sábado, 29 de março de 2014

Os Sacramentais.

OS SACRAMENTAIS têm grande valor de santificação e consagração, pois, por meio deles, Deus derrama sobre o homem suas bênçãos. Cremos que é da Vontade do SENHOR nos abençoar por intermédio da Igreja, e abençoar nossas casas, nossos corpos, nossos objetos. E onde existe a Bênção de Deus, o demônio não pode tocar.
Ao entrar em uma igreja, impulsionado pela fé e pela beleza do ambiente que o cerca, o fiel católico se ajoelha diante do Sacrário, faz o Sinal da Cruz, molhando ou não a ponta dos dedos na água abençoada pelo sacerdote, repete uma a oração tradicional da Igreja, como o Pai-Nosso... E possivelmente nem sempre, nem todos, tenha, a noção exata de cada um desses atos. São os Sacramentais.
 
Estão bem perto, ao nosso alcance, e são de grande benefício espiritual, como pequenos canais de comunhão com o Santo Criador: assim são os Sacramentais. A palavra Sacramental significa “semelhante a um Sacramento”, mas há grandes diferenças entre uma coisa e outra. Os Sacramentos (Batismo, Crisma, Eucaristia, Confissão, Unção dos enfermos, Ordem e Matrimônio) foram instituídos diretamente por Jesus Cristo para conferir a Graça santificante que apaga o Pecado e fortalece nossas almas, preparando-nos para a vida eterna no Céu. Já os Sacramentais não conferem a Graça à maneira dos Sacramentos, mas são como que vias para ela, e como tal ajudam a santificar as diferentes circunstâncias da vida humana. Os Sacramentais despertam no cristão sentimentos de amor santo e de fé. Diz o Catecismo da Igreja Católica (§1670-1667):
«Os Sacramentais (...) oferecem aos fiéis bem dispostos a possibilidade de santificarem quase todos os acontecimentos da vida por meio da Graça divina que deriva do Mistério Pascal da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. (...) A Santa Mãe Igreja instituiu também os sacramentais. Estes são sinais sagrados por meio dos quais, imitando de algum modo os sacramentos, se significam e se obtêm, pela oração da Igreja, efeitos principalmente de ordem espiritual. Por meio deles, dispõem-se os homens para a recepção do principal efeito dos sacramentos e são santificadas as várias circunstâncias da vida.»1(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 60: AAS 56 (1964) 116: cf. CIC can. 1166; CCEO can. 867)
Os Sacramentais produzem seu efeito, no dizer teológico, Ex opere operantis (pela ação daquele que opera), isto é, depende da boa disposição dos que os operm. Assim, para que haja um frutuoso efeito das graças dos Sacramentais, são necessárias nossa plena consciência e boa disposição ao recebê-los (o amor, a fé, o respeito e reverência, a reta intenção, o espírito de adoração, o comprometimento interno...).
Os sacramentais nos preparam para receber e cooperar com as graças que Deus nos concede. São, por si mesmos, - como o próprio nome indica, - atos fugazes e transitórios e, não permanentes, como no caso dos Sacramentos.

Quais são os Sacramentais?

Os Sacramentos da Igreja, como sabemos e vimos, são sete. Já os Sacramentais são numerosos, sendo que muitos teólogos os classificam em seis grupos:
• Orans: basicamente são as orações que se costuma rezar publicamente na Igreja, como o Pai Nosso e as Ladainhas.
• Tinctus: o uso da água benta e certas unções que se usam na administração de alguns Sacramentos e que não pertencem à sua essência.
• Edens: indica o uso do pão bento ou outros alimentos santificados pela bênção de um Sacerdote.
• Confessus: quando se reza o Confiteor, individual ou publicamente, para pedir perdão a Nosso Senhor por nossos pecados e falhas, das quais já não nos lembramos mais. Cremos que Deus, já neste ato, nos cumula de graças2.
• Dans: esmolas ou doações, espirituais ou corporais, bem como os atos de misericórdia prescritos pela Igreja. – Acima das esmolas que possamos dar, está o bem espiritual que possamos fazer ao próximo. Além desse ato ser um Sacramental, adquirimos uma série de méritos pela caridade fraterna e pelas outras virtudes que a acompanham.
• Benedicens: as bênçãos que dão o Papa, os Bispos e os sacerdotes; os exorcismos; a bênção de reis, abades ou virgens e, em geral, todas as bênçãos sobre coisas santas.
Certos objetos bentos de devoção, como medalhas, velas e escapulários, também são considerados Sacramentais: o Crucifixo, a Medalha de Nossa Senhora das Graças e a Medalha de São Bento estão entre os maiores exemplos, sendo fundamental entender que não são "talismãs" nem "amuletos da sorte", e sim sinais visíveis de nossa fé.  Não agem automaticamente contra as adversidades, como se tivessem "poderes mágicos", mas são como recursos auxiliares para nos unir ainda mais a Nosso Senhor e devem nos estimular no progresso da fé.
No caso do crucifixo, em sua forma clássica ou na versão de São Damião, representam nossa fé na palavra do Cristo, que diz que todo aquele que quiser segui-lo deve carregar a sua própria cruz. Sabemos muito bem que a cruz que devemos carregar não é esta pequena peça que trazemos ao pescoço, pendendo de um cordão ou de uma correntinha, mas é uma maneira de nos lembrarmos sempre disso, além de funcionar como uma espécie de testemunho de nossa fé.
Quantas graças, quantas dádivas da Santa Igreja à nossa disposição!
Efeitos dos Sacramentais
Os efeitos que produzem ou podem produzir os Sacramentais dignamente recebidos são muitos. Em geral:
• Obtêm graças atuais (temporais), com especial eficácia, pela intervenção da Igreja (ex opere operandis Ecclesiae).
• Perdoam os pecados veniais por via de impetração, enquanto que, pelas boas obras que fazem praticar e pela virtude das orações da Igreja, excitam-nos aos sentimentos de contrição e atos de caridade.
• Às vezes, perdoam toda pena temporal dos pecados passados, em virtude das indulgências que costumam acompanhar o uso dos Sacramentais.
• Obtêm-nos graças temporais, se convenientes para nossa salvação. Por exemplo, a restauração da saúde corporal, a proteção numa viagem perigosa, etc.
“Não há uso honesto das coisas materiais que não possa ser dirigido à santificação dos homens e o louvor a Deus.”(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 61: AAS 56 (1964) 116-117)

sábado, 22 de março de 2014

Contra o estado-providência .

Escrito por Gary North | 20 Março 2014 

“Porque, quando ainda estávamos convosco, isto vos mandamos: se alguém não quer trabalhar, também não coma. Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes intrometendo-se na vida alheia; a esses tais, porém, ordenamos e exortamos por nosso Senhor Jesus Cristo que, trabalhando sossegadamente, comam o seu próprio pão”. II Tessalonicenses 3.10-12

A. Os limites da caridade da Igreja


Paulo admoestou que a igreja na Tessalônica estabelecesse a seguinte regra para os membros: se alguém não quer trabalhar, também não coma.

Desde o princípio da igreja, os pobres pediam e recebiam assistência da igreja. O ofício do diácono foi explicitamente criado para cuidar das viúvas que não tinham meios de sustento (At 6.1-4). Mas, desde o princípio também, Paulo estabeleceu regras rigorosas sobre quem tinha permissão para ser sustentado pela igreja local e quem não tinha. Ele disse que nenhuma viúva com menos de 60 anos deveria ser sustentada. Ele também disse que nenhuma viúva que havia sido casada mais de uma vez deveria ser sustentada (I Tm 5.3-4). Ele disse que alguém que não sustenta um membro de sua própria família é pior do que um infiel (I Tm 5.8). Todas essas admoestações reconheciam a verdade de uma lei econômica fundamental: a preço zero, existe maior demanda do que oferta. Se a igreja sustentar qualquer um que pedir, a igreja rapidamente terá empobrecido.

Paulo disse que há limites para a possibilidade de ser economicamente sustentado pela Igreja. Ele diz que quem não trabalha não deve comer à custa da igreja. Não devemos entender com isso que todos que são tetraplégicos e, portanto, não podem trabalhar, devem passar fome. O contexto de suas palavras deixa claro que ele está falando de pessoas fisicamente aptas. Podem não ser capazes de ganhar uma renda de classe média, mas podem ganhar o suficiente para se sustentar. São pessoas fisicamente capazes de ganhar a vida. A obrigação é essa: “trabalhando sossegadamente, comam o seu próprio pão”.

Paulo também escreveu que se uma pessoa possui alimento e vestuário, ela tem tudo o que realmente precisa (I Tm 6.7-8). É agradável ter mais, mas não é garantido por qualquer pessoa ou instituição. Deus não garante. Devemos nos contentar com o básico da vida. Se o que temos é suficiente para sustentar nossas vidas, não devemos sair procurando ser sustentado por outros.

B. O Estado-Providência

A admoestação com respeito a quem é apto para ser financeiramente sustentado pela igreja se opõe a política moderna de governo. Desde a primeira legislação estabelecendo o imposto de renda progressivo nas primeiras décadas do século XX, governos civis têm extraído impostos dos habitantes para transferir aos pobres. É claro que empregados do governo civil de classe média também tem extraído uma enorme porção dessa riqueza para a administração e manuseio. Mas governos civis chegam nas casas dos ricos, em nome dos pobres, para exigir que os ricos renunciem uma parte de sua renda para que o dinheiro possa ser usado para sustentar os pobres.


Não há nada na Lei Mosaica que autorizaria tal transferência de riqueza pela coação do estado. Também não há nada no Novo Testamento que autorize. Esta passagem deixa claro que Paulo era contra um observador do pacto pedir para ser financeiramente sustentado por outro observador do pacto, se o primeiro é capaz de ganhar a vida. Se é errado alguém saudável ser financeiramente sustentado pela igreja quando ele tem condições de trabalhar, então sob que base bíblica possível qualquer pessoa pode defender o uso coercivo do governo civil para extrair riquezas de um grupo de cidadãos e transferir para outro, quando os receptores são capazes de trabalhar? Nenhum.

O Estado-Providência moderno foi criado em nome dos pobres. Recebeu o apoio dos defensores do Evangelho Social. O Evangelho Social promove políticas de grupos de interesse especiais que usam o poder da urna para forçar mudanças políticas. A mudança política que o Evangelho Social recomenda é que o poder coercivo do estado seja usado para redistribuir renda. É por isso que os defensores do Evangelho Social ficam chocados com o que Paulo escreve nesta passagem. Eles tentam reinterpretar suas palavras. Ou dizem que suas palavras não são mais válidas.

Não há escapatória para as palavras claras desta passagem. Se alguém não trabalha, também não coma, o que significa que não comerá à custa da igreja. Uma pessoa que não trabalha, mas é capaz de trabalhar, não tem direito moral ou legal de ser sustentado pela igreja. Mas se ele não tem direito legal em relação a igreja, uma instituição voluntária, sob que base legal qualquer pessoa pode apelar para a Bíblia para justificar a existência de um direito legal sobre a renda tomada a força por pagadores de imposto? Nenhuma.

Se Deus quisesse que o Estado-Providência intervisse para ajudar aqueles que são capazes de trabalhar, mas se recusam a trabalhar, então porque Ele amaldiçoou a terra por causa do pecado de Adão? Por que ele deliberadamente forçou os homens a trabalharem para comer (Gn 3.17-19)? Se Deus fez isso com Adão, com que legítima base bíblica qualquer pessoa pode sustentar que o Estado-Providência moderno é justificável pela Bíblia? Por que ele impôs a maldição sobre a terra, se Sua verdadeira intenção era criar uma economia em que o governo civil extrairia riquezas dos ricos para dar aos pobres?

Conclusão

A admoestação de Paulo protege a igreja de oportunistas e intrometidos. Líderes da igreja devem aprender a reconhecer vigaristas que aparecem em nome da pobreza para pedir apoio. Eleitores devem fazer o mesmo.


Gary North
é um teólogo, historiador e economista presbiteriano. Escreveu comentários de quase todos os livros da Bíblia.
Fonte: Ethics and Dominion: An Economical Commentary on the Epistles

Tradução:
Frank Brito

Golpe militar e a Igreja Católica.

Texto escrito pelos próprios comunista que esclarece como a esquerda entrou na Igreja Católica e quais foram os personagem que permitiram isso.
 
Embora seja comum afirmar que a Igreja Católica tenha apoiado o golpe, a CNBB levou dois meses para se manifestar, tamanho o conflito interno. “Só em 2 de junho sai um comunicado. A primeira metade saudava o fim do risco comunista e a segunda, denunciava abusos”, lembra o professor e padre Oscar Beozzo, coordenador do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Ceseep).

Frei Clodovis Boff, um dos teóricos da Teologia da Libertação e atualmente professor da PUC-PR, relembra o clima pesado nas missas. “Era sufocante para os pregadores. Havia gente que vinha apenas para ver o que falávamos.”
Não há registros de que padres e bispos católicos tenham entregue seus pares à repressão, como aconteceu com a Igreja Metodista de Padilha. Entretanto, há situações em que houve omissão, diz Jorge Abilio Lulianello, consultor da CNV. Ele conta que Marcos Arruda, militante da Juventude Universitária Católica (JUC), preso e torturado em 1970, pedira a um capelão que avisasse a seus pais que estava em poder de militares. Imaginava que, assim, garantiria sua vida. Ledo engano. “O religioso deu a extrema-unção, mas não transmitiu o recado”, diz Jorge.

Frei Betto, preso em 1969 com outros dominicanos, não poupa Dom Eugenio Sales, nomeado arcebispo do Rio de Janeiro em 1972 e já falecido. “Não conheço uma só pessoa perseguida que tenha sido ajudada por ele”, diz Frei Betto. (Vejam só, um comunista sempre busca a defesa atacando, quem conhece Dom Eugenio e a Igreja não se deixa enganar)

Dom Orani Tempesta, cardeal e arcebispo do Rio de Janeiro, prefere olhar para a frente. Ciente da cizânia, prega a unidade com Cristo. “O importante, neste momento de recordação, é olhar para o conjunto da Igreja”, defende. “Quando somamos as atitudes de nossos bispos, vemos o quanto se fez, cada um a seu modo, dentro de suas possibilidades. Deus tem seus caminhos.”

"Os informantes percorriam as igrejas e sabiam tudo sobre as pregações" Anivaldo Padilha

Na Comissão Nacional da Verdade, o silêncio hierárquico da cúpula católica é um empecilho. Ao contrário das igrejas protestantes, que “falam mais abertamente”, a Igreja Católica se cala, segundo Padilha. “Ela prefere o silêncio”, acusa. (Quem é católico de verdade sabe que comunismo e cristianismo são incompatíveis, a Igreja já disse isso claramente sem necessidade de reafirmação e conhece muito bem os objetivos reais dessa comissão)
O racha entre progressistas e conservadores é anterior a 1964. O professor e padre Oscar Beozzo afirma que desde a morte de Getúlio Vargas, em 1954, houve um acirramento entre as posições.

“É a partir da década de 1950 que a Igreja Católica adere às causas sociais”, ensina. “Ela apoia a reforma agrária; se empenha para criar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais; dialoga com o movimento estudantil; tem um membro da JUC, Aldo Arantes, eleito presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE); e espalha o Movimento de Educação de Base (MEB) pelo país”, lista Beozzo.

Uma encíclica do Papa João XXIII, em 1963, pregando “diálogo com os movimentos históricos”, alarma os conservadores e anima os progressistas católicos. “A divisão era a mesma vista na sociedade brasileira na época”, resume Beozzo. Mas a partir do AI-5, em 1968, diz Frei Betto, é “que a Igreja passou a sofrer mais perseguição, a ponto de se tornar a principal voz em defesa dos Direitos Humanos”. Em 1969, é assassinado o primeiro dos três padres, e um frei, vítimas da ditadura.
Outro caso marcante se dá em 1968, nas missas para o estudante Edson Luís, morto pela PM na invasão ao restaurante Calabouço, no Aterro do Flamengo. Realizadas na Igreja da Candelária, as cerimônias confrontaram estudantes, padres e freiras com a PM, Fuzileiros Navais e agentes do DOPS, que reprimiram violentamente os presentes, deixando centenas de feridos. Dali para a frente, a relação entre militares e Igreja Católica nunca mais seria a mesma. “Deste período ficam o aprofundamento da Teologia da Libertação, o crescimento das Comunidades de Base e das pastorais sociais”, conta Boff.

O embate que rachou a Igreja

por Fernando Molica

Após pregar e abençoar o golpe de 1964, a Igreja dividiu-se em relação aos militares. O namoro com a esquerda começou antes da deposição do presidente João Goulart: leigos da JUC (Juventude Universitária Católica) fundaram a AP (Ação Popular), que reuniria nomes como o de José Serra, futuro governador de São Paulo, e Plínio de Arruda Sampaio (Psol). Dentro da hierarquia da Igreja, um dos pioneiros na resistência foi o então arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, ex-militante do Integralismo, movimento da direita alinhado ao fascismo. Fundador da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), era um entusiasta das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), de católicos que questionavam o sistema. Dom Hélder passou a ser chamado de ‘arcebispo vermelho’.
A atuação da Igreja contra a ditadura ficaria marcada a partir dos anos 1970, com a Teologia da Libertação, que unia cristianismo e esquerda. A eleição, em 1971, de Dom Aloísio Lorscheider para a presidência da CNBB reforçou o bloco dos que se opunham aos militares — no ano anterior, ele ficou preso por quatro horas. O episódio favoreceu a criação da Comissão Bipartite, que promoveria 24 reuniões entre militares e bispos de diferentes tendências. Cardeais e bispos se destacariam na luta contra a ditadura, denunciando torturas de presos e insistindo na redemocratização do país. A sigla CNBB passou a ser publicada com frequência nas páginas de política dos jornais. O teatrólogo e jornalista Nelson Rodrigues chegou a cunhar a expressão ‘padres de passeata’ para criticar esses adversários.

Frades dominicanos de São Paulo passaram a apoiar a principal organização armada de esquerda do país, a ALN (Ação Libertadora Nacional) de Carlos Marighella. Muitos foram presos e torturados - um deles, Frei Tito de Alencar Lima, se suicidaria na França em 1974 por não conseguir se livrar do terror causado por seu algoz, o delegado Sérgio Paranhos Fleury.

A cúpula da Igreja passou a ser dividida. De um lado bispos progressistas como Dom Aloísio, seu primo Dom Ivo Lorscheiter e o arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Do outro, os conservadores Dom Eugênio e Avelar Brandão Vilela. No fim da década de 1970, o hoje cardeal Dom Claudio Hummes abriu igrejas de Santo André, no ABC paulista, para assembleias de operários grevistas — e padres e instituições católicas acabariam tendo papel fundamental na criação do PT de Lula.
No Rio, bispos de Volta Redonda, Nova Iguaçu e Caxias, admiradores da Teologia da Libertação, faziam um ‘cinturão vermelho’ em torno de Dom Eugenio. A atividade dos bispos gerava reações violentas de grupos radicais de direita: em 1976, Dom Adriano Hipólito, de Nova Iguaçu, seria sequestrado, agredido e libertado nu, com o corpo pintado. A eleição do Papa João Paulo II em 1978 representaria um duro golpe na esquerda católica. Solidário ao seu povo (Polônia), então submetido à União Soviética, o Papa não queria saber de carinhos com o comunismo. No Rio, Dom Eugênio abriria processo contra o livro ‘Igreja, carisma e poder’, de Leonardo Boff que, condenado a cumprir um ano de silêncio obsequioso e com o livro proibido, deixaria o sacerdócio.

A mudança de rumos continuou após o fim da ditadura, em 1985, e os nomes mais ligados à esquerda católica desapareceriam das listas de nomeações de cardeais.

Vejam como a esquerda entrou na

domingo, 16 de março de 2014

A missão da Igreja e o Reino de Cristo.

Na Idade Média, os cruzados derramaram seu sangue para libertar das mãos dos infiéis o Sepulcro de N. S. Jesus Cristo, e instituir um Reino Cristão na Terra Santa.

Hoje, corre de novo o sangue dos filhos da Igreja, na Hungria, e na Polônia, como na Checoslováquia e na China. Para que? Para libertar a Cristandade do jugo do anti-Cristo comunista, e restaurar no mundo o Reino de Cristo. Mas o que é o Reino de Cristo, ideal supremo dos católicos, e, pois, meta constante desta folha?

É o que procuramos definir na enumeração de princípios, marco luminar de nossa atividade.

O Reino de Cristo

A Igreja Católica foi fundada por N. S. Jesus Cristo para perpetuar entre os homens os benefícios da Redenção. Sua finalidade se identifica, pois, com a da própria Redenção: expiar os pecados dos homens pelos méritos infinitamente preciosos do Homem-Deus; restituir assim a Deus a glória extrínseca que o pecado Lhe havia roubado; e abrir aos homens as portas do Céu. Esta finalidade se realiza toda no plano sobrenatural, e com ordem à vida eterna. Ela transcende absolutamente tudo quanto é meramente natural, terreno, perecível. Foi o que N. S. Jesus Cristo afirmou, quando disse a Pôncio Pilatos “meu Reino não é deste mundo” (João, 18-36).

A vida terrena se diferencia, assim, e profundamente, da vida eterna. Mas estas duas vidas não constituem dois planos absolutamente isolados um do outro. Há nos desígnios da Providência uma relação íntima entre a vida terrena e a vida eterna. A vida terrena é o caminho, a vida eterna é o fim. O Reino de Cristo não é deste mundo, mas é neste mundo que está o caminho pelo qual chegaremos até ele.

Assim como a Escola Militar é o caminho para a carreira das armas, ou o noviciado é o caminho para o definitivo ingresso numa Ordem Religiosa, assim a terra é o caminho para o Céu.

Temos uma alma imortal, criada à imagem e semelhança de Deus. Esta alma é criada com um tesouro de aptidões naturais para o bem, enriquecidas pelo batismo com o dom inestimável da vida sobrenatural da graça. Cumpre-nos, durante a vida, desenvolver até a sua plenitude estas aptidões para o bem.

Com isto, nossa semelhança com Deus, que era em algum sentido ainda incompleta e meramente potencial, torna-se plena e atual.

A semelhança é a fonte do amor. Tornando-nos plenamente semelhantes a Deus, somos capazes de O amar plenamente, e de atrair sobre nós a plenitude de Seu amor.

Ficamos, assim, preparados para a contemplação de Deus face a face, e para aquele eterno ato de amor, plenamente feliz, para o qual somos chamados no Céu.

A vida terrena é, pois, um noviciado em que preparamos nossa alma para seu verdadeiro destino, que é ver a Deus face a face, e amá-Lo por toda a eternidade.

Apresentando a mesma verdade em outros termos, podemos dizer que Deus é infinitamente puro, infinitamente justo, infinitamente forte, infinitamente bom. Para O amarmos, devemos amar a pureza, a justiça, a fortaleza, a bondade. Se não amamos a virtude, como podemos amar a Deus que é o Bem por excelência? De outro lado, sendo Deus o Sumo Bem, como pode amar o mal? Sendo a semelhança a fonte do amor, como pode Ele amar a quem é totalmente dissemelhante dEle, a quem é consciente e voluntariamente injusto, covarde, impuro, mau?

Deus deve ser adorado e servido sobretudo em espírito e em verdade (João 4,25). Assim, cumpre que sejamos puros, justos, fortes, bons, no mais íntimo de nossa alma. Mas se nossa alma é boa, todas as nossas ações o devem ser necessariamente, pois que a árvore boa não pode produzir senão bons frutos (Mat.7,17-18). Assim, é absolutamente necessário, para que conquistemos o Céu, não só que em nosso interior amemos o bem e detestemos o mal, mas que por nossas ações pratiquemos o bem e evitemos o mal.

 Mas a vida terrena é mais do que o caminho da eterna bem-aventurança. O que faremos no Céu? Contemplaremos Deus face a face, à luz da glória, que é a perfeição da graça, e O amaremos inteiramente e sem fim. Ora, o homem já goza da vida sobrenatural nesta terra, pelo Batismo. A Fé é uma semente da visão beatífica. O amor de Deus, que ele pratica crescendo na virtude e evitando o mal, já é o próprio amor sobrenatural com que ele adorará a Deus no Céu.

O Reino de Deus se realiza na sua plenitude no outro mundo. Mas para todos nós ele começa a se realizar em estado germinativo já neste mundo. Tal como em um noviciado, já se pratica a vida religiosa, embora em estado preparatório; e em uma escola militar um jovem se prepara para o Exército… vivendo a própria vida militar.

E a Santa Igreja Católica já é neste mundo uma imagem, e mais do que isto, uma verdadeira antecipação do Céu.

Por isto, tudo quanto os Santos Evangelhos nos dizem do Reino dos Céus pode com toda a propriedade e exatidão ser aplicado à Igreja Católica, à Fé que ela nos ensina a cada uma das virtudes que ela nos inculca.

É este o sentido da festa de Cristo Rei. Rei Celeste antes de tudo. Mas Rei cujo governo já se exerce neste mundo. É Rei quem possui de direito a autoridade suprema e plena. O Rei legisla, dirige e julga. Sua realeza se torna efetiva quando os súditos reconhecem seus direitos, e obedecem a suas leis. Ora, Jesus Cristo possui sobre nós todos os direitos. Ele promulgou leis, dirige o mundo e julgará os homens. Cabe-nos tornar efetivo o Reino de Cristo obedecendo a suas leis.

Este reinado é um fato individual, enquanto considerado na obediência que cada alma fiel presta a N. S. Jesus Cristo. Com efeito, o Reinado de Cristo se exerce sobre as almas; e, pois, a alma de cada um de nós é parcela do campo de jurisdição de Cristo Rei. O Reinado de Cristo será um fato social se as sociedades humanas Lhe prestarem obediência.

Pode-se dizer, pois, que o Reino de Cristo se torna efetivo na terra, individual e social, quando os homens no íntimo de sua alma como em suas ações, e as sociedades em suas instituições, leis, costumes, manifestações culturais e artísticas, se conformam com a Lei de Cristo.

Por mais concreta, brilhante e tangível que seja a realidade terrena do Reino de Cristo — no século XIII, por exemplo — é preciso não esquecer que este Reino não é senão preparação e proêmio. Na sua plenitude, o Reino de Deus se realizará no Céu: “O meu Reino não é deste mundo…” (João, 18-36).

Ordem, Harmonia, Paz, Perfeição


A ordem, a paz, a harmonia, são características essenciais de toda a alma bem formada, de toda a sociedade humana bem constituída. Em certo sentido, são valores que se confundem com a própria noção de perfeição.

Todo o ser tem um fim próprio, e uma natureza adequada à obtenção deste fim. Assim, uma peça de relógio tem fim próprio, e, por sua forma e composição, é adequada à realização deste fim.

A ordem é a disposição das coisas, segundo sua natureza. Assim, um relógio está em ordem quando todas as suas peças estão ordenadas segundo a natureza e o fim que lhes é próprio. Diz-se que há ordem no universo sideral porque todos os corpos celestes estão ordenados segundo sua natureza e fim.

Existe harmonia quando as relações entre dois seres são conformes à natureza e o fim de cada qual. A harmonia é o operar das coisas umas em relação às outras, segundo a ordem.

A ordem engendra a tranqüilidade. A tranqüilidade da ordem é a paz. Não é qualquer tranqüilidade que merece ser chamada paz mas apenas a que resulta da ordem. A paz de consciência é a tranqüilidade da consciência reta: não pode confundir-se com o letargo da consciência embotada. O bem estar orgânico produz uma sensação de paz que não pode ser confundida com a inércia do estado de coma.

Quando um ser está inteiramente disposto segundo sua natureza, está em estado de perfeição. Assim uma pessoa com grande capacidade de estudo, grande desejo de estudar, posta em uma Universidade em que haja todos os meios para fazer os estudos que deseja, está posta, do ponto de vista dos estudos, em condições perfeitas.

Quando as atividades de um ser são inteiramente conformes à sua natureza, e tendem inteiramente para seu fim, estas atividades são, de algum modo, perfeitas. Assim, a trajetória dos astros é perfeita, porque corresponde inteiramente à natureza e ao fim de cada qual.

Quando as condições em que um ser se encontra são perfeitas, suas operações o são também, e ele tenderá necessariamente para o seu fim, com o máximo da constância, do vigor e do acerto. Assim se um homem está em condições perfeitas para andar, isto é, sabe, quer e pode andar, andará de modo irrepreensível.

O verdadeiro conhecimento do que seja a perfeição do homem e das sociedades depende de uma noção exata sobre a natureza e fim do homem.

O acerto, a fecundidade, o esplendor das ações humanas, quer individuais, quer sociais, também está na dependência do conhecimento de nossa natureza e fim.

Em outros termos, a posse da verdade religiosa é a condição essencial da ordem, da harmonia, da paz e da perfeição.

A perfeição cristã

O Evangelho nos aponta um ideal de perfeição “sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mat. 5,48). Este conselho que nos foi dado por N. S. Jesus Cristo, Ele mesmo no-lo ensina a realizar. Com efeito, Jesus Cristo é a semelhança absoluta da perfeição do Pai Celeste; o modelo supremo que todos devemos imitar.

N. S. Jesus Cristo, suas virtudes, seus ensinamentos, suas ações, são o ideal definido da perfeição para o qual o homem deve tender.

As regras desta perfeição se encontram na Lei de Deus, que N. S. Jesus Cristo “não veio abolir, mas completar” (Mat. 5,17), nos preceitos e conselhos evangélicos. E para que o homem não caísse em erro no interpretar os mandamentos e os conselhos, N. S. Jesus Cristo instituiu uma Igreja infalível, que tem o amparo divino para nunca errar em matéria de Fé e moral. A fidelidade de pensamento e de ações em relação ao magistério da Igreja é pois o modo pelo qual todos os homens podem conhecer e praticar o ideal de perfeição que é N.S. Jesus Cristo.

Foi o que fizeram os Santos que praticando de modo heróico as virtudes que a Igreja ensina, realizaram a imitação perfeita de N.S. Jesus Cristo e do Pai Celeste. É tão verdadeiro que os Santos chegaram à mais alta perfeição moral que próprios inimigos da Igreja quando não os cega a impiedade, o proclamam. De São Luís, Rei da França, por exemplo, escreveu Voltaire: “Não é possível ao homem levar mais longe a virtude”. O mesmo se poderia dizer de todos os Santos.

Deus é o autor de nossa natureza, e, pois, de todas as aptidões e excelências que nela se encontram. Em nós, só o que não provém de Deus são os defeitos, frutos do pecado original ou dos pecados atuais.

O Decálogo não poderia ser contrário à natureza que Ele próprio criou em nós: pois, sendo Deus perfeito, não pode haver contradição em suas obras.

Por isto, o Decálogo nos impõe ações que a nossa própria razão nos mostra serem conformes com a natureza, como honrar pai e mãe, e nos proíbe ações que pela simples razão vemos serem contrárias à ordem natural, como a mentira.

Nisto consiste, no plano natural, a perfeição intrínseca da Lei, e a perfeição pessoal que adquirimos praticando-a. É que todas as operações conformes à natureza do agente são boas.

Em conseqüência do pecado original, ficou o homem com propensão de praticar ações contrárias à sua natureza retamente entendida. Assim, ficou sujeito ao erro no terreno da inteligência, e ao mal no campo da vontade.

Tal propensão é tão acentuada, que, sem o auxílio da graça, não seria possível aos homens conhecer nem praticar, duravelmente e em sua totalidade, os preceitos da ordem natural. Revelando-os, no alto do Sinai, instituindo, na Nova Aliança, uma Igreja destinada a protegê-los contra os sofismas e as transgressões do homem, e os Sacramentos e outros meios de piedade destinados a fortalecê-lo com a graça, remediou esta insuficiência do homem.

A graça é um auxílio sobrenatural, destinado a robustecer a inteligência e a vontade do homem para lhe permitir a prática da perfeição. Deus não recusa a graça a ninguém. A perfeição é, pois, acessível a todos.

Pode um infiel conhecer e praticar a Lei de Deus? Recebe ele a graça de Deus? Cumpre distinguir. Em princípio, todos os homens que têm contato com a Igreja Católica recebem graça suficiente para conhecer que ela é verdadeira, nela ingressar, e praticar os Mandamentos. Se, pois, alguém se mantém voluntariamente fora da Igreja, se é infiel porque recusa a graça da conversão, que é o ponto de partida de todas as outras graças, fecha para si as portas da salvação. Mas se alguém não tem meios de conhecer a Santa Igreja — um pagão, por exemplo, cujo país não tenha recebido a visita de missionários — tem a graça suficiente para conhecer, pelo menos os princípios mais essenciais da Lei de Deus, e os praticar, pois Deus a ninguém recusa a salvação.

Cumpre entretanto observar que, se a fidelidade à Lei exige sacrifícios por vezes heróicos dos próprios católicos que vivem no seio da Igreja banhados pela superabundância da graça e de todos os meios de santificação, muito maior ainda é a dificuldade que têm em praticá-la os que vivem longe da Igreja, e fora desta superabundância. É o que explica serem tão raros — verdadeiramente excepcionais — os gentios que praticam a Lei.

O ideal cristão da perfeição social

Se admitirmos que em determinada população a generalidade dos indivíduos pratica a Lei de Deus, que efeito se pode esperar daí para a sociedade? Isto equivale a perguntar se, em um relógio, cada peça trabalha segundo sua natureza e seu fim, que efeito se pode esperar daí para o relógio? Ou, se cada parte de um todo é perfeita, o que se deve dizer do todo?

Há sempre algum risco em exemplificar com coisas mecânicas, em assuntos humanos. Atenhamo-nos à imagem de uma sociedade em que todos os membros fossem bons católicos, traçada por Santo Agostinho: imaginemos “um exército constituído de soldados como os forma a doutrina de Jesus Cristo, governadores, maridos, esposos, pais, filhos, mestres, servos, reis, juizes, contribuintes, cobradores de impostos como os quer a doutrina cristã! E ousem (os pagãos) ainda dizer que essa doutrina é oposta aos interesses do Estado! Pelo contrário, cumpre-lhes reconhecer sem hesitação que ela é uma grande salvaguarda para o Estado, quando fielmente observada” (Epíst. CXXXVIII al. 5 ad Marcellinum, cap. II, n. 15).

E em outra obra o Santo Doutor, apostrofando a Igreja Católica, exclama:

“Conduzes e instrues as crianças com ternura, os jovens com vigor, os anciãos com calma, como comporta a idade não só do corpo mas da alma. Submetes as esposas a seus maridos, por uma casta e fiel obediência, não para saciar a paixão, mas para propagar a espécie e constituir a sociedade doméstica. Conferes autoridade aos maridos sobre as esposas, não para que abusem da fragilidade do seu sexo, mas para que sigam as leis de um sincero amor. Subordinas os filhos aos pais por uma terna autoridade. Unes não só em sociedade, mas em uma como que fraternidade os cidadãos aos cidadãos, as nações às nações, e os homens entre si, pela recordação de seus primeiros pais. Ensinas aos reis a velar pelos povos, e prescreves aos povos que obedeçam os reis. Ensinas com solicitude a quem se deve a honra, a quem o afeto, a quem o respeito, a quem o temor, a quem o consolo, a quem a advertência, a quem o encorajamento, a quem a correção, a quem a reprimenda, a quem o castigo; e fazes saber de que modo, se nem todas as coisas a todos se devem, a todos de deve a caridade e a ninguém a injustiça” (De Moribus Ecclesiae, cap. XXX, n. 63).

Seria impossível descrever melhor o ideal de uma sociedade inteiramente cristã. Poderia em uma sociedade a ordem, a paz, a harmonia, a perfeição ser levada a limite mais alto? Uma rápida observação nos baste para completar o assunto. Se hoje em dia todos os homens praticassem a Lei de Deus, não se resolveriam rapidamente todos os problemas políticos, econômicos, sociais, que nos atormentam? E que solução se poderá esperar para eles enquanto os homens viverem na inobservância habitual da Lei de Deus?

A sociedade humana realizou alguma vez este ideal de perfeição? Sem dúvida. Di-lo o imortal Leão XIII: operada a Redenção e fundada a Igreja, “como que despertando de antiga, longa e mortal letargia, o homem percebeu a luz da verdade, que tinha procurado e desejado em vão durante tantos séculos; reconheceu sobretudo que tinha nascido para bens muito mais altos e muito mais magníficos do que os bens frágeis e perecíveis que são atingidos pelos sentidos, e em torno dos quais tinha até então circunscrito seus pensamentos e suas preocupações. Compreendeu ele que toda a constituição da vida humana, a lei suprema, o fim a que tudo se deve sujeitar, é que, vindos de Deus, um dia devamos retornar a Ele.

“Desta fonte, sobre este fundamento, viu-se renascer a consciência da dignidade humana; o sentimento de que a fraternidade social é necessária fez então pulsar os corações; em conseqüência, os direitos e deveres atingiram sua perfeição, ou se fixaram integralmente, e, ao mesmo tempo, em diversos pontos, se expandiram virtudes tais, como a filosofia dos antigos sequer pôde jamais imaginar. Por isto, os desígnios dos homens, a conduta da vida, os costumes tomaram outro rumo. E, quando o conhecimento do Redentor se espalhou ao longe, quando sua virtude penetrou até os veios íntimos da sociedade, dissipando as trevas e os vícios da antigüidade, então se operou aquela transformação que, na era da Civilização Cristã, mudou inteiramente a face da terra” (Leão XIII Encíclica “Tametsi futura prospiscientibus”, I-XI-1900).

A Civilização cristã — a cultura cristã

Foi esta luminosa realidade, feita de uma ordem e uma perfeição antes sobrenatural e celeste, do que natural e terrestre, que se chamou a civilização cristã, produto da cultura cristã, a qual por sua vez é filha da Igreja Católica.

Por cultura do espírito podemos entender o fato de que determinada alma não se encontra abandonada ao jogo desordenado e espontâneo das operações de suas potências — inteligência, vontade, sensibilidade — mas, pelo contrário, por um esforço ordenado e conforme à reta razão adquiriu nestas três potências algum enriquecimento: assim como o campo cultivado não é aquele que faz frutificar todas as sementes que o vento nele caoticamente deposita, mas o que, por efeito do trabalho reto do homem, produz algo de útil e bom.

Neste sentido, a cultura católica é o cultivo da inteligência, da vontade e da sensibilidade segundo as normas da moral ensinada pela Igreja. Já vimos que ela se identifica com a própria perfeição da alma. Se ela existir na generalidade dos membros de uma sociedade humana (embora em graus e modos acomodados à condição social e à idade de cada qual), ela será um fato social e coletivo. E constituirá um elemento — o mais importante — da própria perfeição social.

Civilização é o estado de uma sociedade humana que possui uma cultura, e que criou, segundo os princípios básicos desta cultura, todo um conjunto de costumes, de leis, de instituições, de sistemas literários e artísticos próprios.

Uma civilização será católica, se for a resultante fiel de uma cultura católica e se, pois, o espírito da Igreja, for o próprio princípio normativo e vital de seus costumes, leis instituições, e sistemas literários e artísticos.

Se Jesus Cristo é o verdadeiro ideal de perfeição de todos os homens, uma sociedade que aplique todas as Suas leis tem de ser uma sociedade perfeita, a cultura e a civilização nascidas da Igreja de Cristo tem de ser forçosamente, não só a melhor civilização, mas, a única verdadeira. Di-lo o Santo Pontífice Pio X: “Não há verdadeira civilização sem civilização moral, e não há verdadeira civilização moral senão com a Religião verdadeira” (Carta ao Episcopado Francês, de 28-VIII-1910, sobre “Le Sillon”). De onde decorre com evidência cristalina que não há verdadeira civilização senão como decorrência e fruto da verdadeira Religião.

 A Igreja e a Civilização Cristã

Engana-se singularmente quem supuser que a ação da Igreja sobre os homens é meramente individual, e que ela forma pessoas, não povos, nem culturas, nem civilizações.

Com efeito, Deus criou o homem naturalmente sociável, e quis que os homens, em sociedade, trabalhassem uns pela santificação dos outros. Por isto, também, criou-nos influenciáveis. Temos todos, pela própria pressão do instinto de sociabilidade, a tendência a comunicar em certa medida nossas idéias aos outros, e, em certa medida, em receber a influência deles. Isto se pode afirmar nas relações de indivíduo a indivíduo, e do indivíduo com a sociedade. Os ambientes, as leis, as Instituições em que vivemos exercem efeito sobre nós, têm sobre nós uma ação pedagógica.


Resistir inteiramente a este ambiente, cuja ação ideológica nos penetra até por osmose e como que pela pele, é obra de alta e árdua virtude. E por isto os primitivos cristãos não foram mais admiráveis enfrentando as feras do Coliseu, do que mantendo íntegro seu espírito católico embora vivessem no seio de uma sociedade pagã.

Assim, a cultura e a civilização são fortíssimos meios para agir sobre as almas. Agir para a sua ruína, quando a cultura e a civilização são pagãs. Para a sua edificação e sua salvação, quando são católicas.

Como, pois, pode a Igreja desinteressar-se em produzir uma cultura e uma civilização, contentando-se em agir sobre cada alma a título meramente individual?

Aliás, toda a alma sobre a qual a Igreja age, e que corresponde generosamente a tal ação, é como que um foco ou uma semente desta civilização, que ela expande ativa e energicamente em torno de si. A virtude transparece e contagia. Contagiando, propaga-se. Agindo e propagando-se tende a transformar-se em cultura e civilização católica.

Como vemos, o próprio da Igreja é de produzir uma cultura e uma civilização cristã. É de produzir todos os seus frutos numa atmosfera social plenamente católica. O católico deve aspirar a uma civilização católica como o homem encarcerado num subterrâneo deseja o ar livre, e o pássaro aprisionado anseia por recuperar os espaços infinitos do Céu.

E é esta nossa finalidade, o nosso grande ideal. Caminhamos para a civilização católica que poderá nascer dos escombros do mundo de hoje, como dos escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval. Caminhamos para a conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a resolução de enfrentar e vencer todos os obstáculos, com que os cruzados marcharam para Jerusalém. Porque, se nossos maiores souberam morrer para reconquistar o sepulcro de Cristo, como não queremos nós – filhos da Igreja como eles – lutar e morrer para restaurar algo que vale infinitamente mais do que o preciosíssimo Sepulcro do Salvador, isto é, seu reinado sobre as almas e as sociedades, que Ele criou e salvou para O amarem eternamente?