sábado, 28 de junho de 2014

Devo ir a missa aos domingos mesmo sem vontade.

Muitos se perguntam se devem ir à missa no domingo mesmo sem vontade, por pura obrigação. Para responder à essa pergunta é preciso antes entender como é o funcionamento da alma humana e de como se pode prestar culto a Deus.

O homem é constituído de corpo e de alma e é a alma que deve comandar o corpo, mesmo que os 'sentimentos' do corpo não estejam colaborando. É como um pai que leva o seu filho à missa: a alma é o pai e o corpo é o filho. Ora, o filho esperneia e diz que não quer ir, mas o pai é firme e exerce um ato de vontade sobre o filho.

A alma humana possui três áreas: a inteligência, a vontade e a afetividade (sentimentos). Elas devem obedecer a essa hierarquia, deste modo, quando a pessoa sente dificuldade em ir à missa é porque a afetividade está querendo sobrepor-se às demais, porém, a sua inteligência sabe o que é o certo e determina à vontade, ordena à afetividade que vá mesmo assim.

Não se trata de hipocrisia. Quando uma parte do indivíduo não quer ir à missa é justamente nesse momento que se vislumbra a oportunidade de mostrar a Deus o quanto o ama, pois uma oração que é feita na luta é uma oração que tem mais valor porque é feita na consolação.

Nenhuma das três áreas da alma devem ser excluídas da vida espiritual, mas elas devem obedecer à hierarquia. A inteligência é a área usada para o ato principal da vida espiritual: a oração. A vontade também pertence à vida espiritual e quando é ela quem comanda, a isso se dá o nome de devoção. Finalmente, quando a afetividade (sentimentos) entram na vida espiritual ocorre a consolação.

Contudo, mesmo que o indivíduo não receba consolações na vida espiritual, ou seja, quando ele está passando por um período de aridez, de deserto, não deve desanimar, pois esta é a área que está mais em contato com o corpo e, portanto, não é tão sublime.
Neste momento, a vontade deve vir em socorro da afetividade e o indivíduo deve perpetrar atos de devoção em que, mesmo não sentindo grande consolação, os gestos concretos de vontade por ele realizados, ajudarão o intelecto, a razão, a parte superior de sua alma a prestar o culto a Deus. Aquele culto referido por São Paulo como logiké latréia, ou seja, uma adoração lógica, do Logos, um culto espiritual em que o indivíduo dobra sua inteligência diante da sabedoria infinita de Deus para pedir a Ele tudo aquilo que convém para a salvação da própria alma e das outras pessoas.

https://padrepauloricardo.org/episodios/devo-ir-a-missa-por-pura-obrigacao#at_pco=smlwn-1.0&at_si=53aedfbb71540936&at_ab=per-2&at_pos=0&at_tot=1

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Virtude, Graça e Dons do Espirito Santo

A ação do Espírito Santo é gerar em nós um “organismo espiritual”. De fato, nós temos um organismo natural e um sobrenatural. Com o primeiro, praticamos atos naturais, como comer, andar, dormir, amar nossos familiares etc. Para realizar atos sobrenaturais, no entanto, é necessário um organismo sobrenatural, que deve ser gerado em nós. Só assim é possível fazer o que nenhum de nós pode por si só: amar a Deus de todo o coração.

Para isso, é preciso, em primeiro lugar, ser batizado e, depois, permanecer em estado de amizade com Deus. A cada pecado mortal, o organismo espiritual que recebemos no Batismo é prejudicado, tal como uma criança que, no útero da mãe, tivesse cortado o seu cordão umbilical. A primeira coisa que acontece com nossa alma é o desaparecimento da caridade. Quando ofendemos gravemente a Deus, dizemos que O odiamos e tratamo-Lo como um inimigo. Pode até ser que reste em nossos corações um pouco de esperança e de fé, mas a caridade se esvai totalmente e, com isso, o nosso organismo se debilita.

Para remediar este estado, é preciso que nos arrependamos de nossos pecados e procuremos o sacramento da Confissão. Em cada Confissão, o nosso organismo espiritual é restaurado. Diferentemente do organismo natural, em que, cortado o cordão umbilical, corta-se o vínculo de dependência entre mãe e filho, no organismo sobrenatural, devemos estar em constante contato com o Senhor; caso contrário, morremos. É Ele mesmo que mantém a nossa vida espiritual, preservando em nós a graça santificante.

Existem dentro de nosso organismo sobrenatural duas coisas: as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo. Assim como um barco sem remos nem velas é levado pela correnteza, o nosso organismo, sem as virtudes infusas – que são como os remos – e sem os dons do Espírito – que são como as velas – seguem correnteza abaixo, rumo ao egoísmo e à autodestruição.

Quando estamos em estado de graça, as virtudes estão em nosso organismo, ainda que não as vejamos – e não é possível que as vejamos, pois se tratam de hábitos. Assim como o fato de dormirmos não nos tira os hábitos que possuímos – como a habilidade em tocar piano –, quando saímos do confessionário, as virtudes estão em nosso coração, em estado de graça habitual. Não basta, porém, que se tenha o amor em hábito; é preciso que ele passe ao ato – por isso se pede a Deus a graça atual.

Muitas pessoas desistem de progredir na vida espiritual porque não se veem capazes de amar. Embora por nossa própria natureza realmente não o sejamos, Deus capacita-nos pelos sacramentos do Batismo e da Reconciliação. Os remos já estão conosco! Foi Deus mesmo quem no-los deu.

É claro que as virtudes requerem de nós força e ação, como já foi dito. Só depois de colocá-las em ato é possível ir estendendo as velas de nosso barco, que são os dons do Espírito. A dinâmica destes é um pouco diferente do que acontece com as virtudes: enquanto os remos, mesmo dados por Deus, precisam de nossa ação para produzirem efeito, as velas agem pelo sopro do Espírito, precisando tão somente de nossa disponibilidade para conduzirem o nosso barco.

Graça é um Dom de Deus. Dom gratuito, como tudo o que temos e que dEle nos vem. Nós a recebemos não por nossos méritos, mas pelos de Jesus Cristo, nosso Redentor. Pelo pecado original, o homem perdeu o Dom da graça santificante.

No princípio do mundo, Deus havia dado esta vida sobrenatural (vida na graça) a Adão e Eva – que, pelo pecado, a perderam. Cristo foi o Restaurador. Por Ele – e só por Ele – os homens se salvam: pelo sacrifício da cruz. Porque o Seu Sacrifício foi o Sacrifício perfeito – absoluto, pleno, universal – para todos os homens.

A graça é o meio para atingirmos nosso fim último, o Céu. Só pela graça podemos atingi-lo. É preciso ter a vida sobrenatural, para alcançar a salvação. É preciso estar vivo (pela graça) para atingir a plenitude de vida (no Céu).

É pela graça que somos unidos a Cristo e, em Cristo, unidos aos outros membros de Seu Corpo Místico. A graça é a seiva, o Sangue que nos liga à Cabeça. Comunicando-nos a vida divina.

A graça é a participação da vida divina.

Graça atual

É um socorro transitório que Deus concede a alma, para ajudá-la a evitar o mal e a praticar o bem. Vem de Deus, particularmente, do Espírito Santo. Do Espírito Santo que é Luz e Força, Sabedoria e Amor. É socorro ou inspiração divina que, inúmeras vezes, recebemos ao longo de nossa vida. Inúmeras vezes, em que somos livres para aceitá-la ou recusá-la.

Um bom livro que nos cai às mãos, um bom conselho, o arrependimento por um mal feito, a vontade de progredir no bem, bons pensamentos, bons desejos, são graças atuais. Como, também, podem ser graças o sofrimento, a doença, contrariedades.

Santo Inácio de Loyola, o valente soldado ferido, recebeu a visita do Espírito Santo quando, no hospital, leu livros religiosos – e, daí em diante, tornou-se um dos maiores soldados de Cristo.

S. Francisco de Bórgia, duque e vice rei na corte do imperador Carlos V, foi designado para identificar o cadáver de sua jovem e bela esposa, Isabel. A contemplação do corpo, já desfigurado, levou-o a decidir-se a renunciar honrarias. Pouco tempo depois, com a morte da própria esposa, ingressou na Companhia de Jesus, onde santificou-se.

S. Noberto, num passeio em que seu cavalo foi atingido por um raio, julgou ouvir a voz de Deus que censurava sua vida mundana e vazia – e, de fato, a ouviu, tornando-se um grande santo.

Quanto mais dóceis à voz de Deus – que nos fala através de tudo – mais graças recebemos. Quanto mais dóceis e sensíveis formos, em relação ao Senhor, mais e maiores graças recebemos. Saibamos ouvir Deus, que nos fala sempre. Na vida do cristão, tudo é graça, tudo é apelo, é chamado, é impulso, é convite à santidade.

Diante de uma festa de Primeira Comunhão, a lembrança de nossa inocência perdida; diante de um funeral, a idéia de nossa fragilidade e da própria morte – tudo, tudo são avisos de Deus. A assistência a um casamento, a um batizado, a visão de um desastre – tudo, tudo é graça. Tudo são sinais, são chamados, acenos de Deus para irmos ao Seu encontro. "Eis que bato e te chamo" – Ele nos diz a toda hora, por todos os modos.

Assim, cada um de nós, recebe, por diversas vezes, de várias maneiras, a visita do Espírito Santo, podendo ouvi-lO ou resistir à Sua inspiração. Quando se resiste à ação do Espírito Santo, perde-se uma série de graças, dando-se o contrário, quando se coopera.

O servidor que recebeu cinco talentos, e com eles colaborou, teve, como recompensa, mais outros cinco (Mt 13, 12).

Em cada circunstância, devemos pedir as graças de que necessitamos. Deus as concede sempre. "A minha graça te basta". "Ninguém é tentado acima de suas forças" – está na epístola de S. Paulo.

Graça Santificante

Quando se coopera com a graça atual, o Espírito Santo passa a habitar em nossa alma – e, então, possuímos a graça santificante, a presença permanente de Deus em nós.

"Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e viremos a ele, e faremos nele morada" (Jo 14, 23).

Sob a ação da graça, penetrada pelo Espírito Santo, nossa alma, também, recebe uma certa luz.

‘Se pudéssemos ver a beleza de uma alma na graça de Deus, tombaríamos em êxtase" – disse Léon Blois.

E S. Vicente Ferrer disse: "Se pudéssemos perceber uma alma sem pecado, esqueceríamos completamente de comer e beber".

Santa Margarida de pazzi: "Se soubéssemos como Deus nos ama quando temos a graça santificante, morreríamos de alegria".

Em estado de graça santificante somos considerados amigos de Deus (Jo 15, 15), somos o "novo homem" de que falam (Jo 3, 5) e (Tl 3, 4-7).

Pela graça santificante, o Espírito Santo nos une a Deus, tornando-nos Igrejas vivas – somos então, "Templos do Espírito Santo". "No Pai-nosso, dizemos: Pai-Nosso, que estais no céus; mas, sobre a terra, o céu é a alma do justo, onde Deus habita" (Santo Agostinho).

Enfim, o Espírito Santo é a vida da alma – vida em plenitude, o que significa beleza, paz, alegria. Viver em estado de graça é já, na terra, possuir o Céu. Assim como a graça é a vida da alma, o pecado é a sua morte.


As virtudes.

No Batismo, Deus infunde na alma, sem nenhum mérito nosso, as virtudes, que são disposições habituais e firmes para fazer o bem.

As virtudes infusas são teologais e morais. As teologais têm como objeto a Deus; as morais têm como objeto os bons atos humanos.

As teologais são três: fé, esperança e caridade.

As morais, que chamam-se também virtudes humanas ou cardeais, são quatro: prudência, justiça, fortaleza e temperança.

Conta também o cristão com os dons do Espírito Santo, que facilitam o exercício mais perfeito das virtudes.

Com relação à virtude teologal da caridade, ou seja, do amor, deve-se ter em conta que o amor a Deus e o amor ao próximo são uma mesma e única coisa, de modo que um depende do outro; por isto, tanto mais poderemos amar ao próximo quanto mais amemos a Deus; e, por sua vez, tanto mais amaremos a Deus quanto mais de verdade amemos ao próximo.

O que é a virtude?
A virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem.

Quantas classes de virtudes existem?
Existem duas classes de virtudes: as virtudes teologais e as virtudes humanas ou morais.

Quantas são as virtudes teologais?
As virtudes teologais são três: a fé, a esperança e a caridade;

O que é a fé?
A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus, em tudo o que Ele nos revelou e que a Santa Igreja nos ensina como objeto de fé.

O que é a esperança?
A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos e esperamos de Deus, com uma firme confiança, a vida eterna e as graças para merecê-la, porque Deus nos prometeu.

O que é a caridade?
A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos por amor a Deus, com o amor filial e fraterno que Cristo nos mandou.

Por que devemos amar a Deus sobre todas as coisas?
Devemos amar a Deus sobre todas as coisas porque somente Deus é infinitamente amável e porque nos criou para o Céu.

Por que devemos amar ao próximo?
Devemos amar ao próximo porque todos os homens somo irmãos, filhos do mesmo Pai celestial, redimidos com o Sangue de Jesus Cristo e destinados ao Céu.

O que são as virtudes humanas?
As virtudes humanas, chamadas também de virtudes morais, são disposições estáveis do entendimento e da vontade que regulam nossas ações, ordenam nossas paixões e guiam nossa conduta segundo a razão e a fé.

Quantas são as virtudes humanas?
As virtudes humanas ou morais são muitas, mas podem ser agrupadas em torno a quatro principais, chamadas virtudes cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança.

O que é a prudência?
A prudência é a virtude que dispõe da razão prática para discernir, em toda circunstância, nosso verdadeiro bem e escolher os meios justos para realizá-lo.

O que é a justiça?
A justiça é a virtude que consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido.

O que é a fortaleza?
A fortaleza é a virtude que assegura a firmeza e a constância na prática do bem, até mesmo nas dificuldades.

O que é a temperança?
A temperança é virtude que modera a atração para os prazeres sensíveis e procura a moderação no uso dos bens criados.

domingo, 25 de maio de 2014

Educação Religiosa é Oportuna?

A. A. P. (São Paulo): “O adolescente tem que escolher ele mesmo as suas crenças ao atingir a idade do discernimento. Por conseguinte, não deve ser educado na religião católica, para que não se torne um renegado, caso na idade madura não esteja de acordo com a fé católica”.
 
Para esclarecer a dificuldade, tenhamos em vista que a criança é essencialmente um ser dependente de seus pais, e dependente (à diferença do que se dá com a prole de irracionais) até idade mais ou menos adiantada. Aos pais, portanto, que deram a vida à prole, cabe a obrigação de fornecer todo o necessário à consolidação e ao aperfeiçoamento dessa vida.
 
Ora a prole precisa evidentemente de sustento físico (alimento, teto e roupa) que garanta a vida de seu corpo; isto, os pais, ao menos em teoria, não o sonegam a seus filhos. — Mas, além de valores corpóreos, há em todo ser humano, mesmo infantil, valores espirituais; com outras palavras, há tendência a um termo supremo que não seja limitado como a matéria e que proporcione o Bem-estar, a Felicidade simplesmente dita. Sendo assim, incumbe aos pais e educadores atender também a esses valores espirituais da criança e proporcionar-lhe tudo (instruções e exemplos) que os possa desenvolver e encaminhar para seu termo autêntico. Isto implica, entre outras coisas, educação religiosa e, falando-se objetivamente (independentemente das concepções que os pais possam nutrir de boa fé), educação religiosa católica.
 
Mas não se poderia desejar que a formação espiritual da criança conste apenas do ensino de ciências e letras e de certas normas éticas, como se verifica na escola dita «neutra»? As questões religiosas, as quais dependem de fé, não parecem necessárias à formação de um bom cidadão.
 
Este raciocínio procede de errôneo conceito de religião.
 
Religião significa cultivo de relações do homem com Deus, com Aquele que, por definição, é o Bem Supremo; a religião, portanto, tende a levar o homem à sua perfeição simplesmente dita; ela interessa o homem todo, ser corpóreo dotado de inteligência e amor. Ao contrário, qualquer ciência ou arte que o indivíduo possa cultivar, aperfeiçoa-o apenas sob um aspecto, tornando-o bom físico, bom matemático, bom médico, mas não necessariamente homem bom (um bom médico pode ser um homem mau, ao passo que um homem sinceramente religioso é bom como homem; é homem bom).
 
Por conseguinte, vê-se que a formação religiosa é o ponto culminante para o qual converge qualquer educação de valores; é ela que dá consistência à formação profissional e moral do indivíduo. Com efeito, nem mesmo os preceitos da ética mais nobre são capazes de construir uma autêntica personalidade humana, se são separados de Deus e da religião; a moral leiga, moral que apela para um ideal meramente humano a conquistar, cedo ou tarde mostra-se impotente para dirigir o homem, pois a autoridade da ética sem Deus não pode deixar de ser relativa, sujeita a ser controvertida e reformada, como tudo que é criado.
 
A titulo de ilustração, vão aqui citados alguns testemunhos de pensadores modernos a respeito da “moral leiga”:
«T. Dostoieswsky, psicólogo dos mais finos e profundos, introduz num dos seus romances um jovem ateu, Ivã Fedorovitch, deduzindo da sua incredulidade todas as consequências imorais; o egoísmo passaria a ser a lei universal e necessária, lei incontestàvelmente nobre e louvável. Um dos servos, que lhe ouvia a lição, aproveitou-a e pouco depois, num crime friamente premeditado, rouba e assassina o pai de Ivã. — Porque o mataste? pergunta-lhe o jovem, inquieto e sobressaltado, — Eu pensava com este dinheiro começar vida nova em Moscou ou talvez no estrangeiro; era a minha idéia que tudo é permitido. Fostes vós que me ensinastes isto; e vós me ensinastes muitas coisas; se Deus não existe, não há virtude, porque seria inútil. Isto me pareceu verdade» (episódio transcrito da obra de Leonel Franca, Ensino religioso c ensino leigo. Rio de Janeiro 1931, 12).
 
R. Baden-Powell, o famoso fundador dos escoteiros, benemérito pela sua obra de psicólogo e educador, afirmava que a incredulidade constitui, ao lado do jogo, do vinho o do prazer, um dos grandes perigos para a juventude, e acrescentava:
 
Se você está realmente decidido a se encaminhar para o sucesso, isto é, para a felicidade, deve tratar não sòmente de não ser absorvido pela mistificação irreligiosa, mas de dar uma base religiosa à sua vida» (Rovering to success. London, S. d. pág. 176).
 
A ineficácia da formação técnica e principalmente da formação moral que não estejam associadas à educação religiosa, se manifesta bem nas estatísticas de criminalidade infantil. Verifica-se que a laicização do ensino acarreta, como uma de suas consequências palpáveis, o progresso da criminalidade entre as crianças.
 
Com efeito, em 1880 foi o ensino laicizado na França em virtude da Lei Ferry. Pois bem; em 1887, A. Guillot, juiz de instrução em Paris, podia escrever:
 
«Há uma dezena de anos os crimes cometidos pelos jovens multiplicaram-se em proporção assustadora. As estatísticas mostram que o número de delinquentes de menos de 20 anos se quadruplicou: de cerca de 5 000 elevou-se a 20 000. A nenhum homem sincero, quaisquer que sejam as suas opiniões, pode escapar que este aumento espantoso da criminalidade coincidiu com as modificações introduzidas na organização do ensino público. Para a consciência dos que julgaram encontrar um progresso nestes novos caminhos, deve ser uma preocupação grave este espetáculo da jovem geração que se distingue pela sua perversidade brutal (Paris qui souffré. Paris 1887. pág. 250).
 
Em 1896 o mesmo autor testemunhava no jornal «Figaro» (19/VTII):
 
«Nada há de que nos maravilhemos,.. Desde 1887, inclinado continuamente sobre a miséria moral da infância, as minhas opiniões se vêm dia para dia confirmando... A criança que não é dirigida para as coisas superiores— que não se sente sob o olhar e a ação de Deus, uma vez homem, irá ao prazer e ao interesse. Nem espera chegar a homem. Desde cedo começa a tratar como velhas ficções tudo que lhe custa, tudo que lhe pesa, o sacrifício, o dever, a própria honra. Com o ideal religioso desaparece qualquer outro ideal. E os sem-pátria nascem do mesmo tronco que os sem-deus. No peito das crianças sopram já os ódios, as invejas, os ciúmes, a sede de prazeres que consomem os seus maiores. Se o mal não é maior, devemo-lo às escolas livres que conservam na França um núcleo de homens que temem e servem a Deus; devemo-lo às inumeráveis obras de caridade, religiosas na sua maioria, que se ocupam da infância e se esforçam, com os meios mais engenhosos, por preservá-la, defendê-la e salvá-la».
 
Outros depoimentos frisantes se podem ler na obra de Franca. Ensino religioso e Ensino leigo. pág. 35«57.
 
As considerações acima habilitam-nos a concluir que subtrair às crianças o ensinamento religioso é crime não menos grave (para não se dizer: mais hediondo) do que lhes sonegar o pão cotidiano; equivale a deixar de alimentar não o seu corpo mortal, mas o seu espírito e a sua personalidade, que consequentemente se tornarão atrofiados ou monstruosos.
 
Mas, dir-se-á, os pais e educadores que tomam atitude neutra e silenciosa perante a religião, não querem em absoluto sufocar os sentimentos religiosos dos jovens; apenas desejam que estes se desenvolvam espontaneamente, de sorte a se evitar ruptura ou apostasia por parte do adolescente. — Na verdade, é impossível a neutralidade em matéria de religião. Quem educa sem mencionar o nome de Deus, já profere uma tese a respeito de Deus: dá a entender que é plenamente concebível a vida humana sem Deus, e que Este, quando sobrevém, sobrevém acidentalmente, dando como que uma modalidade, não, porém, a estrutura à existência do indivíduo. Uma 1a atitude no educador significa atribuir igual valor à afirmação e à negação de Deus, significa praticamente negar a Deus; é tomar a posição do ateísmo sem o nome respectivo, como dizia Leão XIII : «Istud ab atheismo, si nomine aliquid diffcrt, re nihil differt» (ene. «Immortale Dei»). Deus por definição é tudo, e merece lugar primacial na orientação da vida humana, ou simplesmente é banido, pois seria contraditório ao conceito mesmo de Deus atribuir a Este o papel de rótulo ou cartaz complementar de uma realidade já feita.
 
Note-se ainda: na prática é impossível aos pais e mestres mencionar os objetos e valores abordados pelas ciências (o corpo humano, a história da civilização, a economia...) sem que toquem indiretamente a questão mais profunda atinente à origem e à finalidade desses valores; e esta é a questão religiosa, à qual só se pode dar resposta afirmativa ou negativa (jamais neutra), pois o homem, sempre que age, age ao menos virtualmente em vista de um Fim último (que é o verdadeiro Deus ou um fantoche de Deus); é a idéia de Deus ou do Fim supremo
que, em última análise, dá a estrutura a cada um dos atos humanos, por mais insignificante que pareça.
 
Aos que propugnam o silencio em matéria religiosa, será preciso lembrar mais o seguinte: dificilmente a criança, por suas reflexões pessoais apenas, chegará à verdade no terreno religioso. È fato reconhecido que, para a aquisição de ciências profanas (matemática, física, história...), a inteligência necessita de uma pedagogia; a criança vai à escola. Com muito mais razão a necessidade de um guia se impõe a fim de que ela distinga claramente a Deus e para Este se encaminhe; pois a natureza humana se ressente do desequilíbrio da concupiscência e das paixões, que lhe obscurecem o intelecto e debilitam a vontade; as desordens morais desviam o raciocínio do seu objetivo lógico, impedindo-o de reconhecer devidamente a Deus; é o que a experiência comprova sobejamente.
 
Seria, por conseguinte, utópico julgar que a criança, destituída de guia em matéria religiosa, chegaria por si mesma à Verdade neste terreno. Em relação ao último Fim, que fala à personalidade inteira, todo um mundo de interesses particulares se agita, devida ou indevidamente, dentro de cada indivíduo; requer-se, pois, uma sábia direção extrínseca que ponha ordem dentro desse mundozinho da criança. Em consequência, incumbe imperiosamente aos pais e mestres propor a Luz sobre tal questão. E esta Luz — repita-se — provém não de qualquer crença religiosa, mas exclusivamente da fé católica, pois há um só Deus; em consequência há uma só concepção autêntica de Deus e da via pela qual os homens vão a Deus; brevemente, há uma só religião : a religião monoteísta que Cristo, rematando a história antiga, veio ensinar aos homens, e que se transmite ininterruptamente de Cristo a nós por meio da Sta. Igreja Católica (o assunto já foi abordado em «Pergunte e Responderemos» 8/1957 qu, 1),
 
Não há dúvida, a manifestação da verdade católica, assim como pode concorrer para o bem do adolescente, pode também provocar da parte deste uma repulsa explícita, dando ocasião a que se torne um degenerado. Isto, porém, caso aconteça, acontece independentemente da intenção de pais e mestres, em virtude de um abuso que o jovem faz de sua liberdade. O caso do apóstata da fé ou de quem extingue a sua vida sobrenatural é análogo ao do suicida, que põe fim à sua vida natural: não é por causa de um hipotético suicídio da futura prole que os casais deixam de comunicar a vida ou gerar seus filhos. O perigo de abusos não deve impedir que se proporcionem aos homens os bens capazes de os tornar dignos e felizes nesta vida e na futura.
 

terça-feira, 20 de maio de 2014

O Círio Pascal

 
Por Dom Henrique
Na Liturgia Latina, o mais belo e significativo símbolo pascal é o Círio. Ele simboliza o próprio Cristo ressuscitado.
 
Em geral, não é muito valorizado por falta de catequese litúrgica, mal gravíssimo da Igreja latina atual.
 
Nunca se deve, no âmbito da Liturgia, utilizar uma imagem de Cristo Ressuscitado. Numa procissão sim, pois não se trata de um ato litúrgico, mas gesto da religiosidade popular.

Por que representar o Ressuscitado por uma vela gigante?
 
Nos evangelhos, o Cristo ressuscitado não pode ser descrito ou representado: Seu aspecto é glorioso, Ele não pode mais ser visto, apreendido pelos sentidos, a não ser que Se faça ver. O Ressuscitado não voltou a esta vida, ao estado e à fisionomia que tinha antes, nos dias de Sua humilhação. Ele agora é Senhor, é Adon, como o Adonai, o Senhor Deus, Ele agora é Kyrios! Por isso mesmo a Igreja O representa no Círio, para deixar claro que Ele agora é todo Misterioso, todo Senhor glorioso na Sua santíssima humanidade divinizada.
 
O Círio Pascal!

Virgem, como é Virgem o Ressuscitado, Novo Adão, Princípio da nova criação.

Nele se inscrevem o Alfa e o Ômega, primeira e última letras do alfabeto grego, pois o Ressuscitado é Princípio e Fim da história e de todas as coisas.
 
Uma grande cruz com cinco cravos domina todo o Círio, pois a Ressurreição é fruto da Paixão, de modo que o Ressuscitado traz e trará para sempre no Seu corpo glorioso as gloriosas chagas, como troféus.

Vem também inscrito os algarismos do ano em curso, pois, na Santa Liturgia, o Mistério Pascal torna-se presente, continuamente contemporâneo a cada geração de cristãos e atuante na vida da Igreja. A Igreja e cada cristão encontram realmente, na Liturgia pascal, o Vencedor da Morte, feito Senhor e Cristo!
 
O fogo que consome o Círio e ilumina as trevas é símbolo do próprio Espírito Santo, no qual o Pai ressuscitou o Filho Amado; Espírito que vivifica, aquece, ilumina! É este Espírito o grande Dom que o Ressuscitado faz continuamente à Sua Igreja, vivificando-a, iluminando-a, aquecendo-a de Vida divina e transfigurando-a como presença do Reino de Deus neste mundo e semente de Vida Eterna.

Por isto mesmo, o Círio deve ser conservado com respeito sagrado. Será sempre incensado ao início das missas de Tempo Pascal nas quais se use o incenso (não é incensado nem ao Evangelho nem ao ofertório).
Deve ficar próximo ao ambão, como sinal eloquente da luz de Cristo ressuscitado que ilumina as Escrituras.
 
Somente é retirado após as segundas vésperas da Solenidade de Pentecostes. Deve ser, então, colocado no Batistério, ao lado da pia batismal.
 
Existe um belo costume de se retirar alguns fragmentos da cera do Círio e colocá-los num pequeno relicário precioso - de ouro ou prata - que é levado no pescoço, como medalha, em geral com a imagem do Cordeiro do Apocalipse, e se chama Agnus Dei. Que bela relíquia: um pequeno fragmento da cera do Círio, imagem Daquele que esteve morto, mas agora vive e vivifica para sempre!

sábado, 10 de maio de 2014

A gnose.

O GNOSTICISMOColossenses 2.8

"Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo". (Cl 2.8)

O Gnosticismo era uma heresia presente na Igreja primitiva, vinha trazendo uma doutrina diferente daquela deixada por Cristo, e o seu desenvolvimento na história foi marcante e real. Contudo, ela foi combatida pelos Pais Apostólicos, pelos apologistas. E hoje? Será que o "Gnosticismo" com sua filosofia e influência, está presente em nosso meio, nos púlpitos de nossas igrejas, como esteve na igreja primitiva e a história?

Por isso, nos será importante conhecer o gnosticismo e sua influência na história para que possamos confiadamente analisar a situação da Igreja atual e sua tendência ao gnosticismo, isto para que "ninguém nos engane com raciocínios falazes", pois como "recebemos Cristo Jesus, o Senhor, assim andemos nele, nele radicados, e edificados, e confirmados na fé..."
O GNOSTICISMO NA HISTÓRIA

Antes da primeira metade do Século XX , apologistas, tais como Irineu, Tertuliano, Hipólito e Epifânio eram as fontes básicas de informações a respeito dos gnósticos. Segundo as denúncias, os gnósticos desviavam os cristãos mediante as manipulações das palavras e a torção dos significados das Escrituras. Usavam os textos bíblicos visando seus próprios propósitos, principalmente as histórias em Gênesis, o Evangelho segundo João e as epístolas de Paulo, aliás, a descoberta de uma biblioteca gnóstica em Nag Hammadi, no Egito, tem confirmado isto.


São treze códices antigos, incluindo cinquenta e dois tratados, dos quais seis representam duplicações. Um grande número deles claramente representa uma perspectiva gnóstica cristã, sendo que os três mais conhecidos são os evangelhos valentinianos: O Evangelho de Tomé (composto de uma série de breves palavras de Jesus), o Evangelho de Filipe (uma coletânea de expressões sobre a deidade e a unidade, que relembra a linguagem do quarto evangelho mas especificamente orientado em direção à mitologia gnóstica e possivelmente ligado com o Evangelho da Verdade escrito por Valentino, mencionado em Irineu). Há, também, entre os tratados gnósticos cristãos apócrifos de Tiago, os Atos e Pedro e dos Doze Apóstolos, o Tratado da Ressurreição, a longa coletânea conhecida como o Tratado Tripartite, e três edições do apócrifo de João (a história da criação, que envolve uma reinterpretação dos relatos de Gênesis).

Os apologistas consideravam o gnosticismo como produto da combinação entre filosofia grega e o cristianismo, é a helenização aguda do cristianismo (Adolf Harnack). O gnosticismo combinava elementos da filosofia grega, das religiões pagãs misteriosas, do judaísmo e do cristianismo, contudo, de forma diferente, o gnosticismo já existia no mundo pré-cristão, como aliado das religiões místicas orientais e atualmente, o gnosticismo tem sido visto como uma forma de misticismo, com influências babilônicas, egípcias, iranianas e hindus, além de sua forma de filosofia mística. No gnosticismo se combinavam a orientalização da civilização greco-romano e a helenização do Oriente. Provavelmente, a doutrina do gnosticismo foi influenciada, em parte, pelo mitraísmo, uma das religiões misteriosas da Pérsia. Mitra era um deus-herói, o qual, enquanto esteve na terra, dedicou-se ao serviço da humanidade. Após uma ceia que celebrava o sucesso de seus labores remidores, ele ascendeu aos céus; dali ajuda seus seguidores na terra no conflito deles contra as forças do mal. Os iniciados nessa adoração passam por sete estágios de desenvolvimento, o que prefigurava a passagem final da alma pelos sete céus. Mediante cerimônias místicas é que seus seguidores passariam por vários graus, e essas cerimônias incluíam abluções, refeições sagradas, ritos sacramentais, etc. Tal religião admitia somente varões em suas fileiras, pelo que somente os homens poderiam ser remidos.

E no que se refere ao cristianismo, o gnosticismo consistia, essencialmente, na tentativa de fundir as revelações dadas por meio de Cristo e seus apóstolos com os padrões de pensamento já existentes, o cristianismo tornar-se-ia apenas mais outro culto misterioso greco-romano.
GNOSTICISMO - TERMINOLOGIA E DOUTRINA

A palavra gnosticismo vem do grego "gnoskein" , "saber" e que segundo R.N. Champlin, refere-se a um movimento dedicado à obtenção de um conhecimento genuíno maior, por meio do qual, se cria, poderia ser obtida a salvação, ou seja, a gnose se propõe fazer o homem tomar consciência por si mesmo de que ele é deus, para que este conhecimento o leve à salvação.

De acordo com Samuel Vieira, o termo "gnose" ou conhecimento até a época de Platão, nunca foi usada senão no sentido de "conhecimento", a verdadeira realidade é discernida não pelos sentidos, mas pelo intelecto. Com o cristianismo o termo gnose passou a ser empregado de forma distinta, sendo designativo de um sistema filosófico ou uma certa forma de filosofia religiosa influenciada pelas idéias e linguagens cristãs.

O termo "gnósticos" foi originalmente usado pelos próprios grupos que buscavam a gnose, para eles, a questão fundamental é a "perfeição" (teleiõsis), obtida pela gnose, pelo conhecimento.

O Gnosticismo é uma descrição geral de uma série de escolas heréticas que ameaçaram a igreja, um movimento de ensinos esotéricos baseados em mitos que descreviam a criação do mundo por um demiurgo, afirmando que a salvação é encontrada através da gnose. Expliquemos melhor:

Segundo Champlin, o gnosticismo pintava a realidade dividida em dois dramas distintos, um espiritual e cósmico e outro histórico e terreno; no mesmo está retratado o ciclo de criação, da existência , dos sofrimentos, da morte e da ressurreição. Nos mais elevados céus estaria um ser supremo, intocável e inabordável. Um ser deísta "transcendental", o qual mediante poder criador, delegaria poder a seres inferiores, uma sucessão quase interminável de sombrios "aeons" (as emanações angelicais), os quais entrariam em contato com a matéria, ao mesmo tempo que ele não se deixava tocar na matéria, visto que esta seria o princípio mesmo do mal, o que só poderia contaminá-lo.


Também haveria um demiurgo - que teria criado o mundo, o qual entraria em contato com o mesmo. Antes de tudo, haveria trinta emanações superiores, e estariam bem próximas ao fogo central. Cada uma dessas emanações originou a emanação imediatamente inferior, pelo que haveria uma espécie de resplendor divino cada vez menor, com poderes cada vez mais limitados. Bem longe da chama divina, eis que chega uma emanação, a mais distante das trinta, que chegaria na linha separatória entre o que é celeste e o que é terreno. Visto estar ela tão distanciada de Deus, quando criou a terra, fez um mau trabalho, o que explicaria a confusão e os sofrimentos que há neste mundo como o problema do mal. Essa última das trinta emanações seria o demiurgo, sendo identificado com o Deus do Antigo Testamento, o Deus dos judeus - também haveria a pleroma ou manifestação total de Deus, nas dimensões celestiais, que seriam suas emanações, inferiores acompanhantes, de natureza terrena. O Deus Altíssimo não seria o responsável pela criação deste mundo e seu caos, pois este seria o domínio do "demiurgo".

O objetivo da vida seria então, a libertação da alma, que é a parte imaterial do homem, deste mundo material, porque a matéria, incluindo nosso corpo físico, seria inerentemente má, totalmente incapaz de redenção. Assim sendo, o alvo seria a separação entre o espírito e a matéria, ficando de lado a imperfeição e o mal, com a volta às dimensões do espírito, da luz e da santidade. Ora, em vista da matéria não poder ser redimida, não importa o que se faz com o corpo. A alma pode ser cultivada ao mesmo tempo em que o corpo é entregue a punição com ascetismo ou à licenciosidade e prazeres carnais, neste caso, ascetismo ou licenciosidade seriam meios de cooperação para a libertação da alma do meio ambiente físico.

Portanto, o propósito do gnosticismo seria o aniquilamento da raiz verdadeira de todo o mal, que é a matéria , para a elevação da alma, através do conhecimento e sabedoria esotéricos, reveladas aos gnósticos através de certos ritos, sacramentos, práticas mágicas, etc.

O gnosticismo prometia um conhecimento supremo por meio de práticas esotéricas ocultistas; os iniciados seriam conhecedores "do bem e do mal", experimentando o perfeito aeon e o soberano mônada que moram acima e além do universo; estas emanações sucessivas seriam conhecidas pela aletheia (verdade), logos (palavra) e zoe (vida), o nous (pensamento) e pela iniciação. Os iniciados teriam um entendimento completo e verdadeiro do universo, seriam os iluminados que teriam acesso aos segredos do Espírito, libertando-se do mundo mal da matéria. A gnose era, assim um conhecimento sublime.

Além disso, o gnosticismo falava, de acordo com Ricardo Gondim, do homem como um composto de corpo, alma e espírito. O corpo e a alma, produtos de poderes cósmicos, são partes do mundo e estão sujeitos às forças cegas do destino. O espírito, ou o pneuma, é a porção da substância divina que se liberta através do conhecimento. Como espírito liberta, alma adquire capacidade para superar o corpo (que é mau).

Segundo as idéias gnósticas , os homens pertenceriam a três categorias: os hílicos, os psíquicos e os pneumáticos. Os hílicos estariam presos à matéria, estando sempre sujeitos ao mal, às influências do reino das trevas, pelo que seriam totalmente incapazes de receber a redenção. Esse grupo incluiria a vasta maioria dos homens, sendo impossível para eles qualquer raio de esperança. Os psíquicos estariam sujeitos a uma redenção inferior, por meio da fé. Nessa classe eles numeravam os profetas do AT, bem como homens bons de toda sorte; mas, apesar da redenção dos tais ser digna, nunca faria os homens subirem aos paroxismos da glória. Os pneumáticos, sim, seriam os homens verdadeiramente espirituais, reabsorvidos no ser divino, perdendo totalmente a individualidade, conseguindo a redenção máxima através da "gnosis". Somente um exíguo número de iniciados poderia receber esse conhecimento remidor. Para eles o conhecimento seria manifestação superior a fé.

Além do mais, os gnósticos acreditavam que Cristo era mais um dentre os muitos "aeons" ou emanações angelicais. Seria um dentre muitos salvadores ou pequenos deuses, mas em sentido algum seria divino como Deus é divino, apenas um "aeon" que participava, em parte, da essência e dos atributos divinos. O fato de que os "aeons" podiam ter contato com a matéria, o princípio mesmo do mal, mostrava que Cristo não seria um "aeon" muito elevado. Nenhum "aeon" , muito menos o Verbo Divino (a primeira emanação) poderia encarnar-se , porquanto isso o envolveria na corrupção do mal. Portanto, o mundo seria um caos, porque o seu próprio criador teria problemas.

Contudo, os gnósticos eram "docéticos" (dokeo ' aparecer). Acreditavam eles que o "aeon" chamado de Espírito-Cristo, na realidade não se encarnava. Isso seria impossível, porque tal coisa serviria somente para corrompê-lo. Antes, seu suposto corpo humano seria um "fantasma", e tudo quanto fez aqui: encarnação, sofrimento, morte na cruz, foi um papel teatral. Ou então, conforme pensavam muitos gnósticos, o Espírito-Cristo teria vindo possuir o corpo físico de Jesus de Nazaré, quando de seu batismo tendo-o abandonado por ocasião de sua morte, pelo que a morte de Jesus não teria nenhum valor como expiação. Cristo, na qualidade de "aeon" poderia ser adorado como outros "aeons" o poderiam.
O GNOSTICISMO CONTEMPORÂNEO

Há na Igreja hoje, assim como em várias seitas (Ex.: Ciência Cristã, Ciência Divina, Teosofia, Igreja da Unificação, Escola da Unidade do Cristianismo, etc.), uma presença daquilo que ficamos conhecendo como a "heresia gnóstica", ou pelo menos, traços de algumas das suas características, como o forte/falso misticismo , o dualismo e um certo tipo de ascetismo, que afetou a Igreja do primeiro século e tem alcançado a igreja atual.

Poderemos detectar um certo gnosticismo em nossas Igrejas hoje, especialmente se tomarmos por paralelo a Igreja aos Colossenses, e a carta que o apóstolo Paulo escreve para os crentes de Colossos combatendo o gnosticismo e os seus ensinos que tinham base nas religiões misteriosas orientais.

Na igreja de Colossos, grande importância era dada aos "aeons"(seres angelicais/ emanações de Deus), entre eles Cristo, que era apenas um dos mediadores e salvadores, um pequeno deus, mais um dentre muitos "aeons", com um corpo aparente, que não poderia sofrer e nem morrer. Sua morte não teve valor expiatório, pois o "aeon" que tomara conta do corpo de Jesus, o homem, quando de seu batismo, abandonou-o por ocasião de sua crucificação. É o "dualismo" que existe entre a "matéria"(corpo) e o "Espírito", pois a carne é má e nenhum "aeon" santo poderia, na realidade, tomar carne humana, sem contaminar-se a si mesmo. Os "aeons", ou poderes angelicais, estavam no mesmo pé de igualdade com Cristo, e este tinha sua estatura diminuída. Os gnósticos não reconheciam a existência do Deus Triúno, e o Único que, com razão pode ser adorado pela criatura humana. Contudo, hoje o que mais temos visto é uma adoração, ou seria, uma exaltação aos anjos. Músicas lhe são prestadas, e visões confirmam a sua presença em cultos, onde eles descem, sobem, rodeiam a igreja, se instalam em pontos estratégicos da mesma, aumentando o poder e a autoridade da ministração.

Além disso, os gnósticos tinham incorporado alguns elementos das leis cerimoniais judaicas, aumentando as suas tendências ascéticas, criam que o desígnio do sistema cósmico é destruir toda a matéria, incluindo o corpo físico, visto que a matéria é má. O gnóstico pode cooperar com esse desígnio abusando do corpo, de maneira extremamente ascética ou licenciosa.

Os gnósticos tinham a idéia equivocada de que não importa o que fazemos com os nossos corpos, pois estes seriam veículos incuráveis do princípio do pecado, pensavam que deveriam abusar do corpo, sem que isso em nada prejudicasse a alma.

Os Colossenses optaram por um gnosticismo ascético, restrições dietéticas, jejuns e provisões ritualistas intermináveis, eram vegetarianos e celibatários, pregavam uma doutrina que ordenava : "não manusear", "não provar", principalmente no que diz respeito às questões sexuais.

Assim como os gnósticos de Colossos, muitos cristãos (e suas respectivas denominações) têm praticado um ascetismo extremado em suas igrejas. É proibição quanto às vestes, cortes de cabelo, hábitos higiênicos: como a depilação feminina, etc., são regras, ordenanças, tradições legalistas com objetivo de mortificar a carne e "elevar" o Espírito.

Os gnósticos também primavam (principalmente) por um falso misticismo, um misticismo oriental que não transformava moralmente, pois, devido às suas visões e êxtases, eles estavam "fora" das questões morais e éticas. Eles eram os "pneumáticos", ou os verdadeiramente espirituais, que tinham a salvação não mediante a fé, mas, mediante o "conhecimento" (falso), aqueles que mediante ritos sagrados, artes mágicas e misticismo, receberiam a redenção completa, a reabsorção pelo Espírito divino, perderiam a identidade pessoal , e teriam o "Ego" transformado em "superego".

Por fim, o que temos visto nas igrejas evangélicas hoje (em especial, no nosso Brasil), são pastores induzindo pessoas à acreditarem no poder das "inúmeras correntes", campanhas de "n°" dias, óleos de Israel, sal ungido ( e, também, flores, sapatilhas, tapetes, roupas e até travesseiros ungidos); no poder das palavras de fé - confissão positiva. Muitas igrejas são conhecidas por sua Teologia da Prosperidade, onde a saúde perfeita, a prosperidade material, são "provas" da satisfação de Deus para com o indivíduo; pela prática, ou seria, pela exploração do exorcismo (estes dias ouvi de um pastor o convite para um banho de 'descarrego' em sua igreja , durante um programa em um dos meios de comunicação.

CONCLUSÃO


 A heresia gnóstica esteve presente na igreja cristã primitiva por cerca de cento e cinquenta anos, e oito livros do Novo Testamento foram escritos contra ela: Colossenses, três epístolas joaninas e a epístola de Judas, além de alusões feitas também no Evangelho de João, no livro de Apocalipse e na epístola aos Efésios.

O gnosticismo era uma mistura de misticismo oriental, filosofia, mitologia, astrologia, neoplatonismo grego, judaísmo e por fim, também, cristianismo. Os gnósticos se gabavam de uma filosofia superior, sustentavam que a salvação é fruto do conhecimento (da gnosis), e praticavam um misticismo falso, onde Cristo não é o centro nem o "o poder mais elevado que um indivíduo busque entrar em contato", pelo contrário, os gnósticos diminuíam a pessoa de Cristo, valorizando coisas inferiores como seres angelicais e visões, negando a honra que cabe à Cristo e ignorando o seu senhorio. Russell Norman Champlim, fala que "os mestres gnósticos faziam dos poderes angelicais objetos de adoração, e também desviam as nossas mentes para longe da posição de Cristo como cabeça; no entanto, a condição básica para que alguém seja discípulo autêntico de Cristo é que aceite seu senhorio (Cl 2.9)". Na verdade, muitos religiosos hoje, tem supervalorizado a presença e atuação dos anjos nos cultos e desvalorizado a pessoa de Cristo. Já não vale a obra expiatória de Cristo e seu sofrimento, seu sangue vertido não foi suficiente, é preciso que o "crente-gnóstico-pneumático" se esforce em suas práticas ascéticas, elevado misticismo, acirrada adoração aos anjos, ajudando Cristo na obra de salvação.

Os gnósticos cristãos do passado eram ascéticos, quando não licenciosos, adoravam anjos, não tinham idéia de expiação pelo sangue, acreditavam em uma grande hierarquia de poderes angelicais, "aeons" que seriam mediadores entre Deus e os homens e, elevavam a "gnosis" (o conhecimento) em contraste com a "fé", como meio de "salvação". E as nossas Igrejas hoje, em que elas se assemelham ao gnosticismo passado?

Podemos citar alguns exemplos de práticas gnósticas dentro da Igreja hoje, como o uso de objetos e símbolos materiais destinados a curas e milagres, são flores, sais e óleos ungidos. Programas evangélicos televisionados que exploram o exorcismo de demônios, além de pedir aos telespectadores que coloquem peças de roupas e copos de água sobre o televisor para estes serem abençoados. Ainda, existe o "quite de beleza da rainha Ester" e o "travesseiro da ressurreição dos sonhos"..., além das divinas revelações do inferno e do céu e a prática da palavra positiva e de chavões como: "tá amarrado!", "queima!", etc. Kennety Hagin, em um dos seus livros ensina: "Eu disse: em nome de Jesus (você entende, o nome representa toda a sua autoridade e poder!) não tenho dor de cabeça. Em nome de Jesus não vou ter dor de cabeça. E em nome de Jesus... a dor de cabeça saiu... Alguém disse: "gostaria que funcionasse para mim". Não funciona por meio do desejo. Funciona por meio do conhecimento". Correntes e campanhas exaustivas, supervalorização de dons e venda de meios de graça, além do acirrado ascetismo de algumas denominações.

Todas estas coisa nos lembra o gnosticismo combatido tão fortemente pelos apóstolos, como o trecho de I Tm 2.5 que foi escrito para contrapor o gnosticismo que propunha uma grande quantidade de mediadores, Cristo é o único mediador entre Deus e o homem; quando o apóstolo fala (Cl 1. 16) que só há um poder Criador e não vários "aeons" criadores, dignos de adoração; e que "todas" as pessoas podem chegar ao "pleno conhecimento da verdade", e sejam salvos mediante o sacrifício expiatório de Cristo, e não apenas os "pneumáticos" ou os verdadeiramente "espirituais" como se consideravam os gnósticos. Além disso, no seu combate ao gnosticismo, Paulo escrevendo aos Colossenses, salienta as ordens angelicais (1.16), asseverando que Cristo é o seu Criador e Senhor, exigindo ele adoração, que não pode ser conferida aos anjos (Cl 2.18), faz alusão aos "mistérios"(1.26;22), ataca o ascetismo exagerado (2.20), dá a definição de "sabedoria" e de "conhecimento"(2.2,3), como algo pertencente originalmente a Cristo, sendo Ele o "pleroma", a "plenitude"(2.8,9), salienta que toda criação encontrará em Cristo o Princípio e Fim (1.16), nega o "deísmo", pois Cristo é a imagem e manifestação do deus invisível (1.15), senhor do Universo (2.19), além de dá o valor à morte de Cristo como expiação e salvação para todos (1.20).

Portanto, o gnosticismo que tão preocupadamente foi combatido pelos apóstolos e posteriormente pelos Pais da Igreja e grandes Apologistas dos primeiros séculos, deverá ser detectado e urgentemente combatido em nossas igrejas. É uma forma de gnosticismo/misticismo sutil, uma idéia corrosiva em "pele de cordeiro". A igreja deve estar atenta para estes fatos e retornar com todo ardor para as Escrituras , pois somente ela produz o Conhecimento verdadeiro , e somente Cristo, o Filho de Deus dá salvação para o homem perdido.

Finalmente, "Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra. E em Jesus cristo, seu Filho Unigênito, nosso Senhor, concebido pelo Espírito Santo e nascido da virgem Maria; que padeceu sob Pôncio Pilatos , foi sepultado, e ao terceiro dia ressurgiu dos mortos; que subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai Todo-Poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos.

Creio no Espírito Santo, (na igreja universal), na comunhão dos santos, na remissão de pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém." (Credo Apostólico - Século III e IV)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUER, Johannes. Dicionário de Teologia Bíblica. Vol. I. Loyola, São Paulo: 1988.

CHAMPLIM, R. N. BENTES, I. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. II. Candeia, São Paulo: 1997.

CHAMPLIM, R. N. Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. Milenium, São Paulo.

ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Vol. II. Vida Nova, São Paulo: 1990.

FRIES, Heinrich. Dicionário de Teologia Bíblica. Vol. I. Loyola, São Paulo: 1988.

VIEIRA, Samuel. O Império Gnóstico Contra-Ataca. Cultura Cristã, São Paulo: 1999.

Por: EUDALDO FREITAS MEDRADO 

A Trindade e os falsos deuses.

Deus não é uma “brisa suave que navega no íntimo da natureza”, mas a Trindade que ama o homem e o leva à plenitude de seu ser.
Os gurus da espiritualidade moderna têm constantemente relegado Deus à esfera dos sentimentos e da subjetividade. Para a "nova era" pagã, a divindade não passa de "um fluido", "um sopro", "uma brisa suave navegando no íntimo da natureza". Não é raro ouvir teólogos e pessoas aparentemente cultas apresentando uma visão maleável de Deus, visão que elas mesmas criaram e indicam aos outros como um remédio grosseiro para suas angústias.
Esses charlatões foram a causa de o Papa Paulo VI ter afirmado, com tristeza, que "a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus": "Não se tem mais confiança na Igreja; põe-se confiança no primeiro profeta profano que nos vem falar em algum jornal ou em algum movimento social, para recorrer a ele pedindo-lhe se ele tem a fórmula da verdadeira vida".

Isto que o Papa identificou há mais de 40 anos continua acontecendo hoje. De fato, "não se tem mais confiança na Igreja": as pessoas têm preferido aderir às posições e ideias do mundo a ouvir o Papa e os bispos em comunhão com ele; têm preferido as próprias opiniões às palavras do Sagrado Magistério; têm se tornado, em suma, autênticos protestantes, já que, longe de acatar a autoridade da Igreja, fazem os seus próprios dogmas e leis morais. O objeto da adoração que fazem, no fim das contas, não é Deus Criador, mas eles mesmos.

Negar a Igreja, no entanto, pavimenta o caminho para uma grande Babel. O que são tantas teorias confusas a respeito de Deus senão uma negação do sobrenatural? A teologia do conhecido pastor luterano Dietrich Bonhoeffer, ao propor um modo de ser cristão "sem Deus", é uma dessas teorias. Segundo ele, seria importante tomar a coragem e a doação do "Jesus histórico" como exemplos, mas Deus mesmo não existiria, seria apenas uma explicação mágica para a resolução de um problema intelectual.

É claro, falar de Deus como de uma noção abstrata é muito conveniente. Afinal, se Ele é apenas uma centelha presente na natureza; se não se trata de um ser pessoal, que criou o mundo e amou o homem a ponto de não se apegar "ciosamente a ser igual em natureza a Deus Pai", mas assumir "a condição de um escravo, fazendo-se aos homens semelhante", então, está a se falar de algo distante, que absolutamente não diz respeito ao homem. Ao contrário, se é verdade que Ele se encarnou e, humilhando-se ainda mais, obedeceu "até à morte, até à morte humilhante numa cruz", assumir isso compromete toda a existência humana. Com efeito, toda ela passa a ser encarada tão somente como resposta a esse amor de Cristo, tão "forte como a morte" .

Se, por um lado, é conveniente não se comprometer, as satisfações que essa opção traz são sempre inconvenientes. Só o Deus trino da religião cristã pode verdadeiramente saciar os seres humanos e, enquanto estes teimam com teorias relativistas, caminham pelo escuro, às apalpadelas. Se, além disso, eles apregoam como verdadeiras essas opções que não passam de válvulas de escape, a situação torna-se ainda mais terrível. "São cegos guiando cegos" , diria Jesus, olhando para o seu comportamento.

Para solucionar toda essa confusão, a única saída chama-se fé. Deus não é o "espírito de luz" que a modernidade moldou, mas a Trindade santa que Cristo revelou e deixou estampada na Cruz. Ainda que permaneça um mistério e que não caiba na cabeça humana, assim é o Deus que falou a Israel e se mostrou em Jesus Cristo. Construir outras ideias de divindade, ainda que aparentemente lógicas, equivale a confeccionar para si imagens de barro, que "têm boca e não podem falar, têm olhos e não podem ver; tendo ouvidos, não podem ouvir, nem existe respiro em sua boca". "Como eles" – adverte o salmista – "serão seus autores, que os fabricam e neles confiam!" .

Por Equipe Christo Nihil Praeponere

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Os Documentos da Igreja.

As perguntas são válidas e interessantes. A Igreja Católica crê e ensina que certas compreensões da Sã Doutrina, que ela guarda e proclama, tornaram-se possíveis para nós através de uma gradual revelação dada por Deus através dos tempos. Podemos dizer que, em algum nível, este processo já vem desde os tempos do Antigo Testamento, já que Deus se comunica com o seu povo, é claro, desde antes da vinda do Cristo.

O Senhor Jesus, único Salvador da humanidade, trouxe e anunciou o Evangelho final e definitivo, mas a compreensão da sua Sã Doutrina é baseada na Revelação que se dá progressivamente através da História. Por isso, necessitamos sempre de constante estudo, reflexão, oração e contemplação.

Essa compreensão gradativa da Revelação, no entanto, permanece sempre fiel à própria Revelação, e é sempre orientada pelo Magistério da Igreja à qual foi confiada a autoridade sobre a mesma Sã Doutrina, diretamente por Nosso Senhor. – Esta definição progressiva é chamada de "desenvolvimento da Doutrina". Aqui é que se encaixam os documentos da Igreja, e onde fica evidente sua fundamental importância.

Alguns têm dificuldade com esta realidade, imaginando que a afirmação de que a doutrina se desenvolve com o passar do tempo é contraditória, se a Igreja Católica também afirma que sua doutrina é idêntica àquela que os Apóstolos possuíram. Existiria aí uma dicotomia? Não; ocorre que existem duas categorias distintas no desenvolvimento da Doutrina: a propriedade objetiva do que é a doutrina e a compreensão subjetiva desta propriedade objetiva. Complicou? Usemos então de um exemplo bem simples para facilitar a compreensão: os primeiríssimos cristãos não adotavam, ao menos não formalmente, o conceito de Trindade para falar de Deus. Encontramos nas Escrituras inúmeras afirmações que não deixam margem para dúvida de que entendiam Jesus como Deus, e o Espírito Santo como Deus, além de Deus Pai; possivelmente, a evidência máxima neste sentido esteja no Evangelho segundo Mateus (28,19), quando o Cristo manda batizar os conversos em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

Mesmo assim, não é dito explicitamente, em nenhuma parte da Sagrada Escritura, que Deus é Trindade, ou que Deus é Um em Três Pessoas, co-Existentes e Eternas constituindo um só SER. A palavra “Trindade” não se encontra na Bíblia, e o conceito formal da doutrina da Santíssima Trindade não é formulado pelos Apóstolos. Mas nós sabemos muito bem que eles acreditavam em Deus Pai, tanto quanto confessavam que Jesus é Deus e que o Espírito Santo é Deus. Logo, a Doutrina da Santíssima Trindade já estava presente na Revelação trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo desde sempre, mas foi desenvolvida no correr dos tempos, pelos filhos eminentes da Igreja. Ela não foi inventada por algum teólogo ou pensador, apenas desenvolvida. Desenvolver a Doutrina é como perscrutá-la, compreendê-la, dissecá-la, observá-la para notar suas nuances, e transmitir isto aos irmãos de fé, – o Corpo da Igreja.

Isto significa que os conceitos por trás das declarações dogmáticas que surgiram depois do período apostólico já eram essencialmente possuídos pelos Apóstolos, embora, em alguns casos, não formulados por eles. Eles conheciam e confessavam estas verdades, embora de modo elementar, ainda não formal. Em outras palavras, – outro exemplo, – os termos e sentenças dogmáticas que descrevem a Consubstanciação de Cristo ao Pai como "homoousious" (uma só Substância) não foram explicitamente definidos ou usados pelos Apóstolos, mas o conceito por trás dos termos lhes foi dado "de uma vez por todas" por Cristo, – ainda que estes conteúdos talvez não fossem possuídos conscientemente por eles, ao menos no formato dogmático com que o Concílio de Niceia os professou.

Assim, o desenvolvimento da Doutrina acontece em nosso reconhecimento cada vez mais claro de um certo ponto da Revelação, que entretanto sempre foi o mesmo e sempre afirmou a mesma verdade objetivamente, seja no século 1 ou no 21. Uma analogia adequada para a questão, embora imperfeita, é a dos estudos da ciência oceanográfica: a civilização humana conhece há muitas gerações, por exemplo, o Oceano Atlântico. Ainda assim, o nosso conhecimento do Oceano Atlântico têm aumentado desde que nossos ancestrais descobriram que ele simplesmente existia. O conhecimento gradual do que é o Oceano Atlântico, – sua temperatura, movimento, topografia, fauna e flora, – não modifica a realidade imutável do próprio Oceano, que permanece o mesmo de sempre, aquele que já existia desde o começo. Nosso conhecimento subjetivo do Oceano Atlântico é que sofre algum tipo de crescimento. Nossa percepção do Oceano Atlântico, entretanto, nunca crescerá tanto a ponto de imaginarmos que, algum dia, a humanidade se recusará a chamá-lo de oceano e dizer, ao invés disso, que se tratava de uma montanha, o tempo todo...

Partindo desta analogia, vemos a Revelação como é objetivamente. Foi-nos dada de uma vez por todas e é imutável: é o que é. Ainda assim, rezando, meditando, contemplando, estudando e vivenciando, vamos percebendo certas facetas deste diamante que antes não havíamos notado. Este crescimento em conhecimento nada adiciona à Revelação no sentido objetivo, mas demonstra que a nossa compreensão a seu respeito se desenvolve subjetivamente

Esta Revelação, imutável e definitiva, é transmitida pela Igreja sob a forma da Tradição: a Sã Doutrina cristã e católica está expressa e resumida no Credo dos Apóstolos, no Credo Niceno-Constantinopolitano e também nos documentos da Igreja, que ao longo da história cresceu na fé e produziu a Teologia. Dessa maneira foram criadas diversas formas de comunicação desta compreensão da Revelação, destinadas a toda a Igreja (clero e leigos). Assim é que surgiram os documentos, as diretrizes e as normas baseadas na experiência e observância da prática cristã e da Doutrina da Igreja. Logo, tudo que até hoje foi publicado oficialmente pela Igreja (documentos) têm grande importância para a compreensão da autêntica Fé cristã.

Se o Magistério da Igreja extrai da Revelação Divina todo o ensinamento que dá aos fiéis, – que se compõe da Tradição oral que veio dos Apóstolos e da Tradição escrita, e se é sobre essa Tradição (escrita e oral, com igual importância nas duas formas), que o Magistério assenta seus ensinamentos infalíveis, - podemos dizer que sim, sem dúvida os documentos da Igreja são tão verdadeiros quanto as Escrituras. E como sabemos, sem a Revelação oral, que chegou até nós por meio dos Apóstolos, a Bíblia Sagrada não existiria, já que ela foi redigida, canonizada e preservada pela Igreja Apostólica através dos séculos. As Sagradas Escrituras constituem, portanto, a Sagrada Tradição da Igreja por escrito.

Documentos oficiais da Igreja e sua classificação:

Se um documento é oficial aparece na Acta Apostolicae Sedis (versão em formato PDF aqui).

Classificação dos Documentos Pontifícios :

• Carta Encíclica:

a) doutrinal,

b) exortatória,

c) disciplinar;

• Epístola Encíclica;

• Constituição Apostólica;

• Exortação Apostólica;

• Carta Apostólica;

• Bula;

• Motu Próprio.

Oração e alegria: a Via da Purificação e a Via da Iluminação

A CONVERSÃO, no cristianismo, é um processo que se dá com base principalmente na vontade. Nesse processo, o elemento mais importante não é o intelecto, e menos ainda a emoção, por seu caráter efêmero, fugaz, inconstante. Atualmente, entretanto, florescem movimentos religiosos que valorizam o sentimentalismo, criando e alimentando nos fiéis a ideia de que o “sentir-se bem” deve servir como principal parâmetro para decidir se aquele caminho religioso é autêntico ou não.

"Aqui está Deus, porque aqui eu me sinto bem", é o pensamento dos frequentadores de certos grupos religiosos. Acham, por exemplo, que a oração ideal é aquela em que o sujeito fica emocionado, chora, sente um ardor no peito... As Missas e/ou cultos são excessivamente animados, muitas vezes com batucadas ou guitarras distorcidas e bateria alta, aplausos constantes e até danças coreografadas. Tudo isso cria um estado de euforia e empolgação, mas... Trata-se de uma alegria passageira. E a pessoa fica condicionada a querer sempre mais. Logo começa a pensar que, numa celebração em que não aconteça todo aquele ardor festivo, Deus não está presente. Será?

Grandes santos e doutores da Igreja, como Tomás de Aquino, João da Cruz e Catarina de Sena, entenderam que a construção da verdadeira alma cristã passa por etapas distintas, dentre as quais a Via da Purificação e a Via da Iluminação.

A Via da Purificação
O primeiro momento da Via da Purificação ocorre quando a alma encontra Deus: num primeiro momento, sente-se saciada e amada por Ele. Começa a reconhecer Deus como Amigo, Companheiro... Pai: o Deus que é Bom, que é Provedor, que nos ama e salva. As orações são fervorosas, a alma sente-se “enamorada” de Deus. Há muita alegria e entusiasmo nessa fase, que pode ser simbolizada pelo tempo em que os Apóstolos conviveram face a Face com Jesus. Eles compartilhavam da intimidade do Senhor, caminhavam juntos, tiveram a imensa graça de presenciar seus grandiosos milagres e de contemplar Jesus Glorioso no alto do Tabor (Mt 17,1-9; Mc 9,2-8; Lc 9,28-36; 2Pd 1,16-18). Desfrutavam da reconfortante sensação de serem “amigos de Deus”.

No segundo momento da Via da Purificação, porém, a alma começa a perceber que continua com os mesmos defeitos, que tinha antes de conhecer a Deus, antes desta primeira conversão. É um momento difícil, delicado. Um símbolo desse estágio é a passagem em que S. Pedro, discípulo destacado em quem Jesus confiou de modo especial, e a quem concedeu as Chaves do Reino, nega o Senhor por três vezes, chegando mesmo a dizer “Não conheço esse homem!” (Mt 26,74). – É quando o convertido percebe que ainda precisa lutar, e lutar contra si mesmo, contra suas fraquezas, medos e antigos vícios, pois ainda é o mesmo ser humano pequeno e falho. – É a “luta da carne contra o espírito” referida no Evangelho segundo S. Marcos (14,38) e em todo o capítulo 7 da Epístola aos Romanos. A oração, então, perde fervor; a alma tem a impressão de que Deus não lhe responde. Surge um vazio. E é então que dois possíveis caminhos se abrem, e um deles deverá ser escolhido: o da purificação ou o da queda.

1ª possibilidade: a purificação – Acontece se a alma começa a aprender que, mesmo em Comunhão com Deus, continua somente humana e fraca; que tem de se entregar a Deus a cada dia, a cada instante, e que nada menos que essa entrega total será suficiente. Entende que ser cristão é tornar-se verdadeiramente manso e humilde diante do Criador. Não é preciso e de nada adiantará buscar Deus nas fortes emoções, nas sensações intensas… É a silenciosa e simples Presença de Deus que lhe dá força, e nada mais é necessário. E essa pessoa, – que não apenas confessa a fé no muito falar, mas ama a Deus em seu íntimo, – prossegue, esquecendo-se de si própria. É um outro processo delicado: o da eliminação do amor próprio.

Importante dizer que eliminar o amor próprio, nesse caso, não quer dizer desprezar-se ou odiar a si mesmo, num sofrimento doentio, esquizofrênico e estéril. Eliminar o amor próprio é "negar-se a si mesmo", como diz Nosso Senhor (Mc 8,34-35), no sentido de reconhecer-se pequeno, incapaz de alcançar a salvação por seus próprios méritos. Quer dizer aceitar suas limitações e render-se diante da Soberania Divina. Por nós mesmos, nada podemos fazer (Jo, 15, 5). É Deus Quem realiza em nós as grandes e pequenas coisas.

2ª possibilidade: a queda – acontece se a alma chega a não suportar mais o fato de que Deus não lhe responde. Não suporta e não aceita que seja tão fraca. Começa a achar que, ao procurar Deus, exagerou na dose, que na realidade tudo não passou de um furor vazio, uma ilusão. A fé começa a se enfraquecer, cai nos vícios; a pessoa se perde do caminho da purificação, retomando, por fim, sua vida antiga, a que levava antes da conversão, antes de ter se interessado por Deus.

A Via da Iluminação

Finalmente, aquele que vence a etapa da Via da Purificação começa a Via da Iluminação. É quando a alma adquire uma maior consciência da Presença de Deus, começa a ver o Toque de Deus no dia-a-dia, a manifestação do Amor de Deus às suas criaturas, mesmo no sofrimento, nas dores e dificuldades. Começa a perceber e saber que Deus está sempre com ela, e compreende que até mesmo as decepções deste mundo têm sua razão de ser, pois “tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28). A alma tem o que se chama de “Presença de Deus”, como diz o Senhor a Santa Catarina de Sena em sua obra clássica “Diálogos”:

“Nada foi feito e nada se faz sem a resolução da minha divina Providência. Em tudo o que permito, em tudo o que vos dou, nas tribulações e nas consolações, temporais ou espirituais, nada faço senão para o vosso bem, para que sejais santificados em Mim e para que minha Vontade se cumpra em vós.” (Diálogos, cap.166)

A via da iluminação, entretanto, tem ainda um risco: a alma está subindo importantes degraus em direção a Deus, sim, porém, quanto maior a altura, maior poderá ser a queda. A alma deve permanecer no seu caminho de encontro a Deus e o desafio nessa fase é superar o orgulho espiritual, isto é, o de achar-se melhor que os outros, julgar-se especial, mais santo, mais sábio, mais iluminado. Corre o risco de achar inválida ou até ridícula as manifestações de fé alheias. A alma pode viver um egoísmo, uma soberba espiritual. Sabe que Deus está com ela, e ama também a Deus, mas tem dificuldade em amar igualmente as demais pessoas, porque enxerga seus erros e não os compreende. Quer que as coisas sejam “do seu jeito”, não aceita quem vive de modo diferente.

Esta é uma etapa importantíssima a ser vencida. Se a alma conseguir superar mais este desafio, estará verdadeiramente próxima de Deus e de uma vida cristã abençoada. – O que, por sua vez, não significa estar livre de todos os problemas e dificuldades deste mundo, mas saber lidar realmente bem com todas as situações, de modo sereno e tranquilo. – A alegria não mais se dissipará, o desespero não mais encontrará lugar, pois existirá a consciência da permanente Presença de Deus em todos os momentos. Reinará nesta vida uma alegria calma, silenciosa, perene, refletida, prudente, sensata. Vemos esse tipo de comportamento, reflexo da autêntica Comunhão com Deus, nas vidas dos santos. É esta fé e é esta consciência que conferem o amor, a coragem, a paciência e a persistência necessárias para ser cristão na prática. O próximo estágio será o da transformação maior e definitiva da alma, a chamada Via Unitiva dos Perfeitos, em que se vive o mais alto estágio da perfeição cristã.

Conclusão
Talvez aquelas celebrações citadas no começo deste artigo, fundamentadas na emoção e na euforia, coloquem os fiéis que delas participam no caminho da purificação, naquele primeiro estágio em que a pessoa "encontra Jesus": é aquele momento muito feliz, alegre e agradável, que vem após a conversão espiritual. É quando a pessoa começa a chegar perto de responder às grandes perguntas existenciais (Quem eu sou? De onde venho? Por que existo? Quem é Deus?).

Os movimentos pentecostais ou carismáticos valorizam esse clima de emoção, e não há problema nisso. Ocorre que, se a emoção é posta como condição ou parâmetro para a prática religiosa, com o tempo surgirá a inevitável crise de identidade espiritual. A alegria inicial não dura para sempre, ao menos não no plano sensitivo (expansivo). E então, quando a pessoa começa a sentir que está “enfraquecendo” na fé, pois o seu entusiasmo começa a esmorecer, se o esforço se concentrar somente em manter aquela emoção inicial, o risco de cair é grande. É aí que o católico mal orientado deixa de ir à Missa, abandona a Igreja, esquece Deus. Sente como se tudo tivesse ficado no passado, quer resgatar a alegria inicial, não se conforma com o esfriamento dos sentidos. Muitos, nesse momento de fragilidade, acabam encontrando alguma seita fundamentalista e, na ânsia por recuperar as emoções iniciais, aderem a uma nova religião. Comumente, a partir daí continuam migrando de uma "igreja" para outra, num processo angustiante, sem nunca encontrarem verdadeiramente o que buscam.

Sem uma formação sólida, abrem-se as portas para a perda da fé verdadeiramente católica. É inútil querer "prender" alguém somente pela emoção. O pretenso e forçado "carismatismo" se situa fora da fé, fora da Verdade, fora da religião tal como Deus a criou. Ninguém pode depender das próprias emoções, tornando-se seu "refém" para continuar fiel a Deus. Deus está na alegria da conversão, mas está também na oração silenciosa, na contemplação do Mistério Divino, na quietude da adoração interior e verdadeiramente espiritual, no silêncio de uma reflexão cheia de amor e devoção sincera.
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• Referência:

LAGRANGE. Garrigou. As Três Vias e as Três Conversões, 4ª ed. Rio de Janeiro: Permanência, 2011.