mais tarde, ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes”, quando “já amava – já aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria”, é que começou a ver-se como o esboço inicial de um menino, que emergia do vazio, isto é, viu o seu rosto verdadeiro, que começava a nascer. No final da estória, o protagonista pergunta-se: “Você chegou a existir?”...

O escritor lembra-nos, com isso, que a pessoa que não sofreu não aprendeu a amar de verdade; e que a pessoa que não aprendeu a amar, não amadureceu; pode-se dizer que ainda não está “feita”, ainda não “existe”.

Nós…, existimos? Somos aquele que deveríamos ser, aquele que Deus espera de nós? A resposta – sim ou não - dependerá quase sempre de como sabemos sofrer. Tem muita razão o poeta que diz: “As pessoas que não conhecem a dor são como igrejas sem benzer”.

Deus nos faz com o sofrimento, modela-nos como um escultor, dá-nos a qualidade de um verdadeiro homem ou mulher, de um verdadeiro filho de Deus. A Cruz – poderíamos dizer - é a grande ferramenta formativa de Deus.

Três meses antes de morrer, São Josemaria Escrivá fazia um rápido balanço da sua vida, e resumia: “Um olhar para trás… Um panorama imenso: tantas dores, tantas alegrias. E agora tudo alegrias, tudo alegrias… Porque temos a experiência de que a dor é o martelar do Artista, que quer fazer de cada um, dessa massa informe que nós somos, um crucifixo, um Cristo, o alter Christus [o outro Cristo] que temos de ser”

Essa visão essencialmente cristã é a que lhe inspirou sempre a pregação sobre a dor, baseada na sua própria experiência de alma enamorada de Deus: “Não te queixes, se sofres" – escrevia ele -. "Lapida-se a pedra que se estima, que tem valor. Dói-te? –Deixa-te lapidar, com agradecimento, porque Deus te tomou nas suas mãos como um diamante… Não se trabalha assim um pedregulho vulgar”.

Deus sempre nos faz bem por meio da Cruz, seja qual for, quando nós o “deixamos” fazer. Assim como nos salvou pela Cruz, assim também nos aperfeiçoa e nos santifica por meio da Cruz. Não exclusivamente mediante a Cruz – também nos santificam as muitas alegrias, os trabalhos que amamos, os carinhos que nos enriquecem…– mas certamente não sem ela, a Cruz.

A dor que nos purifica - Sofrimento redentor

A Cruz, o sofrimento, purifica-nos. O sofrimento abre-nos os olhos para panoramas de vida maiores, mais verdadeiros e mais belos. O sofrimento ajuda-nos a escalar os cumes do Amor a Deus e do Amor ao próximo.

São inúmeras as histórias de homens e de mulheres que, sacudidos pelo sofrimento, acordaram: adquiriram uma nova visão – que antes era impedida pela vaidade, a cobiça e as futilidades - e perceberam, com olhos mais puros, que o que vale a pena de verdade na vida é Deus que nunca morre, nem trai, nem quebra; descobriram que nEle se acha o verdadeiro Amor pelo qual todos ansiamos e que nenhuma outra coisa consegue satisfazer; entenderam que o que importa são os tesouros no Céu, que nem a traça rói nem os ladrões levam (Mat 6,20). E perceberam, enfim, que os outros também sofrem, e por isso decidiram esquecer-se de si mesmos e dedicar-se a aliviá-los e ajudá-los a bem sofrer.

É uma lição encorajadora verificar que, na vida de São Paulo, as tribulações se encadeavam umas às outras, sem parar, mas nunca o abatiam. É que ele não as via como um empecilho, mas como Graças de Deus e garantia de fecundidade, de modo que podia dizer de todo o coração: "Trazemos sempre em nosso corpo os traços da morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo" (2 Cor 4,10). E ainda: "Sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo; porque quando me sinto fraco, então é que sou forte!" (2 Cor 12,10). E até mesmo, com entusiasmo: "Nós nos gloriamos das tribulações, pois sabemos que a tribulação produz a paciência; a paciência a virtude comprovada; a virtude comprovada, a esperança. E a esperança não desilude, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado". (Rom 5,3-5). É o retrato perfeito da alma que se agiganta no sofrimento, que se deixa abençoar pela Cruz.

Outro exemplo muito significativo: uma perseguição injusta por parte de seus próprios confrades arrastou São João da Cruz a um cárcere imundo. Todos os dias era chicoteado e insultado. Mal comia. Suportava frios e calores estarrecedores. Para ler um livro de orações, tinha que erguer-se nas pontas dos pés sobre um banquinho e apanhar um filete de luz que se filtrava por um buraco do teto. Pois bem, foi nesses meses de prisão, num cubículo infecto, que ganhou o perfeito desprendimento, alcançou um grau indescritível de União com Deus e compôs, inundado de paz, a Noite escura da Alma e o Cântico Espiritual, obras que são consideradas dois dos cumes mais altos da Mística Cristã. E, uma vez acabada a terrível provação, quando se referia aos seus torturadores, chamava-os, com sincero agradecimento, “os meus benfeitores”...

As histórias de mulheres e de homens santos que se elevaram na dor poderiam multiplicar-se até o infinito: mães heróicas, mártires da caridade… Daria para encher uma biblioteca só a vida dos mártires do século XX, como São Maximiliano Kolbe, que na sua Cruz – na injustiça do campo de concentração nazista, nos tormentos e na morte – achou e soube dar o Amor e a vida com alegria.

Essas almas santas estão a escrever, no dizer de João Paulo II, “um grande capítulo do Evangelho do sofrimento, que se vai desenrolando ao longo da história. Escrevem-no todos aqueles que sofrem com Cristo, unindo os próprios sofrimentos humanos ao seu sofrimento salvífico…”

"No decorrer dos séculos e das gerações, tem-se comprovado que no sofrimento se esconde uma força particular, que aproxima interiormente o homem de Cristo, uma Graça particular. A esta ficaram a dever a sua profunda conversão muitos santos como São Francisco de Assis e Santo Inácio de Loyola. O fruto de semelhante conversão é não apenas o fato de que o homem descobre o sentido salvífico do sofrimento, mas sobretudo que no sofrimento ele se torna um homem totalmente novo. Encontra como que uma maneira nova para avaliar toda a sua vida e a própria vocação. Esta descoberta constitui uma confirmação particular da grandeza espiritual que, no homem, supera o corpo de uma maneira totalmente incomparável. Quando este corpo está gravemente doente, ou mesmo completamente inutilizado, e o homem se sente como que incapaz de viver e agir, é então que se põem mais em evidência a sua maturidade interior e grandeza espiritual; e estas constituem uma lição comovedora para as pessoas sãs e normais” (Papa João Paulo II em Salvifici Doloris, n. 26).

A dor que nos chama

Mas estamos falando dos mártires, dos grandes sofrimentos de alguns santos, e não devemos esquecer que também é a Cruz, a santa Cruz, cada uma das contrariedades, dores, doenças, injustiças e mil outros padecimentos menores, que Deus envia ou permite na nossa vida diária, para nos santificar.

Vai-nos ajudar a pensar nisso uma frase incisiva de São Josemaria, comentando a passagem da Paixão de Cristo em que os soldados obrigaram Simão Cireneu a carregar a Cruz de Jesus: “Às vezes, a Cruz aparece sem a procurarmos: é Cristo que pergunta por nós”.

A maior parte das “cruzes” aparece-nos sem as termos procurado. São as moléstias físicas ou psíquicas; são os aborrecimentos que surgem no mundo do nosso trabalho; são as dificuldades e aflições econômicas, o desemprego, a insegurança… Ou então os sofrimentos que surgem no convívio habitual com a família: asperezas de caráter do marido ou da mulher, desgostos com os filhos, parentes desabusados ou intrometidos, indelicadezas, ofensas…

Todo tipo de sofrimento nos interpela. Que resposta lhe damos? Não poucas vezes, a nossa reação espontânea é a irritação, o protesto, a aflição, a tristeza, o desânimo, a queixa. Há corações que não sabem sofrer, ficam perdidos diante dos sofrimentos cotidianos, e sucumbem esmagados por “cruzes” que sentem como se fossem uma laje que os asfixia, quando Deus lhas oferece como asas para voar.

Deveriam lembrar-se do mau ladrão. Junto de Jesus crucificado, deixou-se arrastar pelo ódio à Cruz. Morreu contorcendo-se e espumando de raiva na sua cruz inútil. Pelo contrário, o bom ladrão soube descobrir na sua cruz uma escada que lhe serviu para chegar a Cristo e subir ao Céu (Cfr. Luc 23,39-43).

Não vale a pena contorcer-se e protestar. Assim, Deus não nos poderá lapidar. Sofreremos mais e inutilmente, e nenhum proveito tiraremos da dor. Qualquer sofrimento nos interpela, diremos. Também Cristo foi interpelado, na Cruz, por todo tipo de sofrimento, por cada um daqueles padecimentos com que o feriram os nossos pecados. E como respondeu? De cada ferida que recebia, brotava um ato de Amor e uma virtude. Esse é o exemplo para o qual devemos olhar.

Acusado com mentiras revoltantes, responde com mansidão. Provocado maldosamente, responde com o silêncio. A cada chicotada, a cada espinho que lhe fere a cabeça, a cada prego que lhe atravessa as mãos e os pés, responde com a paciência; a cada ofensa, responde com o perdão; a cada escarro, a cada bofetada, responde com a humildade; a cada bem que lhe tiram (sangue, pele, honra, roupas) responde dando Amor; à rejeição dos homens, responde entregando-se totalmente por eles.

A cruz que ensina a amar

Perante cada pequeno desaforo, Deus nos diz: "Por que não respondes com um silêncio paciente e humilde como o meu, sem ódio nem discussões? Se te custa aguentar o caráter daquela pessoa, por que não te esforças por viver melhor a compreensão e a desculpa amável? Quando alguém te ofende, por que - sem deixares de defender serenamente o que é justo - não te esforças por perdoar, como Deus te perdoa?”

E, assim, quando as dores físicas ou morais – os desgostos, as decepções, os fracassos, os fastios, o tédio, a solidão, a depressão…- nos acabrunham, a voz cálida de Cristo crucificado convida-nos a ser generosos e a subir um degrau na escada do Amor; a crescer na mansidão, na bondade e na grandeza de alma; a aumentar a confiança em Deus; a ser mais desprendidos de êxitos, bem-estar e posses materiais; sobretudo, a meter-nos mais decididamente na fogueira de Amor que é o coração de Cristo, com desejos inflamados de corresponder, de desagravá-lo, de imitá-lo, de unirmo-nos ao seu Sacrifício Redentor. Todos esses sentimentos fazem grande bem à alma cristã.

A cruz que faz “co-redimir”

Há algumas palavras de São Paulo que encerram um grande mistério, que encerram uma Verdade sobrenatural muito profunda sobre a vida nova do cristão. São as seguintes: "Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. Completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja" (Coloss 1, 24).

A rigor, nada falta à Paixão de Cristo, pois o Sacrifício de Jesus mereceu infinitamente a Redenção de todos os crimes e pecados do mundo. Mas o Senhor quis que os cristãos, membros do seu Corpo Místico, “outros Cristos”, pudessem associar-se ao seu Sofrimento Redentor, unindo a Ele os seus próprios padecimentos.

Na Carta Apostólica já antes citada sobre o sentido cristão do sofrimento, o Papa João Paulo II desenvolve uma bela reflexão sobre esta verdade: “O Redentor sofreu em lugar do homem e em favor do homem. Todo homem tem a sua participação na Redenção. E cada um dos homens é também chamado a participar daquele sofrimento, por meio do qual se realizou a Redenção; é chamado a participar daquele sofrimento por meio do qual foi redimido também todo o sofrimento humano. Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível da Redenção. Por isso, todos os homens, com o seu sofrimento, podem tornar-se participantes do sofrimento redentor de Cristo” (n. 19).

E, mais adiante, glosando a frase de São Paulo que agora meditamos, o Papa complementa essa reflexão: “O sofrimento de Cristo criou o bem da Redenção do mundo. Este bem é em si mesmo inexaurível e infinito. Ninguém lhe pode acrescentar coisa alguma. Ao mesmo tempo, porém, Cristo, no mistério da Igreja, que é o seu Corpo, em certo sentido abriu o próprio Sofrimento Redentor a todo o sofrimento humano. Na medida em que o homem se torna participante dos sofrimentos de Cristo –em qualquer parte do mundo e em qualquer momento da história—tanto mais ele completa, a seu modo, aquele sofrimento, mediante o qual Cristo operou a Redenção do mundo” (n. 24).

Neste mundo em que, ao lado de tantas bênçãos de Deus, tantas almas sentem com força os ventos e tempestades do pecado, as almas generosas que sofrem com Amor, unidas ao Senhor, são como que “outros Cristos”, que contrabalançam com a sua “Cruz” o peso dos crimes do mundo. Tornados eles próprios uma só coisa com Cristo sofredor, são esses homens e mulheres bons – os santos, os mártires, os inocentes, os doentes, as crianças, os “humilhados e ofendidos”…- os que mantêm no mundo, como uma tocha acesa, a esperança da Salvação. Uma só mulher humilde que oferece, em sua cama de hospital, seus sofrimentos a Deus, faz mais pelo bem do mundo do que muitos dos que o governam.

É paradigmática a cena de São Francisco de Assis no Monte Alverne. Era a manhã de 14 de setembro de 1224, festa da Exaltação da Santa Cruz. Retirado nas solidões dos Apeninos, ele rezava ajoelhado diante de sua cela, antes de que raiasse a alva. Tinha as mãos elevadas e os braços estendidos, e pedia: “Ó Senhor Jesus, há duas graças que eu te pediria conceder-me antes de morrer. A primeira é esta: que na minha alma e no meu corpo, tanto quanto possível, eu possa sentir os sofrimentos que tu, meu doce Jesus, tiveste que sofrer na tua cruel Paixão! E o segundo favor que desejaria receber é o seguinte: que, tanto quanto possível, possa sentir em meu corpo esse amor desmedido em que tu ardias, tu, o Filho de Deus, e que te levou a querer sofrer tantas penas por nós, miseráveis pecadores”.

A oração foi ouvida. Um serafim, que trazia em si a imagem de um crucificado, imprimiu-lhe as chagas de Cristo nas mãos, nos pés e no lado. Francisco, até no corpo, tornou-se visivelmente um “outro Cristo”.

Teodicéia - Se Deus é bom porque o mal existe?

No fundo, é a mesma e velha questão ancestral da chamada Teodiceia: se Deus é Bom e Todo-Poderoso, porque permite o mal? Já tratamos deste problema épico, numa postagem baseada numa belíssima obra do grande sacerdote Pe. Francisco Faus, que pode ser lida aqui. Neste post, falaremos especificamente do problema das doenças genéticas propriamente ditas.

Pois bem. Somos Imagem e Semelhança de Deus. Assim sendo, como podem existir seres humanos que padecem de problemas genéticos, isto é, que já nascem com graves defeitos de formação?

Através da Revelação Divina, somos capazes de conhecer realidades que jamais seríamos capazes de supor ou descobrir por nós mesmos. Pela Revelação, sabemos que Deus tinha um Plano, um Projeto para a humanidade, e este Projeto não incluía sofrimento, doença ou morte. Se olharmos para a natureza do homem é fácil perceber que somos seres especialíssimos: não encontramos nada nem remotamente semelhante ao ser humano, em toda a natureza. O cérebro humano, por exemplo é uma maravilha absolutamente incomparável.

E ainda mais maravilhoso é saber que a consciência humana não depende das capacidades cerebrais. Emblemático é o caso recente (2000), da menina Manuela Teixeira, que nasceu anencéfala, em Sobradinho (DF), e portadora de acrania (ausência de calota craniana). Mesmo assim, beijava e abraçava seus pais, gostava de tomar banho e vibrava de alegria ao tomar seu leite da tarde. Ao se aproximar da mãe, movia o rosto e abria a boca, mostrando os dentinhos, e inquietava-se ao ouvir a voz da mamãe. Manuela só morreu com três anos idade, contrariando todas as previsões dos médicos, no dia 14 de setembro de 20031. Apenas mais uma prova de que nossa consciência mais profunda não depende do cérebro, mas de algo que não pode ser medido nem analisado em laboratório.

Mas mesmo assim, apesar de toda a maravilha que é o ser humano, nós já nascemos “programados” para envelhecer, adoecer e morrer. Por que tem que ser assim? Parece cruel, e a ciência biológica e genética e a medicina, desde sempre, tentam reverter esse processo natural. De tempos em tempos, alguma publicação científica alardeia que homens de jaleco branco estariam próximos de descobrir e isolar o gene do envelhecimento, e que assim a humanidade caminharia aceleradamente rumo à imortalidade, ou quase isso.

Há não muito tempo, descobriu-se uma espécie de água viva, a Turritopsis Nutricula ou Turritopsis Dohrnii, que tem uma capacidade realmente assombrosa: esses espécimes simplesmente não padecem dos efeitos do envelhecimento, e simplesmente nunca morrem de velhos! São virtualmente imortais: estão livres dos processos biológicos (os quais não cabe tentar explicar aqui) que provocam a decadência celular e o envelhecimento. Além disso, são extremamente resistentes a ferimentos e agressões. A única maneira de ceifar a vida de um desses curiosíssimos animais é despedaçando-o. Cientistas acreditam que outras criaturas marinhas podem também compartilhar deste mesmo “dom da imortalidade”2. Algo que dá o que pensar...

Já o caso dos seres humanos é diferente: é como se nascêssemos para morrer. Nascemos, nos fortalecemos, crescemos, atingimos o ápice de nossas capacidades físicas e mentais em torno dos 30/40 anos de idade e então, a partir daí, passamos a perder vitalidade, um pouquinho mais a cada ano passa, até que... A "máquina" inacreditavelmente maravilhosa entra num definitivo processo de falência.

Do ponto de vista puramente biológico, a morte permanece um mistério, assim como é a existência das doenças para a sensibilidade humana. Inúmeras pessoas de fé ao redor do mundo sofrem com esse antigo dilema: se Deus é Bom e Todo-Poderoso, porque existem o mal e o sofrimento? Por que existem doenças? Entrando finalmente na questão trazida pelo nosso leitor, porque existem doenças genéticas? 

O Pecado, a grande causa dos males do mundo

A morte entrou no mundo pelo pecado. Nós nascemos para a felicidade, para a saúde e para viver eternamente, e é por isso que não nos conformamos com as dores e sofrimentos, com as doenças e com a morte. Já os animais, que não possuem alma igual a dos seres humanos e não foram criados para a vida eterna (
como vimos aqui), não têm consciência da própria finitude, e assim não sofrem com essas questões transcendentais. Os humanos são os únicos seres que sofrem com a própria finitude.

E da mesma maneira como a morte, também as doenças e todo tipo de desvio e imperfeição da natureza entraram no mundo pelo pecado. Nós não sabemos como seria a vida dos seres humanos sem o pecado. – Adão e Eva foram criados sem pecado, mas não resistiram à tentação do Inimigo. – A história da Queda do homem, nos primeiros capítulos do Livro do Gênesis, quer a interpretemos literalmente ou não, narra como os seres humanos, que foram criados inocentes, foram enganados. Houve um enganador, um embusteiro, um mentiroso, desde o princípio da nossa história: Satanás. E o homem pecou. Pecando, caiu, perdendo o Paraíso, a Intimidade com Deus e a vida eterna e plena que lhe havia sido preparada.

Quando o homem caiu na mentira de Satanás, o Pecado entrou no mundo. Interessante notar que São Paulo Apóstolo, na Carta aos Romanos, descreve esta realidade da seguinte maneira: Adão e Eva transgrediram; assim o Pecado entrou no mundo. Paulo usa palavras diferentes: uma para o pecado pessoal do ser humano, o pecado da desobediência e da transgressão; outra palavra para o Pecado que entrou no mundo. E que Pecado é esse que entrou no mundo? É Satanás, o inventor do Pecado.

Também é preciso notar que Jesus chama Satanás de “príncipe deste mundo” (Jo 12,31; 14,30; 16,11), e que a Sagrada Escritura afirma que “o mundo está no Maligno”, e que os seres humanos vivem agora sob a influência maciça e tirânica de nosso maior Inimigo (Jo 5,19; Ef 2,2).

O Pecado, que é uma invenção angélica, isto é, de anjos rebeldes, já havia sido inventado antes do homem. O que o homem fez foi aderir a ele, dando as costas para Deus; foi assim que a doença e a morte entraram no mundo. Vivemos, de certo modo, sob o jugo das ações de Satanás e seus anjos, que nos submetem. Pelo Pecado do homem, - crime infinitamente grave porque foi praticado contra Aquele que é infinitamente Bom e Santo, - estamos sujeitos a todo tipo de imperfeição neste mundo. Vivemos agora um período histórico de luta, no qual iremos, com a ajuda de Deus e de sua Graça, com a Redenção em Cristo, lutar contra esses inimigos. E o último inimigo que será vencido, conforme diz São Paulo, é a morte (1 Cor 15,26).

No Antigo Testamento havia o domínio do Pecado. No Novo Testamento, o Filho de Deus se faz homem e vem a este mundo para nos libertar deste domínio do Pecado, da doença, da morte... De todo mal, enfim. Assim como Jesus venceu a morte na cruz (embora ela continue a nos assolar enquanto estamos neste mundo), Ele derrotou também a doença. Os Evangelhos nos mostram, - e o evangelista faz questão de salientar isso, - que o Senhor curou pessoas de suas doenças crônicas, como a mulher que sofria de hemorragia e o cego de nascença. Ora, alguém que já nasce cego sofre de uma doença genética, evidentemente.

Jesus derrotou a doença, mas nós continuaremos lutando com ela até o dia definitivo da nossa Salvação. Da mesma maneira se dá com a morte, nossa última inimiga. Estes séculos em que vivemos, que se situam entre a Ressurreição de Cristo e o Dia do Juízo Final, são tempos de luta. É preciso que tomemos, cada um de nós, a nossa cruz, e sigamos o Salvador do Mundo.

Que sentido tem a doença? Como acabamos de ver, sabemos por Revelação Divina qual foi a sua origem. Mas sabemos também que toda a dor, sofrimento e confusão que vivemos neste mundo possuem algo de redentor. Nossa própria cruz, se a unimos à Cruz do Senhor, é redentora, é salvífica, nos conduz à Salvação e à Libertação final, um pouco mais a cada dia. Este é um grande mistério do cristianismo que, - muito lamentavelmente, - vem sendo esquecido pelos nossos pastores. A maioria dos padres, hoje, não fala mais no valor do sacrifício, não exalta mais a importância de se levar a cruz com coragem e disposição.

Quando tomamos a nossa cruz no dia a dia, estamos seguindo pelo Caminho da Redenção! Jesus disse a todos (atenção: a todos): “Quem quiser me seguir, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e me siga.” (Lc 9:23)! Hoje, porém, muitos católicos adotaram o discurso de falsos profetas e pregadores que ensinam uma tal “teologia da prosperidade”, que ensina exatamente o contrário do que disse Jesus! "Siga Jesus e você vai ficar rico", gritam eles, "Siga Jesus e você vai ter uma vida só de felicidades, sem doenças, sem tribulações, sem problemas!". Mas o Jesus que é Cristo, Filho do Deus Vivo, continua dizendo o mesmo que sempre disse: “Quem quiser me seguir, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e me siga”. Os homens interpretam e mudam a Palavra de Deus conforme seus desejos, mas o Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente (Hb 13,8).

Jesus venceu o Pecado, e com ele a doença e a morte, mas Deus permite ainda que soframos com todas essas coisas, porque (mesmo que não possamos compreender) é o melhor para nós. Já nascemos marcados pelo egoísmo e pelo Pecado, e se tivéssemos já, agora, uma vida livre de todo e qualquer sofrimento, certamente nos tornaríamos soberbos e nos esqueceríamos de Deus. Basta observar como os que mais sofrem são justamente, via de regra, os que têm mais fé e buscam mais a Deus.

Certas calamidades, que vemos neste mundo, nos levam a intimamente perguntar: “Por que Deus permite isto?”, mas o cristão verdadeiro nunca se esquece: este mundo, esta vida passageira, não é tudo; a morte não é o fim, pelo contrário, é o começo da vida verdadeira e eterna, e dentro desse contexto infinitamente maior, toda imperfeição que vemos aqui não tem importância praticamente nenhuma.
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1. TAHAN, Lilian. Ela desafiou a ciência. Correio Braziliense, Brasília, p. 29, 14 fev. 2003. Grifo nosso.
2. Conf. artigo da National Geographic "'Immortal' Jellyfish Swarm World's Oceans", disponível em
http://news.nationalgeographic.com/news/2009/01/090130-immortal-jellyfish-swarm.html
Acesso 4/12/013.
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Referência:
Pregação do Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Jr., disponível em
http://padrepauloricardo.org/episodios/por-que-existem-doencas-geneticas
Acesso 4/12/013