domingo, 15 de maio de 2016

Jesus e a religião, e outras resposta a um protestante.

Resposta sobre religião, imagens e santos a um irmão protestante.

Ponto de partida: o significado da palavra religião

Isso posto, para começarmos a compreender a questão, comecemos pelo começo: o que é religião? E aqui não interessa
saber o que eu acho, nem o que você acha. Precisamos encontrar a definição culta e precisa da palavra, livre do que sugerem as imaginações particulares. Façamos então o mais simples e certo: consultemos o léxico. Nem o que você pensa nem o que eu suponho, mas sim o que este vocábulo realmente quer dizer em nosso idioma. Pois bem; no Michaelis, constam as seguintes definições para "religião": "Serviço ou culto a Deus; sentimento consciente de dependência ou submissão que liga a criatura humana ao Criador; culto externo ou interno prestado à divindade; Fé; Prática dos preceitos divinos ou revelados".
 
Ao reproduzir acima o texto do dicionário, quis destacar em negrito as assertivas mais importantes. Acabei por notar, porém, que a definição inteira é vital! Cada sinônimo dado à palavra ajuda sobremaneira a esclarecê
-la, e torna bem clara a sua compreensão. Em nosso idioma, religião simplesmente é:

 • O culto a Deus, seja externo (que se presta por meio dos nossos atos, das posturas que adotamos perante a vida, das nossas obras de caridade) ou interno (em nossa fé mais profunda, nossa espiritualidade, nossa devoção e santo amor a Deus e ao nosso próximo);

• O sentimento de dependência que nos liga ao Criador; em outras palavras, é reconhecer nossa pequenez, humildade e insuficiência diante da infinitude, supremacia e onipotência divinas, – o que significa, simplesmente, adoração;

• A fé. – Note-se bem que, na língua culta, fé e religião são sinônimos. Ter fé é ter religião, e quem não tem religião não tem fé. Mesmo que não se integre uma instituição religiosa ou se adote determinada doutrina formal, professar a fé em Deus já é uma forma de confissão religiosa;

• A prática dos preceitos divinos ou revelados. Em outras palavras: quem pratica a Vontade de Deus pratica a verdadeira religião.

Mais simples e mais certo do que isto, impossível. A confusão só pode partir de quem não procura realmente conhecer a verdade, ou de alguém que antepõe outros interesses pessoais ao desejo sincero de saber o que é verdadeiro e o que não é. O fato é que, se estamos falando de cristianismo, sim, Deus criou religião, e a verdadeira religião é fundamental para que nos aproximemos dEle.

 A origem da palavra

O vocábulo "religião", no sentido original, deriva do latim religio, religionis, que quer dizer “culto, prática religiosa, cerimônia, lei divina, santidade”. Existe alguma controvérsia quanto à etimologia da palavra, no sentido de se definir de qual verbo esse substantivo seria a forma nominal: se de religare ou de religere, – mas essa definição não é tão importante, já que os significados de um e de outro são muito próximos, e o sentido que para nós interessa permanece o mesmo.

Religare significa “religação": quer dizer "religar, reatar, ligar bem e justamente”1. A tese de que a palava deriva do religare vem desde Lactâncio (séc III/IV dC). No caso que ora estudamos, religare quer dizer religar ao Divino, a Deus. – O ser humano, por seu egoísmo, ignorância, fraquezas, apegos e desejos desordenados (pecado) encontra-se separado, desligado de seu Criador. Religião, assim, é o ato ou a prática de se retomar essa ligação perdida, sendo que, no contexto do cristianismo, Jesus veio nos trazer exatamente isto.

Na outra versão, a forma derivaria de relegere, que quer dizer “retornar, reler, rever, reaver, revisitar, retomar o que estava largado ou perdido”1. O filósofo Cícero (De Natura Deorum, de 45 aC), defendeu esta etimologia. Nesse caso, para os cristãos, religião se referiria ao ato de reler sempre a Palavra ou Verbo de Deus, ou, mais profundamente, de retornar incessantemente ao Caminho, que para nós, cristãos, é Cristo; ou, ainda, retomar nossa ligação (novamente) original com Deus. Religião, assim, é retomar a dimensão espiritual da vida, da qual as preocupações e cuidados mundanos tendem a nos afastar.

Agora, tendo compreendido bem do que exatamente estamos falando, retomamos o raciocínio abaixo, que assim poderemos perceber, com toda a clareza, é absolutamente desprovido de sentido:

 “E a prova de que a religião não salva ninguém é Jesus Cristo, que nasceu no meio de uma família judaica, e e sendo judeu, por tradição familiar, Jesus nos ensinou que o caminho da salvação está nele. O problema de católicos, protestantes, espíritas, etc, é que colocam a religião acima de Deus.”


Depois de entender o que significa religião, ao lermos a afirmação acima notamos como carece de qualquer razão: se Jesus ensinou que o Caminho da salvação está nEle, então nós precisamos ouvir o que Ele diz, seguir o que Ele ensinou, observar o seu exemplo. E fazer isso é, exatamente, praticar a religião. Então, essa separação entre Jesus e religião simplesmente não é possível. Vemos que a confusão se dá no fato de o leitor atribuir ao vocábulo "religião" um significado equivocado.
 
Vou dar alguns exemplos para ajudar a clarear ainda mais a questão: Jesus mandou a Igreja batizar aqueles que cressem e aderissem ao Evangelho. Celebrou e mandou celebrar a Eucaristia em sua memória. Mandou observar uma série de regras morais. Edificou sua Igreja sobre o Apóstolo Pedro, e conferiu aos seus Apóstolos a missão de conduzir esta mesma Igreja, dando-lhes autoridade para tanto. Mandou que confessássemos os nossos pecados, e decretou que os pecados que seus Apóstolos (e seus sucessores, evidentemente) não perdoassem, não seriam perdoados por Deus Pai. Pois bem, são exatamente estas e outras coisas semelhantes que a Igreja faz e ensina a fazer, obedecendo ao que ensinou Jesus Cristo. A todo este conjunto de coisas é que chamamos religião. Continuemos analisando o absurdo abaixo:

"se estudassem um pouco de história, descobririam que ela na verdade foi fundada pelo imperador romano Constantino, que queria apenas o poder, já que não conseguiu destruir os seguidores de Cristo, "juntou-se" a eles, com o único objetivo de ganhar poder..."

O que a História mostra, de fato, é que Constantino revogou a proibição do culto cristão no Império romano, através do Édito de Milão. Aliás, no tempo de Constantino, o Papa era Melcíades, 32º Sumo Pontífice da Igreja depois de Pedro, e estes são dados históricos mais do que comprovados. Assim, não há como se afirmar que Constantino seja o fundador da Igreja, já que ele apenas deu liberdade aos cristãos, – que obviamente já existiam desde o ano I da Era Cristã, – acabando com mais de dois séculos e meio de perseguição e martírios. Trata-se de uma questão extremamente simples, fácil de compreender e impossível de se negar. É preciso um altíssimo grau de alienação da realidade para aceitar a ideia de que tenha sido um imperador romano o fundador da Igreja, a partir do século IV! Nenhuma igreja protestante histórica (mais antigas) adota esse tipo de teoria da conspiração maluca para renegar a autoridade da Igreja Católica, pois tanto seus pastores quanto seus adeptos são pessoas de melhor formação. Se quiser entender melhor essa questão, por favor, leia
aqui, pois nós já esclarecemos este assunto, em detalhes.

Aliás, o pensamento mesmo se contradiz, afirmando que Constantino, não conseguindo vencer os cristãos, juntou-se a eles. Ora, mas não foi ele quem inventou a Igreja? Se ele se juntou à Igreja para ganhar poder, como você diz, então você admite que a Igreja já existia antes dele (?!).

Imagens na Igreja, mais uma vez...

Com relação à adoração de imagens, a Bíblia é bem clara com relação a isso, e mostra que Deus não admite adoração às imagens...

E aí vem você, depois de uma centena de ditos “evangélicos”, gritar mais uma vez que nós, católicos, "adoramos" imagens, e que imagem na Igreja é sinônimo de idolatria... Bem, nós já respondemos a essas acusações uma centena de vezes, também. Mas a paciência é uma grande virtude, na qual, eu confesso, sou falho. Logo, tentarei exercitá-la. Aí vamos nós...

Bíblia diz que Deus mesmo ordena a confecção de imagens, em diversas situações: manda esculpir e colocar querubins sobre a Arca da Aliança, o objeto mais sagrado do Antigo Testamento. Manda Moisés esculpir uma serpente de bronze, através da qual opera a cura no povo. Manda Salomão construir seu Templo repleto de imagens, com esculturas de anjos, de bois, de leões, de querubins de duas cabeças, de seres alados, etc, etc... E veja bem, são imagens de uso cultual, relacionadas diretamente ao culto divino. Está tudo na Bíblia!

Então, vou explicar de novo: idolatria não é usar imagem no culto; isso sempre aconteceu, desde o tempo de Moisés: o problema estava nas imagens dos ídolos, as imagens dos deuses pagãos. Idolatria seria adorar uma imagem como se fosse Deus ou um deus. Isso é tão óbvio! Você acha mesmo que nós, católicos, somos tão ignorantes a ponto de achar que imagens de gesso são deuses? Sabe, eu não acredito que você realmente pense isso. Acho que você só teve uma formação equivocada. Acho que você teve a cabeça feita por algum falso profeta que chamam de "pastor", e perdeu a capacidade de pensar por si mesmo. Se você tiver humildade suficiente para aprender coisas novas, leia
aqui o que já publicamos sobre esse tema tão manjado. Se quiser aprofundar, há ainda mais aqui.
 
Contestações "evangélicas": as mesmas de sempre

Quanto ao resto de sua objeções protestante, perdoe-me, mas é o mesmo blablabla de sempre: pedir aos santos, "adorar" Maria...

Para nós, católicos, os santos são nossos irmãos do Céu, como diz a Bíblia: “Aqui (no Céu) está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os Mandamentos de Deus e a Fé em Jesus” (Ap 14, 12), e a Igreja Católica nunca, jamais ensinou ninguém a "adorar" Maria ou qualquer dos santos. Se você me mostrar onde o Catecismo católico ou qualquer documento de qualquer Papa diz que devemos adorar Maria ou outro santo, eu lhe dou razão.

Você tem razão: não há motivo para "endeusar" a Virgem Maria, – pois cremos em um só Deus em Três Pessoas, – mas há motivos de sobra para honrá-la, amá-la e venerá-la: ela e somente ela abrigou Deus em seu ventre por nove meses, deu-lhe à luz, protegeu-o quando Ele se fez, por amor a cada um de nós, um bebê indefeso. O Sangue salvador que fluiu no Corpo do Cristo, e que foi derramado na cruz, é o mesmo Sangue que corria nas veias de Maria. Sim, porque Deus se fez homem por meio de Maria, foi de sua natureza humana que o Senhor fez seu próprio Corpo. Você já pensou nisso?

Você diz ainda que Maria não pode ser mãe de Deus, e eu lhe pergunto: Jesus é Deus? E quem é a mãe de Jesus? Está difícil demais acompanhar este raciocínio elementar?

Além de tudo, meus irmãos protestates, – cúmulo dos cúmulos, – me parece que vocês se veem como mais "sábios" do que o próprio Espírito Santo! Por quê? Bem, você diz que não podemos chamar Maria mãe de Deus, mas o Santo Espírito, que é DEUS, assim proclamou Maria, por meio de Isabel, como vemos no Evangelho segundo S. Lucas (1, 39-45): “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha me visitar?"... – Sim, a Escritura afirma objetivamente que Isabel deu a Maria esse título por estar cheia do Espírito Santo (Lc 1, 41).

Por fim, sobre essa pequena coletânea de sofismas que você postou ao final do seu comentário, sobre a Igreja ter sido uma grande vilã da História, só posso lhe deixar uma dica de ouro: estude, estude e estude, e estude com interesse isento, imparcialmente. Não queira comprovar esta ou aquela opinião, mas busque antes e acima de tudo a verdade. Ao final deste post, deixo uma pequena lista de bons livros sobre o assunto, de bons autores, isentos, respeitados. São obras acadêmicas e outras de leitura mais fácil, mas todas para quem quer realmente aprender, e não se deixar afundar no poço sem fundo do preconceito e da alienação.

Para adiantar outros possíveis (e previsíveis) futuros questionamentos seus, deixo
aqui uma lista com as principais contestações "evangélicas" já respondidas neste site, assim fica mais fácil.

Finalizando, observo mais uma vez que é muito engraçado que você, que critica a religião, venha defender ferrenhamente uma religião específica, a religião do livro, a religião dos "evangélicos". Todas as afirmações que você fez, como já disse, evidentemente saíram da boca de algum "pastor" e se instalaram na sua mente, travestidas de verdades absolutas! Você comprou a religião do "pastor", e pior: ainda acha que não tem religião...

Deus os abençoe e lhes conceda discernimento, é o que peço em minhas orações.

 
Por: Henrique Sebastião
http://www.ofielcatolico.com.br/2001/05/jesus-e-religiao.html

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1. BIANCHI, Ugo. The Notion of "Religion" in Comparative Research. Roma: L'erma di Bretschneider, 1994, p. 63-73.
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Bibliografia recomendada:
• GONZAGA, João Bernardino G. A Inquisição em seu Mundo. São Paulo: Saraiva, 1993.• PERNOUD, Régine. Luz Sobre a Idade Média. Sintra: Europa-América, 1981.

HEERS, Jacques. A Idade Média: uma Impostura. Lisboa: Asa, 1994.• GIMPEL, Jean. A Revolução Industrial da Idade Média. Sintra: Europa-América, 2001.

• WOODS Jr. Thomas E. Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental, São Paulo: Quadrante, 2008.

• CAMMILIERI, Rino. La Vera Storia dell´Inquisizione, Piemme: Casale Monferrato, 2001.

• AYLLÓN, Fernando. El Tribunal de la Inquisición; De la leyenda a la historia. Lima, Fondo Editorial Del Congreso Del Perú, 1997.

• WALSH, William T. Personajes de la Inquisición. Madrid, Espasa-Calpe, S. A., 1963.

• FALBEL, Nachman. Heresias Medievais. São Paulo: Perspectiva S. A., 1977.

• Revista História Viva nº 32, especial Grandes Temas / "A Redescoberta da Idade Média", São Paulo: Duetto março/2011, p. 52.

A missa: Gestos, Símbolos e Sinais.


Estudando a Liturgia da Missa

 
DESDE OS primeiros séculos, os cristãos sentiram a necessidade de expressar seus louvores a Deus através de gestos, símbolos e sinais, que fossem também compreensíveis a todas as pessoas. Assim, com o passar dos séculos, a Liturgia da Missa se desenvolveu e se enriqueceu. Para aproveitar as inúmeras graças concedidas durante a Santa Missa, todo fiel deve tentar conhecê-la melhor e não simplesmente repetir o que os outros fazem ou dizem, sem saber o porquê. A Missa compreendida pode ser mais amada, e muito bem amada! No entanto, ninguém ama aquilo que não conhece e, dessa forma, acaba por não se beneficiar tanto quanto poderia.

Gestos, Símbolos e Sinais
Assim como toda a nossa vida, também a Missa é formada por gestos, símbolos e sinais. São meios humanos para expressar a adoração, a reparação, o agradecimento e as súplicas que podemos elevar a Deus, além de nossas intenções pessoais. Obviamente, tudo isso possui significado específico dentro da Missa, que deve ser celebrada e assistida de maneira lúcida e não de qualquer modo; em caso contrário, perdem o seu imenso, tremendo valor. Quando fazemos algo sem saber o seu significado e o seu motivo, que valor poderá ter para Aquele a quem é dirigido? Portanto, toda Liturgia é formada por estes três elementos: Sinal, Símbolo e Gesto.

Gestos – Os gestos são movimentos que fazemos com nossos braços, mãos, pés, cabeça, etc., ou, ainda, com todo o nosso corpo, e que também possuem significados. Na Missa, os gestos devem ser sinceros, pois são dirigidos ao Sagrado. E quando todos fazem o mesmo gesto, demonstra-se a unidade da comunidade. Unir as palmas das mãos durante a oração significa súplica e entrega a Deus; ajoelhar-se pode significar adoração; inclinar a fronte significa concordância; elevar as mãos pode significar louvor e/ou ação de graças. Sentar-se com o tronco ereto e o corpo voltado para o Altar significa atenção.
 
Símbolos – O símbolo, ao contrário do sinal, exige um conhecimento especial prévio. Pode não representar nada para as pessoas que não convivem num determinado meio ou não pertencem a certo ambiente. Os primeiros cristãos desenhavam cruzes e peixes nas catacumbas onde se escondiam da perseguição romana. Por que peixes? Porque a palavra "peixe", em grego (IXTUS), correspondia à abreviação da expressão "Jesus Cristo Filho de Deus Salvador".
 
Sinais – Sinal é o que nos faz lembrar ou que representa algo, seja um fato ou um fenômeno, presente, passado ou futuro. Para deixar um exemplo vulgar, quando colocamos galhos ou ramos de árvores em uma curva na estrada, alertamos aos outros carros que pode haver um acidente ou veículo parado na estrada, logo após a curva. Podemos dizer que o sinal ou figura é sempre menor que o seu significado. Um outro e melhor exemplo de sinal, dentro do ambiente cristão, é o uso da vela: a chama de uma vela acesa pode significar a Luz Divina ou claridade da vida eterna, que nunca se acaba. Observe que ambos os exemplos, mundano e sagrado, são do conhecimento universal.

Quando se evoca a Presença Real de Jesus Cristo na Comunhão Eucarística, é importantíssimo que você compreenda a maravilha e a magnitude do que ocorre naquele momento: o Apóstolo São Paulo diz que quem se aproxima indignamente da sagrada Mesa, come e bebe sua própria condenação (1Cor 11, 28-29). É difícil ser mais severo do que isso, e com toda a justiça! Quando o Corpo e o Sangue de Cristo forem elevados pelo sacerdote, adore e agradeça. Aproxime-se da Sagrada Eucaristia com reverência: é Deus mesmo que você vai receber!

Antes e acima de tudo, lembre-se: você deve assistir à Santa Missa com gratidão e alegria no coração; com devoção, profundo amor e reverência. Você está participando da Renovação do Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo para a sua salvação e de toda a humanidade. Nunca se esqueça do quão importante é isto.


Fonte: http://www.ofielcatolico.com.br/2001/05/sinais-gestos-e-simbolos-da-santa-missa.html.

A Docilidade ao Espírito Santo.

Por: Pe Paulo Ricardo (https://padrepauloricardo.org/)

Quando está em estado de graça, uma alma possui dentro de si as virtudes infusas – que são as teologais, , esperança e caridade, e as morais, prudência, justiça, fortaleza e temperança – e os dons do Espírito Santo. As primeiras são como os remos de um barco; as segundas, como as velas. Enquanto, nas virtudes, é a alma quem age e a graça de Deus que coopera, nos dons, é a graça de Deus que opera, restando à alma simplesmente ser dócil à Sua ação.

Tome-se como exemplo a oração. Quando alguém, no cumprimento de seus deveres espirituais, reza o Terço, a Liturgia das Horas ou participa de uma adoração ao Santíssimo Sacramento, está agindo por sua própria determinação. É claro que a graça divina também contribui nesse processo, mas é bem visível a importância da ação humana para levá-lo a cabo. Trata-se de uma virtude. Só que acontece, às vezes, de a pessoa estar no meio de um trabalho e vir-lhe uma inspiração para rezar, sem que a iniciativa seja sua. Se ela é dócil, começa então a rezar. Aqui, o Espírito Santo sopra, restando à alma tão somente dispor as velas de seu coração. Trata-se da ação nos dons do Espírito Santo.

Mas, por que tantos veem tão pouco a ação do Espírito Santo em suas vidas? Atente-se à resposta do padre Reginald Garrigou-Lagrange:

“Como é possível que muitas pessoas, depois de ter vivido quarenta ou cinquenta anos em estado de graça e recebido com frequência a santa comunhão, quase não deem sinal da presença dos dons do Espírito Santo em sua conduta e em seus atos, se irritem por qualquer besteira, e levem uma vida completamente fora do sobrenatural? Tudo isto provém dos pecados veniais que com frequência cometem sem nenhuma preocupação; estas faltas e as inclinações que daí derivam tornam estas almas inclinadas à terra e mantêm como que atados os dons do Divino Espírito, assim como asas que não se podem abrir. Tais almas não guardam nenhum recolhimento; nem estão atentas às inspirações do Espírito Santo, que passam inadvertidas; por isso permanecem na escuridão, não das coisas sobrenaturais e da vida íntima de Deus, mas na escuridão inferior que se enraíza na matéria, nas paixões desordenadas, no pecado e no erro; aí está a explicação de sua inércia espiritual.”

“A estas almas se dirigem as palavras do salmista: Hodie si vocem eius audieritis, nolite obdurare corda vestra – Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: Não fecheis os vossos corações (Sl 94, 8).” [1]

“Tudo isto provém dos pecados veniais que com frequência cometem sem nenhuma preocupação”. Os maus hábitos de fazer gracejos indecentes, zombar dos defeitos alheios e outras faltas que se cometem deliberadamente são “linhas” que nos mantêm atados ao mundo, impedindo o nosso progresso na vida espiritual e a abertura do nosso coração ao Espírito Santo. Para que os Seus dons se manifestem em nós, é necessário combater esses “pecados de estimação”, que mantêm as nossas asas presas e nos impedem de alçar altos voos.

“Tais almas não guardam nenhum recolhimento”. Influenciados pelo pentecostalismo e por um sentimentalismo modernista, muitas pessoas pensam que serão dóceis ao Espírito se sentirem muitas coisas ou se fizerem muito barulho durante a oração. O conselho de Jesus para bem rezarmos é muito diferente disso. Ele diz: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai que está no escondido” [2]. Devemos ter em nosso coração uma cela, uma câmara secreta, na qual possamos entrar e nos deter diante de Jesus. Quando exercitamos isso, somos capazes de fazer silêncio interior até mesmo no meio das agitações do dia a dia.

Na sequência de sua obra, o padre Garrigou-Lagrange explica como podemos fazer para ouvir a voz do Espírito Santo:


“Para ser dóceis ao Espírito Santo, é preciso primeiro ouvir sua voz. E para ouvi-la é necessário o recolhimento, o desprendimento de si próprio, a guarda do coração, a mortificação da vontade e do juízo próprio. É coisa segura que se não guardamos silêncio em nossa alma, e as vozes das afeições humanas a perturbam, não hão de chegar-nos as vozes do Mestre interior. Por isso o Senhor submete às vezes nossa sensibilidade a tão duras provas e de certo modo a crucifica: é com o fim de que acabe por submeter-se totalmente à vontade animada pela caridade.” [3]

Diante da aridez espiritual, da “noite escura dos sentidos”, muitas pessoas ficam apavoradas, pensando que está acontecendo algo de errado. Mas, não está. Trata-se de Deus “crucificando” nossa sensibilidade, a fim de tornar-nos pessoas melhores. Como diz Nosso Senhor no Evangelho, “se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só. Mas, se morre, produz muito fruto” [4].

Em seguida, são elencados alguns atos concretos para aumentar em nós a docilidade ao Espírito:


“1.º Submetendo-nos plenamente à vontade de Deus que conhecemos já pelos preceitos e conselhos conforme a nossa vocação. Façamos bom uso das coisas que já conhecemos, que o Senhor nos irá fazendo conhecer outras novas.” [5]

Se queremos saber qual a nossa vocação, para onde devemos ir, qual o nosso futuro com Deus, a primeira coisa a fazer é sermos fiel àquilo que já conhecemos. À medida que isso acontecer, “o Senhor nos irá fazer conhecer outras [coisas] novas”.

É importante destacar que não falamos dos chamados “dons carismáticos”. Existe uma diferença entre estes e os dons do Espírito Santo: os primeiros são dados para a utilidade comum; os últimos, para a santificação pessoal. Urge, então, seguirmos firme primeiro nas coisas óbvias. Caso contrário, como será possível progredirmos nos dons? Quantas comunidades e grupos de oração incentivam os dons carismáticos, mas não incentivam a santidade pessoal?

“2.º Renovando com frequência a resolução de seguir em tudo a vontade de Deus. Este propósito faz chover novas graças sobre nossa alma. Repitamos frequentemente as palavras de Jesus: ‘O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou’ (Jo 4, 34).”

“3.º Pedindo sem cessar ao Divino Espírito luz e forças para cumprir a vontade de Deus. Também é muito conveniente consagrar-se ao Espírito Santo, quando se sente inclinado a Ele, a fim de pôr nossa alma debaixo de sua guia e direção. Para isso vamos dizer-lhe esta oração: ‘Ó Santo Espírito, Espírito divino de luz e amor, eu vos consagro minha Inteligência, minha vontade, meu coração e todo o meu ser, seja no tempo, seja na eternidade. Que minha inteligência seja sempre dócil às vossas celestiais inspirações e aos ensinamentos da santa Igreja católica da qual sois guia infalível; que o meu coração viva sempre inflamado com o amor de Deus e do próximo; que minha vontade esteja sempre conformada à vontade divina e que toda a minha vida seja fiel imitação da vida e das virtudes de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, ao qual, com o Pai e convosco, ó divino Espírito, sejam dadas honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém.’” [6]

Quem é consagrado à Virgem Santíssima também pode fazer essa consagração. “O cristão que se consagrou a Maria medianeira, por exemplo segundo a fórmula do Beato Grignion de Montfort, e logo ao Sagrado Coração, encontrará tesouros indubitáveis na consagração ao Espírito Santo. Toda a influência de Maria nos conduz à maior intimidade com Cristo, e a humanidade do Salvador nos leva ao Espírito Santo, que nos introduz no mistério da adorável Trindade” [7].

Por fim, é importante destacar as formas de receber indulgências nesta festa de Pentecostes. A quem, em condições habituais – i. e., em estado de graça, tendo recebido a Comunhão e rezado nas intenções do Santo Padre –, recitar devotamente o hino Veni Creátor, é concedida indulgência parcial. Mas, nos dias 1º de Janeiro e na Solenidade de Pentecostes, é concedida indulgência plenária a quem recitá-lo publicamente. Vale lembrar que para receber as indulgências da Igreja, é preciso desapegar-se todo pecado, mesmo que venial. Eis uma grande ocasião para cortamos de vez esses pecados que tanto impedem a manifestação dos dons do Espírito Santo em nossas vidas.


Bibliografia para estudo

O Espírito Santo na vida cristã, Padre A. Gardeil O.P.
Las Tres Edades de la Vida Interior, Padre Reginald Garrigou-Lagrange
Las Tres Edades de la Vida Interior, Padre Reginald Garrigou-Lagrange, Tomo II, em PDF
El Gran Desconocido, Padre Royo Marín
El Gran Desconocido, Padre Royo Marín, em PDF
Suma Teológica, I-II, q. 68-70

Referências

  1. Las Tres Idades de La Vida Interior, II, 3, 22. Arquivo em PDF, p. 261
  2. Mt 6, 6
  3. Las Tres Idades de La Vida Interior, II, 3, 22. Arquivo em PDF, p. 262
  4. Jo 12, 24
  5. Las Tres Idades de La Vida Interior, II, 3, 22. Arquivo em PDF, p. 263
  6. Ibidem. Esta consagração ao Espírito Santo foi enriquecida com indulgência parcial pelo Papa São Pio X.
  7. Las Tres Idades de La Vida Interior, II, 3, 22. Arquivo em PDF, p. 264
Fonte: https://padrepauloricardo.org/

O desafio da missão de ser discípulo.

Por Dom Henrique.

Jr 20,10-13
Sl 68
Rm 5,12-15
Mt 10,26-33

O Evangelho que escutamos neste Domingo é parte do capítulo décimo do Evangelho de São Mateus, que traz o Discurso Apostólico de Jesus: aí, ele chama os Doze, previne Seus discípulos para as incompreensões e perseguições que sofrerão, exorta-os a não terem medo de falar, afirma claramente que Ele mesmo, Cristo, é causa de divisão e, finalmente, renova o convite para segui-Lo. Então, estejamos atentos, pois o Senhor nos está falando dos desafios próprios da missão de ser cristão, ontem como hoje!

Claramente, o Senhor nos previne sobre as dificuldades e perseguições: “Não existe discípulo superior ao mestre, nem servo superior ao Seu Senhor. Se chamaram Beelzebu ao chefe da casa, quanto mais chamarão assim seus familiares” (Mt 10,24s). Estamos vivendo hoje, neste início de terceiro milênio, a verdade dessas palavras de Jesus!
Basta que recordemos as terríveis censuras à Igreja por suas posições o campo da moral sexual e da bioética... Num mundo que não aceita mais Deus e a religião – a não ser no âmbito da vida privada, sem nenhuma importância para a sociedade -, anunciar o Cristo e Suas exigências virou um crime insuportável para a sociedade neopagã! Quantos de nós, cristãos temos medo de dizer claramente a verdade do Evangelho! Quantas vezes nosso critério de ação é o politicamente correto e não mais a verdade de Cristo! Ai de nós se buscarmos o aplauso do mundo, a compreensão do mundo, os critérios do mundo!

Atentos, que a ordem que o Senhor nos dá é clara: “O que vos digo na escuridão, dizei-o à luz do dia; o que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados!” A Igreja e cada cristão não podemos calar a novidade e a vida que encontramos em Cristo, não podemos passar por alto as exigências do amor ao Senhor!


E o sofrimento? E as incompreensões? Fazem parte do anúncio do Evangelho! São Paulo claramente afirmava aos Gálatas: “Se eu quisesse agradar agradar aos homens não seria servo de Cristo” (1,10). Seria trair o nosso Senhor esconder, mascarar as exigências do Evangelho em nome de um falso diálogo com o mundo, de uma falsa misericórdia e de uma falsa compreensão do homem de hoje.

Somente Cristo liberta de verdade o ser humano – o Cristo inteiro, pregado integralmente, com todas as consequências do Seu Evangelho! Qualquer um que deseje fiel a Deus experimentará a incompreensão e a solidão. Recordemos, na primeira leitura, a queixa do Profeta Jeremias, as calúnias por ele sofridas. Ora, a Igreja não pode fugir desse destino; o cristão – eu, você – não podemos fugir desse compromisso com Cristo!

Aliás, o século XX, há década e meia terminado, foi o século que mais matou cristãos, que mais os perseguiu e exterminou; e o século XXI vai caminhando na mesmo trilho. Só que os meios de comunicação e os governos politicamente corretos mudam e disfarçam a expressão “perseguição religiosa” com a mentira açucarada chamada “choque de culturas”. Não! É perseguição por causa do Evangelho, perseguição por amor a Cristo, perseguição que gera mártires! Também nós, estejamos prontos e nos acostumemos aos ataques contra a Igreja, que visam desmoralizar o cristianismo: na imprensa, muitas vezes, nas universidades, na opinião pública em geral...

Como responder a essa dolorosa realidade? Certamente, com uma atitude de fé, colocando-se nas mãos do Senhor, como Jesus colocou-Se nas mãos do Pai: “Ó Senhor, que provas o homem justo e vês os sentimentos do coração... eu Te declarei a minha causa!” Não irá se sustentar na fé quem não cravar os olhos e o coração no Senhor crucificado por nós, quem não estiver disposto a participar do mistério de Sua Cruz!


As perseguições de hoje dão-nos a chance de testemunhar nosso amor ao Senhor e escutar aquelas comoventes palavras Suas aos discípulos: “Fostes vós que permanecestes Comigo em todas as Minhas tentações” (Lc 22,31). O que não podemos, caríssimos, é nos acovardar, negociar com um mundo que refuta Jesus: “Todo aquele que Me negar diante dos homens, também Eu o negarei diante do Meu Pai que está nos céus!” Também não podemos pagar o mal com o mal, violência com violência, calúnia com calúnia, mentira com mentira! Não devemos nunca nos deixar vencer pelo mal: Cristo sofreu por vós, deixando-vos um exemplo, a fim de que sigais Seus passos. Quando injuriado, não revidava; ao sofrer, não ameaçava; antes, punha a Sua causa nas mãos Daquele que julga com justiça” (1Pd 1,21.23). A Igreja – e nós somos Igreja – não deve se calar ante os inimigos do Evangelho! Com paciência, firmeza, coragem e amor à verdade deve fazer ouvir sua voz, quer agrada quer desagrade, quer aceitem quer não!

Mas – pode alguém perguntar -, por que essas dificuldades? Por que a rejeição ao anúncio do Evangelho? Se o Evangelho é o desejo do mais profundo do coração humano, por que motivo o homem o rejeitaria?

Ouvimos São Paulo falar hoje, na segunda leitura, do mistério do pecado: “O pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte”. O Apóstolo quer dizer que toda a humanidade encontra-se numa situação de fechamento em relação ao Deus, Senhor e doador da Vida, encontra-se, portanto, numa situação de morte! “Todos pecaram!” – quão triste é a condição do coração humano; quão triste, a situação do mundo! Pecaram os judeus, desobedecendo os preceitos da Lei; pecaram os pagãos, mesmo sem terem conhecido um preceito como aquele dado a Adão ou os preceitos da Lei de Moisés! Pecamos e embotou-se o nosso entendimento, a nossa sensibilidade para as coisas de Deus! O Senhor, tanta vez, parece-nos pesado demais; as exigências do Seu amor, às vezes parecem nos oprimir. É que somos egoístas, somos fechados sobre nós mesmos! Por isso, a primeira palavra de Jesus é “convertei-vos”!

E, no entanto, ainda que dirigido a um mundo fechado no seu pecado e na sua prepotência, o anúncio de Cristo é anúncio de uma maravilhosa novidade para a humanidade: se nos primeiros homens, iniciou-se uma corrente maldita, uma cadeia de pecado, em Cristo, o novo Adão, iniciou-se a possibilidade de uma humanidade nova: “A transgressão de um só levou a multidão humana à morte, mas foi de modo bem superior que a graça de Deus, ou seja, o dom gratuito concedido através de um só homem, Jesus Cristo, se derramou em abundância sobre todos”.

Eis! Ainda que incompreendida, o anúncio que a Igreja faz é de vida e salvação para toda a humanidade! O cristianismo não é negativo, nunca dirá que o mundo está perdido, que as coisas não têm jeito! É verdade que o mundo crucificou o Senhor Jesus – e nos crucifica com Ele; mas também é verdade que o Senhor ressuscitou, venceu para a vida do mundo e estará sempre presente conosco!

Caríssimos, vivamos com coerência, com coragem, com amor a nossa fé! Não tenhamos medo, não desanimemos, não vivamos como os que não conhecem a Cristo! Não nos fechemos em nós mesmos! De esperança em esperança, vivamos e anunciemos o Senhor, certos de Sua presença e de seu amor. Ele jamais nos deixará! A Ele a glória para sempre. Amém.


Fonte: http://visaocristadomhenrique.blogspot.com.br/

Só a Igreja Católica Salva?

A resposta católica para esta pergunta, a qual ninguém é obrigado a adotar, porque cada indivíduo está obrigado a observar, antes de qualquer coisa, à sua própria consciência (e isso faz parte da própria doutrina católica), é a seguinte: não e sim; sim e não. Isso mesmo. Por isso é que eu lhe disse que essa questão, apesar de no fundo ser simples, é de complexa explicação. Vou tentar esclarecer em poucas palavras:

1. Imagine um índio, que nasceu e viveu toda sua vida numa tribo totalmente isolada, que nunca teve contato com a civilização. Ele nunca ouviu falar em Jesus Cristo, nem na Igreja, nem na Escritura, nem em Batismo ou em qualquer outro Sacramento. Será que ele está condenado ao inferno, por não pertencer à Igreja? O que a doutrina católica diz é que este homem não será condenado por sua ignorância e nem por não pertencer à Igreja, – não haveria como ser diferente. – Este homem, então, será julgado por sua boa ou má vontade, pela sua disposição interior. Ele poderá, sim, ser salvo, por meios que só Deus conhece. Ponto.

Até aqui, sem dificuldades; demonstramos uma face da questão. Mas há um porém muito importante. A outra face da mesma questão é que, enquanto cristãos, nós cremos que mesmo aquela pessoa, que nunca ouviu falar em Jesus ou em sua Igreja, se for salvo, será mediante o Sacrifício de Nosso Senhor, ainda que, por assim dizer, de modo indireto. Por quê? Porque foi o Cristo e exclusivamente o Cristo quem possibilitou esta religação a Deus, esta remissão, este resgate da alma humana, ferida pelo Pecado original, para retornar à Casa do Pai, à Comunhão com seu Criador.

A esta situação muito específica, das pessoas que não tiveram a possibilidade de conhecer a Igreja, a Teologia chama “ignorância invencível”. Como o próprio nome diz, é um desconhecimento a respeito dos meios que propiciam a salvação, que o indivíduo simplesmente não tem condições de superar. Em certos casos (embora aqui estejamos tratando de uma questão muito delicada, com desdobramentos muito próprios e que precisaria de uma análise bem mais apurada), poderíamos aplicar esta mesma condição a uma série de outros casos, como o das pessoas que foram induzidas desde a infância a crer em falsas doutrinas, e o dos simplórios, que por sua incapacidade intelectual não conseguem discernir o certo e o errado, e outros ainda.

Claro até aqui? Cremos que, para alguém que se define como cristão, não é tão complicado aceitar que todo aquele que chega a se salvar, é sempre por meio do Sacrifício Redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo. Muito bem, vamos então ao segundo ponto:

2. A grande dificuldade está no ato de diferenciar o Cristo e sua Igreja. Assim, se eu digo que a salvação só é possível por Jesus Cristo, você por certo concordará comigo. O problema é quando não identifica Cristo à sua Igreja. Para alguns, basta ler a Bíblia, interpretá-la de modo particular, ouvir uma pregação aqui, fazer suas orações ali, e pronto: você já se considera cristão e membro do Corpo de Cristo. Nós católicos, não entendemos assim. Nós cremos, muito concretamente, que a Igreja é a continuidade histórica do Mistério da Encarnação de Jesus Cristo no mundo. Falando de modo mais simples, a Igreja é a continuação de Jesus Cristo no mundo. Jesus está no Céu, mas continua no mundo, em sua Igreja.

Deus tomou forma humana e veio nos salvar. Por isso, – atenção, – não é pela pregação, por mais bela que seja, que somos salvos. Também não é por meio de alguma "fórmula mágica" que Jesus ensinou, ou algum poder especial que Ele nos dá. Não. A salvação se dá pela Pessoa de Jesus Cristo, Deus Filho, Senhor, Redentor e Salvador nosso. Sendo assim, nós, católicos, não cremos que toda religião salva, que toda religião é igual, porque no fundo todas querem a mesma coisa e blábláblá, como dizem por aí. O homem não é capaz de alcançar Deus por seus próprios esforços. E, no entanto, é isso que todas as outras religiões representam: o esforço humano para alcançar Deus. Essa tentativa vem desde a Torre de Babel, quando os homens (metaforicamente ou não) tentaram erguer uma torre alta o suficiente para alcançar o Céu, onde imaginavam que Deus habitava. E desde aqueles tempos antiquíssimos, o homem não aprendeu a lição: ele ainda acha que pode chegar a Deus por seus esforços, seja estudando muito, conversando com "espíritos" ou lendo e interpretando a Sagrada Escritura por conta própria. Mas tudo isso é inútil! Só Jesus salva! E este mesmo Jesus nos deixou sua Igreja, una e indivisível, que é seu próprio Corpo, sendo Ele mesmo a Cabeça, para a nossa salvação.
Pacino Di Bonaguida – "A Árvore da Vida"

Mas, muita atenção, estamos falando de uma Igreja, e não de "muitas igrejas", cada qual seguindo as diferentes interpretações particulares que os seus "pastores" e "pastoras" fazem da Escritura, cada qual ensinando uma doutrina diferente da outra. O Espírito Santo não se contradiz a si mesmo, então, como poderia estar em todas as "igrejas", se umas creem em coisas completamente diferentes das outras? Umas ensinam que o batismo é necessário para a salvação, outras ensinam o contrário; umas admitem o batismo de crianças, outras dizem que isso é heresia; umas admitem o divórcio, outras dizem que Deus não o admite; umas guardam o sábado, outras não; umas são adeptas das orações barulhentas, com altos berros e pesados instrumentos musicais em seus louvores, outras dizem que isso é contra a Escritura, que prescreve que tudo no culto a Deus deve ser feito com ordem e decência (1 Cor 14.40). – E já que você se declara batista, veja
neste link do que estou falando, ou então neste, ou em qualquer um destes. Estas são algumas opiniões das outras "igrejas" sobre os batistas. E se consultarmos os próprios batistas, estes terão também severas críticas a fazer às outras denominações... – Neste ponto, então, eu é que lhe faço uma pergunta: como é que Deus poderia estar em todas as diferentes "igrejas", se umas contrariam as outras, se cada uma tem a sua própria doutrina, e umas consideram outras como heréticas?

Esse desencontro entre denominações protestantes ou ditas "evangélicas" sempre aconteceu, acontece e vai continuar acontecendo, porque todas elas caem no mesmo erro primordial, que é observar como única regra de fé e prática a Escritura. – Porque a Bíblia, mesmo sendo o livro sagrado dos cristãos, assim como todo livro depende da interpretação que fazemos dele. Por isso é que a própria Escritura, em passagem alguma, se coloca como única e exclusiva regra dos cristãos, mas elege a Igreja como “a Casa do Deus Vivo” e “a coluna e o sustentáculo da Verdade” (1Tm 3,15). Por isso é que Jesus jamais nos orientou a observar exclusivamente a Bíblia, mas disse claramente que não adianta apenas examinar as Escrituras para se chegar a Ele (João 5,39-40). E é por isso que o Senhor deu autoridade a Pedro e aos outros Apóstolos, conferindo-lhes até mesmo o poder para perdoar ou reter os pecados dos homens. 

Retomando nosso raciocínio central, nós sabemos e entendemos que só Jesus salva, e por quê? Porque somente Ele é Deus, que se fez homem e uniu, nEle mesmo, a humanidade a Deus. Ele é a Ponte entre Deus e os homens, porque Ele é a um só tempo as duas coisas: em uma Pessoa, estão a divindade e a humanidade. Assim, só há um modo de o homem ser salvo, que é morrer e nascer novamente em Cristo, e viver em Cristo, ser em Cristo, comungar com Cristo, ser parte do Corpo de Cristo... Que é a Igreja!

Ora, a Igreja é o próprio Corpo de Cristo! Quando S. Paulo Apóstolo teve a visão do Senhor, ouviu a sua voz, que lhe dizia “Por que me persegues?”. – Mas a quem Paulo estava perseguindo? A Jesus? Sim! Mas como isso seria possível, se Jesus já havia sido crucificado e morto, se já estava no Céu, à Direita do Pai, em Glória inacessível? Como Paulo podia perseguir Jesus? Ele podia fazê-lo porque Jesus, mesmo estando no Céu, estava ao mesmo tempo aqui na Terra: Paulo perseguia a Igreja, o Corpo do Senhor, cuja Cabeça é Ele próprio; Igreja que á a continuidade de Cristo no mundo. Por isso, ao perseguir a Igreja, Paulo perseguia o próprio Jesus. Por isso, o Senhor não lhe disse: “Por que persegues os meus servos?”, ou “Por que persegues os meus seguidores?”. Não. O Senhor diz: “Porque ME persegues?”. Perseguir a Igreja é perseguir Jesus, porque a Igreja É Jesus.

Sendo assim, não se trata de frequentar a “igreja” batista, calvinista, luterana, universal, mundial, adventista, quadrangular, renovada, etc, etc, etc... Trata-se de pertencer à única Igreja que foi instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Maria virgem, Filho de Deus e Deus, Senhor e Salvador de todos.

Você participa dos cultos na “igreja” batista, ouve as pregações do pastor, estuda a Bíblia por lá, e se sente bem, acolhido? Sinto muito, mas a "sua igreja" foi fundada por John Smyth, em 1604, na Holanda, que já começou errado: estudando a Sagrada Escritura por conta própria, sendo que a própria Escritura diz que, antes de tudo, devemos saber que “nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular” (2Pd 1,20). E qual será a Igreja chamada pela própria Escritura de "Noiva do Senhor" (Ap 21,9), "Corpo de Cristo" (1Cor 10,16), “Casa do Deus Vivo” e “coluna e o fundamento da Verdade” (1Tim 3,15)? Ora, que Igreja existia no tempo em que estas palavras foram escritas, sob a inspiração do Espírito Santo? A única, una e indivisível Igreja de Nosso Senhor, que é católica (universal), apostólica (guarda a Tradição dos Apóstolos) e hoje romana (porque sua sede primacial está em Roma).

Então, se você aceita e confessa que sem Jesus não há salvação, você está pelo menos a meio caminho de compreender porque para nós, católicos, sem a Igreja não há salvação. E que só pode haver uma Igreja, e não "muitas igrejas" que se contradizem e disputam entre si. A Igreja não é instituição humana, não é empresa, ainda que seja composta por homens, e os homens sejam sempre falhos. A Igreja é o próprio Jesus Cristo no mundo. É neste sentido, fundamentalmente, que cremos que sem a Igreja não há salvação; simplesmente porque sem Cristo não há salvação.

Finalizando, quando você diz que acha "egoísta essa linha de pensamento", eu lhe digo: se é egoísmo crer em Nosso Senhor e integrar a sua Igreja, ser membro do seu Corpo, como acabei de demonstrar, então continuarei sendo egoísta, com muita alegria, devoção e amor. E continuarei respeitando quem pensa diferente, quem não adota a mesma fé, porque é Deus mesmo quem nos dá o direito de escolher o que quisermos para as nossas vidas, o bem ou o mal, a luz ou as trevas, a vida ou a morte. Não tenho e nem posso ter a pretensão de privar alguém da dádiva divina da liberdade. Mas continuarei trabalhando para que todos entendam que respeitar não é o mesmo que abdicar da obrigação que temos, enquanto cristãos, de defender a verdade.
 
A religião certa é aquela que dá testemunho da Verdade. Nem mais, nem menos. Se eu encontro a Verdade, preciso aderir a ela, me agarrar a ela com unhas e dentes, e deixar todas as ilusões para trás. Jesus fala, numa parábola, de um homem que encontra um tesouro enterrado num determinado terreno. Então ele vai e vende tudo o que tem para comprar o terreno, e toma posse do tesouro. Há um sentido espiritual muitíssimo profundo nessa parábola: quem encontra a Verdade, que é o maior de todos os tesouros, porque conduz à vida eterna, deve se desfazer de tudo o que tem, deve se livrar de tudo, de todas as suas ilusões, mesmo aquelas que lhe são caras, que lhe dão conforto, e ficar somente com a Verdade. Todo o resto é perda de tempo.
 
O Jesus Cristo que chegou até nós pelo testemunho dos Apóstolos pregou a ressurreição, instituiu a Igreja, a Eucaristia, o Batismo no Espírito Santo, assumiu-se como o Cristo, declarou que resgataria a humanidade pelo seu Sacrifício na cruz. Foi isso o que ele trouxe, e muito mais. E tudo isso é negado pelo espiritismo. Foi exatamente por negarem todas essas coisas, – em especial a sua divindade, como fazem os espíritas, – que agiram aqueles que condenaram o Cristo.
 
"Observar o que Jesus trouxe de bom", você diz. Puxa, se você soubesse o que é a experiência de participar da Sagrada Comunhão, no Corpo e Sangue, Alma e Divindade do Cristo, Deus e SENHOR nosso... Se você soubesse o quanto isso é transformador, curativo, arrebatador! Se você pudesse compreender o que é ser verdadeiramente acolhido e libertado por Ele!.. Perdoe-me mais uma vez, mas eu preciso ser honesto: você não tem a menor ideia do que Jesus trouxe de bom! Muita atenção: estou falando do Jesus real, e não da caricatura pintada no "evangelho segundo o espiritismo".
 Os espíritas imaginam que o maior bem que Jesus fez foi ajudar os pobres, praticar a caridade, pregar o amor fraterno... Mas Buda também fez a mesma coisa, e todos esses que você citou, além de Zaratustra, Confúcio, Ramana, Mahavira, etc, etc... Todos eles falaram bonito, trouxeram belas doutrinas, arrebanharam seguidores. Mas não é nada disso que faz de Jesus o Cristo, o Filho do Deus Vivo. Jesus é completamente diferente, porque segui-lo é muito mais do que seguir uma doutrina. Segui-lo é incorporar a sua Pessoa, é nascer de novo, não numa outra encarnação, mas aqui e agora mesmo. O cristianismo não é seguir uma doutrina, é seguir uma Pessoa. Mais do que seguir, o objetivo é "tornar-se Um" com essa Pessoa, e essa Pessoa é o próprio Deus.

Destituir o cristianismo de sua essência mística para ficar só com as suas regras morais é como jogar fora a sua própria alma para ficar com uma casca oca.
 E dentro desse contexto, é muito curioso vê-lo citar Madre Teresa e São Francisco, porque eles acreditavam exatamente no mesmo que eu creio e que acabei de descrever aqui. Permita-me apresentar-lhe o verdadeiro São Francisco (não aquele personagem açucarado que tantas vezes vemos em filmes e historinhas). Escreveu ele: "Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal, da qual homem algum pode escapar. Ai dos que morrerem em pecado mortal! Felizes os que ela achar conformes à tua santíssima Vontade, porque a morte segunda (no Dia do Juízo) não lhes fará mal!"...
Você coloca lado a lado São Francisco e Maomé, como exemplos de "respeito e auxílio". Bem, assim eu vejo que você não estudou a vida Maomé, por isso não sabe que ele promoveu guerras insanas, praticava a pedofilia e reprimia com extrema violência qualquer opositor. E também vejo que você não conhece Francisco de Assis, portanto não sabe como ele foi até os muçulmanos para tentar convertê-los ou morrer mártir. S. Francisco foi até as tropas maometanas cantando os versículos do Salmo 22: “Mesmo que esteja entre as sombras da morte, nada temerei, Senhor, porque Tu estás comigo”.

Já os falsos pacifistas de hoje, contrários ao debate honesto de ideias e às polêmicas, preferindo ignorar o mal para "ficar de bem" com todo mundo, dizem inspirar-se no exemplo de São Francisco... Suprema contradição, irenismo em nome de São Francisco! Se fossem mesmo inspirados pelo seu exemplo, iriam até os inimigos de Cristo, e, como São Francisco, pregariam a eles a religião verdadeira com destemor, mostrando os erros das falsas doutrinas, assim como o grande santo denunciou Maomé diante dos maometanos.
 
Sobre Teresa de Calcutá, me faz lembrar de um episódio emblemático de sua vida, que me foi contado por um missionário: um empresário muito rico, mesmo sendo ateu, em viagem à Índia fez questão de conhecer Madre Teresa, pois tinha admiração pela sua obra. Chegando à casa das missionárias, encontrou-a suja e maltrapilha, trabalhando em meio a um mar de crianças miseráveis, muitas doentes, num quadro desolador. Viu aquela velha e frágil senhora, que poderia estar descansando e aproveitando tranquilamente seus últimos anos de vida, sacrificando-se, literalmente, pelo bem do próximo. Comovido, aproximou-se dela e declarou sua admiração. Madre Teresa foi gentil, mas não deixou de fazer o seu trabalho, alimentando uma pobre criança que não podia comer sozinha. Os dois conversaram por alguns minutos, até que e o rico empresário, notando o grande crucifixo que ela trazia pendurado ao pescoço, comentou: “Admiro muito o seu trabalho e o seu exemplo, mesmo não acreditando neste símbolo que a senhora usa”.
Ouvindo isso, Madre Teresa respondeu: “Meu filho, tudo o que eu faço, todas as coisas pelas quais você me admira, é tudo naquEle que está representado neste símbolo! Se não fosse pela minha fé e amor a Cristo Crucificado e Ressuscitado, você nem saberia que eu existo! Na verdade, não sou eu que faço, é Ele Quem faz em mim!”.

Então, o testemunho de todos os santos vai infinitamente além de uma mensagem de paz e de  tolerância. Pelo contrário, nenhum deles deixou de lutar pela verdade, quando foi preciso. E a verdade nem sempre é agradável.


Fonte: http://www.ofielcatolico.com.br/2001/06/so-os-catolicos-se-salvam-ha-ou-nao-ha.html

Uma reflexão sobre o sofrimento no mundo.

O sofrimento e o amor: dois modos de encarar a mesma dor
 
FAZ ALGUNS anos, no espaço de um mês, tomei conhecimento de dois casos muito parecidos, porém totalmente diferentes em seus efeitos: dois casos de pais que haviam perdido um filho adolescente de maneira repentina e trágica. Conversei longamente com o primeiro e, uns trinta dias mais tarde, com o outro. O primeiro afundara-se numa dor insuportável, que lhe abalou os alicerces da vida e lhe asfixiou a fé. Repetia depois, ao longo dos anos, num desabafo amargo e cheio de rancor, que a sua vida tinha perdido o sentido, que não sabia se Deus existia ou não, mas que não se importava, porque já o tinha apagado dos pensamentos e não queria saber mais dEle. Fechado na sua solidão desesperada, definhava e tornava difícil a existência dos que conviviam com ele. Sem a luz da fé, o homem fica abandonado ao turbilhão da vida, é como um cego golpeado por um mundo cruel e incompreensível, sem outra alternativa a não ser a revolta, a frieza, a resignação ou o desespero.

O segundo pai sofreu tanto como o primeiro. Perder um filho é uma das maiores dores da vida. Mas não permitiu que o sofrimento lhe vendasse os olhos nem se encapsulou na sua dor. No meio das lágrimas, fixou com força o olhar da alma em Cristo crucificado e, unido a Ele, rezou: “Pai, seja feita a vossa vontade”. Dentro do seu coração ele dizia: “Não entendo essa Tua vontade, Pai, mas eu creio em Ti, eu espero em Ti, eu Te amo acima de todas as coisas”.

No velório, ver esse pai – e a mãe igualmente, com o mesmo espírito - a rezar junto do corpo do filho, não causava constrangimento, mas comunicava uma serenidade superior a qualquer paz que se possa experimentar nesta terra, e elevava a todos para Deus, cuja presença era palpável. Era uma serenidade estranha e poderosa, misturada com uma dor muito forte, que ficava sendo um enigma para os frios e os descrentes. Era mesmo um lampejo da Sabedoria da Cruz, de que fala São Paulo (Cf. 1 Cor 1,18-25).


Entender e saber

Como este segundo pai, nós também muitas vezes não entendemos o sofrimento, e é natural. É difícil compreender a doença incurável, a incapacitação física, a ruína psicológica dos que amamos, o desastre econômico… Não entendemos, mas… sabemos, – com a certeza indestrutível da fé, - que Deus é Pai, que Deus é Amor (I Jo 4,8) e, portanto – como diz com cálido otimismo São Paulo, - nós sabemos que Deus faz concorrer todas as coisas para o bem daqueles que o amam (Rom 8,28). Faz concorrer também, e muito especialmente, os sofrimentos que Ele mesmo nos envia, ou os que Ele permite, ainda que os não queira, porque causados pela maldade dos homens.

Então, essa nossa fé – Dom precioso de Deus que não queremos extinguir, – nos permite o paradoxo inefável de sofrer e ter paz, de sofrer e manter no íntimo da alma uma misteriosa e fortíssima serenidade, uma imorredoura esperança. Assim sofreu Cristo na Cruz e assim sofreram os santos. Os que se entregam nas mãos de Deus Pai sentem que a Cruz se lhes torna doce; – uma Cruz sem Cruz, - e os inunda de uma suavidade amável. Eles escutam e escutarão sempre as palavras de Cristo, que nos diz, na hora da dor: "Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve” (Mt 11,28-30). E chegarão a exclamar, como Santa Teresa de Ávila: “Ó Senhor, o Caminho da Cruz é o que reservais aos vossos amados!”


A dor que faz amadurecer

Num conto intitulado "O Espelho", João Guimarães Rosa descreve, simbolicamente, uma experiência que os místicos cristãos conhecem em profundidade. O protagonista da estória empreende a aventura de descobrir o seu verdadeiro rosto – o seu autêntico eu – num espelho-símbolo. Tenta olhar de tal modo que depure da sua figura tudo o que é superficial, animal, passional e espúrio, e acaba não vendo nada: “Eu não tinha formas, rosto?” Prosseguindo na experiência, só “mais tarde, ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes”, quando “já amava – já aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria”, é que começou a ver-se como o esboço inicial de um menino, que emergia do vazio, isto é, viu o seu rosto verdadeiro, que começava a nascer. No final da estória, o protagonista pergunta-se: “Você chegou a existir?”...

O escritor lembra-nos, com isso, que a pessoa que não sofreu não aprendeu a amar de verdade; e que a pessoa que não aprendeu a amar, não amadureceu; pode-se dizer que ainda não está “feita”, ainda não “existe”.

Nós…, existimos? Somos aquele que deveríamos ser, aquele que Deus espera de nós? A resposta – sim ou não - dependerá quase sempre de como sabemos sofrer. Tem muita razão o poeta que diz: “As pessoas que não conhecem a dor são como igrejas sem benzer”.

Deus nos faz com o sofrimento, modela-nos como um escultor, dá-nos a qualidade de um verdadeiro homem ou mulher, de um verdadeiro filho de Deus. A Cruz – poderíamos dizer - é a grande ferramenta formativa de Deus.

Três meses antes de morrer, São Josemaria Escrivá fazia um rápido balanço da sua vida, e resumia: “Um olhar para trás… Um panorama imenso: tantas dores, tantas alegrias. E agora tudo alegrias, tudo alegrias… Porque temos a experiência de que a dor é o martelar do Artista, que quer fazer de cada um, dessa massa informe que nós somos, um crucifixo, um Cristo, o alter Christus [o outro Cristo] que temos de ser”.

Essa visão essencialmente cristã é a que lhe inspirou sempre a pregação sobre a dor, baseada na sua própria experiência de alma enamorada de Deus: “Não te queixes, se sofres", escrevia ele. "Lapida-se a pedra que se estima, que tem valor. Dói-te? – Deixa-te lapidar, com agradecimento, porque Deus te tomou nas suas Mãos como um diamante… Não se trabalha assim um pedregulho vulgar”.

Deus sempre nos faz bem por meio da Cruz, seja qual for, quando nós o “deixamos” fazer. Assim como nos salvou pela Cruz, assim também nos aperfeiçoa e nos santifica por meio da Cruz. Não exclusivamente mediante a Cruz – também nos santificam as muitas alegrias, os trabalhos que amamos, os carinhos que nos enriquecem…– mas certamente não sem ela, a Cruz.


A dor que nos purifica: sofrimento redentor

A Cruz, o sofrimento, purifica-nos. O sofrimento abre-nos os olhos para panoramas de vida maiores, mais verdadeiros e mais belos. O sofrimento ajuda-nos a escalar os cumes do Amor a Deus e do Amor ao próximo.

São inúmeras as histórias de homens e de mulheres que, sacudidos pelo sofrimento, acordaram: adquiriram uma nova visão – que antes era impedida pela vaidade, a cobiça e as futilidades - e perceberam, com olhos mais puros, que o que vale a pena de verdade na vida é Deus que nunca morre, nem trai, nem quebra; descobriram que nEle se acha o verdadeiro Amor pelo qual todos ansiamos e que nenhuma outra coisa consegue satisfazer; entenderam que o que importa são os tesouros no Céu, que nem a traça rói nem os ladrões levam (Mat 6,20). E perceberam, enfim, que os outros também sofrem, e por isso decidiram esquecer-se de si mesmos e dedicar-se a aliviá-los e ajudá-los a bem sofrer.

É uma lição encorajadora verificar que, na vida de São Paulo, as tribulações se encadeavam umas às outras, sem parar, mas nunca o abatiam. É que ele não as via como um empecilho, mas como Graças de Deus e garantia de fecundidade, de modo que podia dizer de todo o coração: "Trazemos sempre em nosso corpo os traços da morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo" (2 Cor 4,10). E ainda: "Sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo; porque quando me sinto fraco, então é que sou forte!" (2 Cor 12,10). E até mesmo, com entusiasmo: "Nós nos gloriamos das tribulações, pois sabemos que a tribulação produz a paciência; a paciência a virtude comprovada; a virtude comprovada, a esperança. E a esperança não desilude, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado". (Rom 5,3-5). É o retrato perfeito da alma que se agiganta no sofrimento, que se deixa abençoar pela Cruz.

Outro exemplo muito significativo: uma perseguição injusta por parte de seus próprios confrades arrastou São João da Cruz a um cárcere imundo. Todos os dias era chicoteado e insultado. Mal comia. Suportava frios e calores estarrecedores. Para ler um livro de orações, tinha que erguer-se nas pontas dos pés sobre um banquinho e apanhar um filete de luz que se filtrava por um buraco do teto. Pois bem, foi nesses meses de prisão, num cubículo infecto, que ganhou o perfeito desprendimento, alcançou um grau indescritível de União com Deus e compôs, inundado de paz, a Noite escura da Alma e o Cântico Espiritual, obras que são consideradas dois dos cumes mais altos da Mística Cristã. E, uma vez acabada a terrível provação, quando se referia aos seus torturadores, chamava-os, com sincero agradecimento, “os meus benfeitores”...

As histórias de mulheres e de homens santos que se elevaram na dor poderiam multiplicar-se até o infinito: mães heróicas, mártires da caridade… Daria para encher uma biblioteca só a vida dos mártires do século XX, como São Maximiliano Kolbe, que na sua Cruz – na injustiça do campo de concentração nazista, nos tormentos e na morte – achou e soube dar o Amor e a vida com alegria.

Essas almas santas estão a escrever, no dizer de João Paulo II, “um grande capítulo do Evangelho do sofrimento, que se vai desenrolando ao longo da história. Escrevem-no todos aqueles que sofrem com Cristo, unindo os próprios sofrimentos humanos ao seu sofrimento salvífico…”

"No decorrer dos séculos e das gerações, tem-se comprovado que no sofrimento se esconde uma força particular, que aproxima interiormente o homem de Cristo, uma Graça particular. A esta ficaram a dever a sua profunda conversão muitos santos como São Francisco de Assis e Santo Inácio de Loyola. O fruto de semelhante conversão é não apenas o fato de que o homem descobre o sentido salvífico do sofrimento, mas sobretudo que no sofrimento ele se torna um homem totalmente novo. Encontra como que uma maneira nova para avaliar toda a sua vida e a própria vocação. Esta descoberta constitui uma confirmação particular da grandeza espiritual que, no homem, supera o corpo de uma maneira totalmente incomparável. Quando este corpo está gravemente doente, ou mesmo completamente inutilizado, e o homem se sente como que incapaz de viver e agir, é então que se põem mais em evidência a sua maturidade interior e grandeza espiritual; e estas constituem uma lição comovedora para as pessoas sãs e normais” (Papa João Paulo II em Salvifici Doloris, n. 26).


A dor que nos chama

Mas estamos falando dos mártires, dos grandes sofrimentos de alguns santos, e não devemos esquecer que também é a Cruz, a santa Cruz, cada uma das contrariedades, dores, doenças, injustiças e mil outros padecimentos menores, que Deus envia ou permite na nossa vida diária, para nos santificar.

Vai-nos ajudar a pensar nisso uma frase incisiva de São Josemaria, comentando a passagem da Paixão de Cristo em que os soldados obrigaram Simão Cireneu a carregar a Cruz de Jesus: “Às vezes, a Cruz aparece sem a procurarmos: é Cristo que pergunta por nós”.

A maior parte das “cruzes” aparece-nos sem as termos procurado. São as moléstias físicas ou psíquicas; são os aborrecimentos que surgem no mundo do nosso trabalho; são as dificuldades e aflições econômicas, o desemprego, a insegurança… Ou então os sofrimentos que surgem no convívio habitual com a família: asperezas de caráter do marido ou da mulher, desgostos com os filhos, parentes desabusados ou intrometidos, indelicadezas, ofensas…

Todo tipo de sofrimento nos interpela. Que resposta lhe damos? Não poucas vezes, a nossa reação espontânea é a irritação, o protesto, a aflição, a tristeza, o desânimo, a queixa. Há corações que não sabem sofrer, ficam perdidos diante dos sofrimentos cotidianos, e sucumbem esmagados por “cruzes” que sentem como se fossem uma laje que os asfixia, quando Deus lhas oferece como asas para voar.

Deveriam lembrar-se do mau ladrão. Junto de Jesus crucificado, deixou-se arrastar pelo ódio à Cruz. Morreu contorcendo-se e espumando de raiva na sua cruz inútil. Pelo contrário, o bom ladrão soube descobrir na sua cruz uma escada que lhe serviu para chegar a Cristo e subir ao Céu (Cfr. Luc 23,39-43).

Não vale a pena contorcer-se e protestar. Assim, Deus não nos poderá lapidar. Sofreremos mais e inutilmente, e nenhum proveito tiraremos da dor. Qualquer sofrimento nos interpela, diremos. Também Cristo foi interpelado, na Cruz, por todo tipo de sofrimento, por cada um daqueles padecimentos com que o feriram os nossos pecados. E como respondeu? De cada ferida que recebia, brotava um ato de Amor e uma virtude. Esse é o exemplo para o qual devemos olhar.

Acusado com mentiras revoltantes, responde com mansidão. Provocado maldosamente, responde com o silêncio. A cada chicotada, a cada espinho que lhe fere a cabeça, a cada prego que lhe atravessa as mãos e os pés, responde com a paciência; a cada ofensa, responde com o perdão; a cada escarro, a cada bofetada, responde com a humildade; a cada bem que lhe tiram (sangue, pele, honra, roupas) responde dando Amor; à rejeição dos homens, responde entregando-se totalmente por eles.


A cruz que ensina a amar

Perante cada pequeno desaforo, Deus nos diz: "Por que não respondes com um silêncio paciente e humilde como o meu, sem ódio nem discussões? Se te custa aguentar o caráter daquela pessoa, por que não te esforças por viver melhor a compreensão e a desculpa amável? Quando alguém te ofende, por que - sem deixares de defender serenamente o que é justo - não te esforças por perdoar, como Deus te perdoa?”

E, assim, quando as dores físicas ou morais – os desgostos, as decepções, os fracassos, os fastios, o tédio, a solidão, a depressão…- nos acabrunham, a voz cálida de Cristo crucificado convida-nos a ser generosos e a subir um degrau na escada do Amor; a crescer na mansidão, na bondade e na grandeza de alma; a aumentar a confiança em Deus; a ser mais desprendidos de êxitos, bem-estar e posses materiais; sobretudo, a meter-nos mais decididamente na fogueira de Amor que é o Coração de Cristo, com desejos inflamados de corresponder, de desagravá-lo, de imitá-lo, de unirmo-nos ao seu Sacrifício Redentor. Todos esses sentimentos fazem grande bem à alma cristã.


A cruz que faz “co-redimir”

Há algumas palavras de São Paulo que encerram um grande mistério, que encerram uma Verdade sobrenatural muito profunda sobre a vida nova do cristão. São as seguintes: "Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. Completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja" (Coloss 1, 24).

A rigor, nada falta à Paixão de Cristo, pois o Sacrifício de Jesus mereceu infinitamente a Redenção de todos os crimes e pecados do mundo. Mas o Senhor quis que os cristãos, membros do seu Corpo Místico, “outros Cristos”, pudessem associar-se ao seu Sofrimento Redentor, unindo a Ele os seus próprios padecimentos.

Na Carta Apostólica já antes citada sobre o sentido cristão do sofrimento, o Papa João Paulo II desenvolve uma bela reflexão sobre esta verdade: “O Redentor sofreu em lugar do homem e em favor do homem. Todo homem tem a sua participação na Redenção. E cada um dos homens é também chamado a participar daquele sofrimento, por meio do qual se realizou a Redenção; é chamado a participar daquele sofrimento por meio do qual foi redimido também todo o sofrimento humano. Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível da Redenção. Por isso, todos os homens, com o seu sofrimento, podem tornar-se participantes do sofrimento redentor de Cristo” (n. 19).

E, mais adiante, glosando a frase de São Paulo que agora meditamos, o Papa complementa essa reflexão: “O sofrimento de Cristo criou o bem da Redenção do mundo. Este bem é em si mesmo inexaurível e infinito. Ninguém lhe pode acrescentar coisa alguma. Ao mesmo tempo, porém, Cristo, no mistério da Igreja, que é o seu Corpo, em certo sentido abriu o próprio Sofrimento Redentor a todo o sofrimento humano. Na medida em que o homem se torna participante dos sofrimentos de Cristo – em qualquer parte do mundo e em qualquer momento da história - tanto mais ele completa, a seu modo, aquele sofrimento, mediante o qual Cristo operou a Redenção do mundo” (n. 24).

Neste mundo em que, ao lado de tantas bênçãos de Deus, tantas almas sentem com força os ventos e tempestades do pecado, as almas generosas que sofrem com Amor, unidas ao Senhor, são como que “outros Cristos”, que contrabalançam com a sua “Cruz” o peso dos crimes do mundo. Tornados eles próprios uma só coisa com Cristo sofredor, são esses homens e mulheres bons – os santos, os mártires, os inocentes, os doentes, as crianças, os “humilhados e ofendidos”…- os que mantêm no mundo, como uma tocha acesa, a esperança da Salvação. Uma só mulher humilde que oferece, em sua cama de hospital, seus sofrimentos a Deus, faz mais pelo bem do mundo do que muitos dos que o governam.

É paradigmática a cena de São Francisco de Assis no Monte Alverne. Era a manhã de 14 de setembro de 1224, festa da Exaltação da Santa Cruz. Retirado nas solidões dos Apeninos, ele rezava ajoelhado diante de sua cela, antes de que raiasse a alva. Tinha as mãos elevadas e os braços estendidos, e pedia: “Ó Senhor Jesus, há duas graças que eu te pediria conceder-me antes de morrer. A primeira é esta: que na minha alma e no meu corpo, tanto quanto possível, eu possa sentir os sofrimentos que tu, meu doce Jesus, tiveste que sofrer na tua cruel Paixão! E o segundo favor que desejaria receber é o seguinte: que, tanto quanto possível, possa sentir em meu corpo esse amor desmedido em que tu ardias, tu, o Filho de Deus, e que te levou a querer sofrer tantas penas por nós, miseráveis pecadores”.

A oração foi ouvida. Um serafim, que trazia em si a imagem de um crucificado, imprimiu-lhe as chagas de Cristo nas mãos, nos pés e no lado. Francisco, até no corpo, tornou-se visivelmente um “outro Cristo”.


Ref.: FAUS, Francisco. A Sabedoria da Cruz, São Paulo: Quadrante, 2001.