quarta-feira, 23 de abril de 2014

Os Documentos da Igreja.

As perguntas são válidas e interessantes. A Igreja Católica crê e ensina que certas compreensões da Sã Doutrina, que ela guarda e proclama, tornaram-se possíveis para nós através de uma gradual revelação dada por Deus através dos tempos. Podemos dizer que, em algum nível, este processo já vem desde os tempos do Antigo Testamento, já que Deus se comunica com o seu povo, é claro, desde antes da vinda do Cristo.

O Senhor Jesus, único Salvador da humanidade, trouxe e anunciou o Evangelho final e definitivo, mas a compreensão da sua Sã Doutrina é baseada na Revelação que se dá progressivamente através da História. Por isso, necessitamos sempre de constante estudo, reflexão, oração e contemplação.

Essa compreensão gradativa da Revelação, no entanto, permanece sempre fiel à própria Revelação, e é sempre orientada pelo Magistério da Igreja à qual foi confiada a autoridade sobre a mesma Sã Doutrina, diretamente por Nosso Senhor. – Esta definição progressiva é chamada de "desenvolvimento da Doutrina". Aqui é que se encaixam os documentos da Igreja, e onde fica evidente sua fundamental importância.

Alguns têm dificuldade com esta realidade, imaginando que a afirmação de que a doutrina se desenvolve com o passar do tempo é contraditória, se a Igreja Católica também afirma que sua doutrina é idêntica àquela que os Apóstolos possuíram. Existiria aí uma dicotomia? Não; ocorre que existem duas categorias distintas no desenvolvimento da Doutrina: a propriedade objetiva do que é a doutrina e a compreensão subjetiva desta propriedade objetiva. Complicou? Usemos então de um exemplo bem simples para facilitar a compreensão: os primeiríssimos cristãos não adotavam, ao menos não formalmente, o conceito de Trindade para falar de Deus. Encontramos nas Escrituras inúmeras afirmações que não deixam margem para dúvida de que entendiam Jesus como Deus, e o Espírito Santo como Deus, além de Deus Pai; possivelmente, a evidência máxima neste sentido esteja no Evangelho segundo Mateus (28,19), quando o Cristo manda batizar os conversos em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

Mesmo assim, não é dito explicitamente, em nenhuma parte da Sagrada Escritura, que Deus é Trindade, ou que Deus é Um em Três Pessoas, co-Existentes e Eternas constituindo um só SER. A palavra “Trindade” não se encontra na Bíblia, e o conceito formal da doutrina da Santíssima Trindade não é formulado pelos Apóstolos. Mas nós sabemos muito bem que eles acreditavam em Deus Pai, tanto quanto confessavam que Jesus é Deus e que o Espírito Santo é Deus. Logo, a Doutrina da Santíssima Trindade já estava presente na Revelação trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo desde sempre, mas foi desenvolvida no correr dos tempos, pelos filhos eminentes da Igreja. Ela não foi inventada por algum teólogo ou pensador, apenas desenvolvida. Desenvolver a Doutrina é como perscrutá-la, compreendê-la, dissecá-la, observá-la para notar suas nuances, e transmitir isto aos irmãos de fé, – o Corpo da Igreja.

Isto significa que os conceitos por trás das declarações dogmáticas que surgiram depois do período apostólico já eram essencialmente possuídos pelos Apóstolos, embora, em alguns casos, não formulados por eles. Eles conheciam e confessavam estas verdades, embora de modo elementar, ainda não formal. Em outras palavras, – outro exemplo, – os termos e sentenças dogmáticas que descrevem a Consubstanciação de Cristo ao Pai como "homoousious" (uma só Substância) não foram explicitamente definidos ou usados pelos Apóstolos, mas o conceito por trás dos termos lhes foi dado "de uma vez por todas" por Cristo, – ainda que estes conteúdos talvez não fossem possuídos conscientemente por eles, ao menos no formato dogmático com que o Concílio de Niceia os professou.

Assim, o desenvolvimento da Doutrina acontece em nosso reconhecimento cada vez mais claro de um certo ponto da Revelação, que entretanto sempre foi o mesmo e sempre afirmou a mesma verdade objetivamente, seja no século 1 ou no 21. Uma analogia adequada para a questão, embora imperfeita, é a dos estudos da ciência oceanográfica: a civilização humana conhece há muitas gerações, por exemplo, o Oceano Atlântico. Ainda assim, o nosso conhecimento do Oceano Atlântico têm aumentado desde que nossos ancestrais descobriram que ele simplesmente existia. O conhecimento gradual do que é o Oceano Atlântico, – sua temperatura, movimento, topografia, fauna e flora, – não modifica a realidade imutável do próprio Oceano, que permanece o mesmo de sempre, aquele que já existia desde o começo. Nosso conhecimento subjetivo do Oceano Atlântico é que sofre algum tipo de crescimento. Nossa percepção do Oceano Atlântico, entretanto, nunca crescerá tanto a ponto de imaginarmos que, algum dia, a humanidade se recusará a chamá-lo de oceano e dizer, ao invés disso, que se tratava de uma montanha, o tempo todo...

Partindo desta analogia, vemos a Revelação como é objetivamente. Foi-nos dada de uma vez por todas e é imutável: é o que é. Ainda assim, rezando, meditando, contemplando, estudando e vivenciando, vamos percebendo certas facetas deste diamante que antes não havíamos notado. Este crescimento em conhecimento nada adiciona à Revelação no sentido objetivo, mas demonstra que a nossa compreensão a seu respeito se desenvolve subjetivamente

Esta Revelação, imutável e definitiva, é transmitida pela Igreja sob a forma da Tradição: a Sã Doutrina cristã e católica está expressa e resumida no Credo dos Apóstolos, no Credo Niceno-Constantinopolitano e também nos documentos da Igreja, que ao longo da história cresceu na fé e produziu a Teologia. Dessa maneira foram criadas diversas formas de comunicação desta compreensão da Revelação, destinadas a toda a Igreja (clero e leigos). Assim é que surgiram os documentos, as diretrizes e as normas baseadas na experiência e observância da prática cristã e da Doutrina da Igreja. Logo, tudo que até hoje foi publicado oficialmente pela Igreja (documentos) têm grande importância para a compreensão da autêntica Fé cristã.

Se o Magistério da Igreja extrai da Revelação Divina todo o ensinamento que dá aos fiéis, – que se compõe da Tradição oral que veio dos Apóstolos e da Tradição escrita, e se é sobre essa Tradição (escrita e oral, com igual importância nas duas formas), que o Magistério assenta seus ensinamentos infalíveis, - podemos dizer que sim, sem dúvida os documentos da Igreja são tão verdadeiros quanto as Escrituras. E como sabemos, sem a Revelação oral, que chegou até nós por meio dos Apóstolos, a Bíblia Sagrada não existiria, já que ela foi redigida, canonizada e preservada pela Igreja Apostólica através dos séculos. As Sagradas Escrituras constituem, portanto, a Sagrada Tradição da Igreja por escrito.

Documentos oficiais da Igreja e sua classificação:

Se um documento é oficial aparece na Acta Apostolicae Sedis (versão em formato PDF aqui).

Classificação dos Documentos Pontifícios :

• Carta Encíclica:

a) doutrinal,

b) exortatória,

c) disciplinar;

• Epístola Encíclica;

• Constituição Apostólica;

• Exortação Apostólica;

• Carta Apostólica;

• Bula;

• Motu Próprio.

Oração e alegria: a Via da Purificação e a Via da Iluminação

A CONVERSÃO, no cristianismo, é um processo que se dá com base principalmente na vontade. Nesse processo, o elemento mais importante não é o intelecto, e menos ainda a emoção, por seu caráter efêmero, fugaz, inconstante. Atualmente, entretanto, florescem movimentos religiosos que valorizam o sentimentalismo, criando e alimentando nos fiéis a ideia de que o “sentir-se bem” deve servir como principal parâmetro para decidir se aquele caminho religioso é autêntico ou não.

"Aqui está Deus, porque aqui eu me sinto bem", é o pensamento dos frequentadores de certos grupos religiosos. Acham, por exemplo, que a oração ideal é aquela em que o sujeito fica emocionado, chora, sente um ardor no peito... As Missas e/ou cultos são excessivamente animados, muitas vezes com batucadas ou guitarras distorcidas e bateria alta, aplausos constantes e até danças coreografadas. Tudo isso cria um estado de euforia e empolgação, mas... Trata-se de uma alegria passageira. E a pessoa fica condicionada a querer sempre mais. Logo começa a pensar que, numa celebração em que não aconteça todo aquele ardor festivo, Deus não está presente. Será?

Grandes santos e doutores da Igreja, como Tomás de Aquino, João da Cruz e Catarina de Sena, entenderam que a construção da verdadeira alma cristã passa por etapas distintas, dentre as quais a Via da Purificação e a Via da Iluminação.

A Via da Purificação
O primeiro momento da Via da Purificação ocorre quando a alma encontra Deus: num primeiro momento, sente-se saciada e amada por Ele. Começa a reconhecer Deus como Amigo, Companheiro... Pai: o Deus que é Bom, que é Provedor, que nos ama e salva. As orações são fervorosas, a alma sente-se “enamorada” de Deus. Há muita alegria e entusiasmo nessa fase, que pode ser simbolizada pelo tempo em que os Apóstolos conviveram face a Face com Jesus. Eles compartilhavam da intimidade do Senhor, caminhavam juntos, tiveram a imensa graça de presenciar seus grandiosos milagres e de contemplar Jesus Glorioso no alto do Tabor (Mt 17,1-9; Mc 9,2-8; Lc 9,28-36; 2Pd 1,16-18). Desfrutavam da reconfortante sensação de serem “amigos de Deus”.

No segundo momento da Via da Purificação, porém, a alma começa a perceber que continua com os mesmos defeitos, que tinha antes de conhecer a Deus, antes desta primeira conversão. É um momento difícil, delicado. Um símbolo desse estágio é a passagem em que S. Pedro, discípulo destacado em quem Jesus confiou de modo especial, e a quem concedeu as Chaves do Reino, nega o Senhor por três vezes, chegando mesmo a dizer “Não conheço esse homem!” (Mt 26,74). – É quando o convertido percebe que ainda precisa lutar, e lutar contra si mesmo, contra suas fraquezas, medos e antigos vícios, pois ainda é o mesmo ser humano pequeno e falho. – É a “luta da carne contra o espírito” referida no Evangelho segundo S. Marcos (14,38) e em todo o capítulo 7 da Epístola aos Romanos. A oração, então, perde fervor; a alma tem a impressão de que Deus não lhe responde. Surge um vazio. E é então que dois possíveis caminhos se abrem, e um deles deverá ser escolhido: o da purificação ou o da queda.

1ª possibilidade: a purificação – Acontece se a alma começa a aprender que, mesmo em Comunhão com Deus, continua somente humana e fraca; que tem de se entregar a Deus a cada dia, a cada instante, e que nada menos que essa entrega total será suficiente. Entende que ser cristão é tornar-se verdadeiramente manso e humilde diante do Criador. Não é preciso e de nada adiantará buscar Deus nas fortes emoções, nas sensações intensas… É a silenciosa e simples Presença de Deus que lhe dá força, e nada mais é necessário. E essa pessoa, – que não apenas confessa a fé no muito falar, mas ama a Deus em seu íntimo, – prossegue, esquecendo-se de si própria. É um outro processo delicado: o da eliminação do amor próprio.

Importante dizer que eliminar o amor próprio, nesse caso, não quer dizer desprezar-se ou odiar a si mesmo, num sofrimento doentio, esquizofrênico e estéril. Eliminar o amor próprio é "negar-se a si mesmo", como diz Nosso Senhor (Mc 8,34-35), no sentido de reconhecer-se pequeno, incapaz de alcançar a salvação por seus próprios méritos. Quer dizer aceitar suas limitações e render-se diante da Soberania Divina. Por nós mesmos, nada podemos fazer (Jo, 15, 5). É Deus Quem realiza em nós as grandes e pequenas coisas.

2ª possibilidade: a queda – acontece se a alma chega a não suportar mais o fato de que Deus não lhe responde. Não suporta e não aceita que seja tão fraca. Começa a achar que, ao procurar Deus, exagerou na dose, que na realidade tudo não passou de um furor vazio, uma ilusão. A fé começa a se enfraquecer, cai nos vícios; a pessoa se perde do caminho da purificação, retomando, por fim, sua vida antiga, a que levava antes da conversão, antes de ter se interessado por Deus.

A Via da Iluminação

Finalmente, aquele que vence a etapa da Via da Purificação começa a Via da Iluminação. É quando a alma adquire uma maior consciência da Presença de Deus, começa a ver o Toque de Deus no dia-a-dia, a manifestação do Amor de Deus às suas criaturas, mesmo no sofrimento, nas dores e dificuldades. Começa a perceber e saber que Deus está sempre com ela, e compreende que até mesmo as decepções deste mundo têm sua razão de ser, pois “tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28). A alma tem o que se chama de “Presença de Deus”, como diz o Senhor a Santa Catarina de Sena em sua obra clássica “Diálogos”:

“Nada foi feito e nada se faz sem a resolução da minha divina Providência. Em tudo o que permito, em tudo o que vos dou, nas tribulações e nas consolações, temporais ou espirituais, nada faço senão para o vosso bem, para que sejais santificados em Mim e para que minha Vontade se cumpra em vós.” (Diálogos, cap.166)

A via da iluminação, entretanto, tem ainda um risco: a alma está subindo importantes degraus em direção a Deus, sim, porém, quanto maior a altura, maior poderá ser a queda. A alma deve permanecer no seu caminho de encontro a Deus e o desafio nessa fase é superar o orgulho espiritual, isto é, o de achar-se melhor que os outros, julgar-se especial, mais santo, mais sábio, mais iluminado. Corre o risco de achar inválida ou até ridícula as manifestações de fé alheias. A alma pode viver um egoísmo, uma soberba espiritual. Sabe que Deus está com ela, e ama também a Deus, mas tem dificuldade em amar igualmente as demais pessoas, porque enxerga seus erros e não os compreende. Quer que as coisas sejam “do seu jeito”, não aceita quem vive de modo diferente.

Esta é uma etapa importantíssima a ser vencida. Se a alma conseguir superar mais este desafio, estará verdadeiramente próxima de Deus e de uma vida cristã abençoada. – O que, por sua vez, não significa estar livre de todos os problemas e dificuldades deste mundo, mas saber lidar realmente bem com todas as situações, de modo sereno e tranquilo. – A alegria não mais se dissipará, o desespero não mais encontrará lugar, pois existirá a consciência da permanente Presença de Deus em todos os momentos. Reinará nesta vida uma alegria calma, silenciosa, perene, refletida, prudente, sensata. Vemos esse tipo de comportamento, reflexo da autêntica Comunhão com Deus, nas vidas dos santos. É esta fé e é esta consciência que conferem o amor, a coragem, a paciência e a persistência necessárias para ser cristão na prática. O próximo estágio será o da transformação maior e definitiva da alma, a chamada Via Unitiva dos Perfeitos, em que se vive o mais alto estágio da perfeição cristã.

Conclusão
Talvez aquelas celebrações citadas no começo deste artigo, fundamentadas na emoção e na euforia, coloquem os fiéis que delas participam no caminho da purificação, naquele primeiro estágio em que a pessoa "encontra Jesus": é aquele momento muito feliz, alegre e agradável, que vem após a conversão espiritual. É quando a pessoa começa a chegar perto de responder às grandes perguntas existenciais (Quem eu sou? De onde venho? Por que existo? Quem é Deus?).

Os movimentos pentecostais ou carismáticos valorizam esse clima de emoção, e não há problema nisso. Ocorre que, se a emoção é posta como condição ou parâmetro para a prática religiosa, com o tempo surgirá a inevitável crise de identidade espiritual. A alegria inicial não dura para sempre, ao menos não no plano sensitivo (expansivo). E então, quando a pessoa começa a sentir que está “enfraquecendo” na fé, pois o seu entusiasmo começa a esmorecer, se o esforço se concentrar somente em manter aquela emoção inicial, o risco de cair é grande. É aí que o católico mal orientado deixa de ir à Missa, abandona a Igreja, esquece Deus. Sente como se tudo tivesse ficado no passado, quer resgatar a alegria inicial, não se conforma com o esfriamento dos sentidos. Muitos, nesse momento de fragilidade, acabam encontrando alguma seita fundamentalista e, na ânsia por recuperar as emoções iniciais, aderem a uma nova religião. Comumente, a partir daí continuam migrando de uma "igreja" para outra, num processo angustiante, sem nunca encontrarem verdadeiramente o que buscam.

Sem uma formação sólida, abrem-se as portas para a perda da fé verdadeiramente católica. É inútil querer "prender" alguém somente pela emoção. O pretenso e forçado "carismatismo" se situa fora da fé, fora da Verdade, fora da religião tal como Deus a criou. Ninguém pode depender das próprias emoções, tornando-se seu "refém" para continuar fiel a Deus. Deus está na alegria da conversão, mas está também na oração silenciosa, na contemplação do Mistério Divino, na quietude da adoração interior e verdadeiramente espiritual, no silêncio de uma reflexão cheia de amor e devoção sincera.
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• Referência:

LAGRANGE. Garrigou. As Três Vias e as Três Conversões, 4ª ed. Rio de Janeiro: Permanência, 2011.

sábado, 5 de abril de 2014

Por que sou católico.

Texto de G. K. CHESTERTON
A DIFICULDADE em explicar “Por que eu sou Católico” é que há dez mil razões para isso, todas se resumindo a uma única: o catolicismo é verdadeiro. Para falar da Igreja Católica eu poderia preencher todo o meu espaço com sentenças separadas, todas começando com as palavras “é a única que...”.
Como por exemplo, a Igreja Católica é a única que previne um pecado de se tornar um segredo; é a única que fala como um mensageiro que se recusa a alterar a verdadeira Mensagem; é a única que assume a grande tentativa de mudar o mundo desde dentro; usando a vontade e não as leis...
Ou posso tratar o assunto de forma pessoal e descrever minha própria conversão. Acontece que tenho uma forte impressão de que esse método faz a coisa parecer muito menor do que realmente é. Homens muito mais importantes, em muito maior número, se converteram a religiões muito piores. Preferiria tentar dizer, aqui, coisas a respeito da Igreja Católica que não se podem dizer o mesmo nem sobre suas mais respeitáveis rivais. Em resumo, diria apenas que a Igreja Católica é católica. Preferiria tentar sugerir que ela não é somente maior do que eu, mas maior que qualquer coisa no mundo; que ela é realmente maior que o mundo. Mas, como neste pequeno espaço disponho apenas de uma pequena seção, abordarei sua função como guardiã da Verdade.
Outro dia, um conhecido escritor, muito bem informado em outros assuntos, disse que a Igreja Católica é uma eterna inimiga das novas ideias. Provavelmente não ocorreu a ele que esta observação, que ele próprio fez, não é exatamente nova: é uma daquelas noções que os católicos têm que refutar continuamente, porque é uma ideia muito antiga.

Na realidade, aqueles que reclamam que o catolicismo não diz nada novo, raramente pensam que talvez seja necessário dizer alguma coisa nova sobre o catolicismo. De fato, o estudo real da História mostra que os católicos sempre sofreram, e continuam sofrendo continuamente por apoiarem ideias realmente novas; desde quando elas eram muito novas para encontrar alguém que as apoiasse. O católico foi não só o pioneiro na área, mas o único; até hoje não houve ninguém que compreendesse o que realmente se tinha descoberto lá, naquele tempo (na origem do cristianismo).
Mas não apenas aí. São muitos os exemplos que se poderiam citar. Assim, por exemplo, quase duzentos anos antes da Declaração de Independência e da Revolução Francesa, numa era devotada ao orgulho e ao louvor dos príncipes, o Cardeal Bellarmine, juntamente com Suarez, o Espanhol, formularam lucidamente toda a teoria da democracia real. Mas naquela era do Direito Divino, eles somente produziram a impressão de serem jesuítas sofisticados e sanguinários, insinuando-se com adagas para assassinarem os reis. Então, novamente, os casuístas das escolas católicas disseram tudo o que pode ser dito e que constam de nossas peças e romances atuais, duzentos anos antes de eles serem escritos. Eles disseram que há sim problemas de conduta moral, mas eles tiveram a infelicidade de dizê-lo muito cedo, cedo de dois séculos. Num tempo de extraordinário fanatismo e de uma vituperação livre e fácil, eles foram simplesmente chamados de mentirosos e trapaceiros por terem sido psicólogos antes da psicologia se tornar moda.

Seria fácil dar inúmeros outros exemplos, e citar o caso de ideias ainda muito novas para serem compreendidas. Há passagens da Encíclica do Papa Leão XIII sobre o trabalho (Rerum Novarum, 1891) que somente agora estão começando a ser usadas como sugestões para movimentos sociais muito mais novos do que o socialismo. E quando o Sr. Belloc escreveu a respeito do Estado Servil, ele estava apresentando uma teoria econômica tão original que quase ninguém ainda percebeu do que se trata. Então, quando os católicos apresentam objeções, seu protest
o será facilmente explicado pelo conhecido fato de que católicos nunca se preocupam com ideias novas...
 
Contudo, o homem que fez essa observação sobre os católicos quis dizer algo; e é justo fazê-lo compreender muito mais claramente o que ele próprio disse. O que ele quis dizer é que, no mundo moderno, a Igreja Católica é, - isto sim, - uma inimiga de muitas modas influentes; muitas delas ainda se dizem novas, apesar de algumas delas começarem a se tornar um pouco decadentes. Em outras palavras, se alguém disser que a Igreja frequentemente ataca o que o mundo, em cada era, apóia, aí está perfeitamente certo. A Igreja sempre se coloca contra as modas passageiras do mundo, e ela tem experiência suficiente para saber quão rapidamente as modas passam. Mas para entender exatamente o que está envolvido, é necessário tomarmos um ponto de vista mais amplo e considerar a natureza última das ideias em questão; considerar, por assim dizer, a ideia da ideia.
 
Nove dentre dez do que chamamos novas ideias são simplesmente erros antigos. A Igreja Católica tem como uma de suas principais funções prevenir que os indivíduos cometam esses velhos erros; de cometê-los repetidamente, como eles fariam se deixados "livres". A verdade sobre a atitude católica frente à heresia, ou como alguns diriam, frente à "liberdade", pode ser mais bem expressa utilizando-se a metáfora de um mapa. A Igreja Católica possui uma espécie de mapa da mente que parece um labirinto, mas que é, de fato, um guia para o labirinto. Ele foi compilado a partir de um conhecimento que, mesmo se considerado humano, não tem nenhum paralelo humano.

Não há nenhum outro caso de uma instituição inteligente e contínua que tenha pensado sobre o pensamento por dois mil anos. Sua experiência cobre naturalmente quase todas as experiências; e especialmente quase todos os erros. O resultado é um mapa no qual todas as ruas sem saída e as estradas ruins estão claramente marcadas, bem como todos os caminhos que se mostraram sem valor, pela melhor de todas as evidências: a evidência daqueles que os percorreram.
 
Nesse mapa da mente, os erros são marcados como exceções. A maior parte dele consiste de playgrounds e alegres campos de caça, onde a mente pode ter tanta liberdade quanto queira; sem se esquecer de inúmeros campos de batalha intelectual em que a batalha está eternamente aberta e indefinida. Mas o mapa definitivamente se responsabiliza por fazer certas estradas se dirigirem ao nada ou à destruição, a um muro ou ao precipício. Assim, ele evita que os homens percam repetidamente seu tempo ou suas vidas em caminhos sabidamente fúteis ou desastrosos, e que podem atrair viajantes novamente no futuro. A Igreja se faz responsável por alertar seu povo contra eles; e disso a questão real depende. Ela dogmaticamente defende a humanidade de seus piores inimigos, daqueles grisalhos, horríveis e devoradores monstros dos velhos erros.

Agora, todas essas falsas questões têm uma maneira de parecer novas em folha, especialmente para uma geração nova em folha. Suas primeiras afirmações soam inofensivas e plausíveis. Darei apenas dois exemplos. Soa inofensivo dizer, como muitos dos modernos dizem: “As ações só são erradas se são más para a sociedade”. Siga essa sugestão e, cedo ou tarde, você terá a desumanidade de uma colmeia ou de uma cidade pagã, o estabelecimento da escravidão como o meio mais barato ou mais direto de produção e a tortura dos escravos pois, afinal, o indivíduo não é nada para o Estado: e assim surge a declaração de que um homem inocente deve morrer pelo povo, como fizeram os assassinos de Cristo.

Então, talvez, voltaremos às definições da Igreja Católica e descobriremos que a Igreja, ao mesmo tempo que diz que é nossa tarefa trabalhar para a sociedade, também diz outras coisas que proíbem a injustiça individual. Ou novamente, soa muito piedoso dizer: “Nosso conflito moral deve terminar com a vitória do espiritual sobre o material”. Siga essa sugestão e você terminará com a loucura dos maniqueus, dizendo que um suicídio é bom porque é um sacrifício, que a perversão sexual é boa porque não produz vida, que o demônio fez o sol e a lua porque eles são materiais. Então, você pode começar a adivinhar a razão de o cristianismo insistir que há espíritos maus e bons; que a matéria também pode ser sagrada, como na Encarnação ou na Missa, no Sacramento do matrimônio e na ressurreição da carne.
 
Não há nenhuma outra mente institucional no mundo pronta a evitar que as mentes errem. O policial chega tarde, quando tentar evitar que os homens cometam erros. O médico chega tarde, pois ele apenas chega para examinar o louco, não para aconselhar o homem são a como não enlouquecer. E todas as outras seitas e escolas são inadequadas para esse propósito. E isso não é porque elas possam não conter uma verdade, mas precisamente porque cada uma delas contém uma verdade; e estão contentes por conter uma verdade. Nenhuma delas pretende conter a Verdade. A Igreja não está simplesmente armada contra as heresias do passado ou mesmo do presente, mas igualmente contra aquelas do futuro, que podem estar em exata oposição com as do presente. O catolicismo não é ritualismo; ele poderá estar lutando, no futuro, contra algum tipo de exagero ritualístico supersticioso e idólatra. O catolicismo não é ascetismo; repetidamente, no passado, reprimiu os exageros fanáticos e cruéis do ascetismo. O catolicismo não é mero misticismo; ele está agora mesmo defendendo a razão humana contra o mero misticismo dos pragmatistas.

Assim, quando o mundo era puritano, no século XVII, a Igreja era acusada de exagerar a caridade a ponto da sofisticação, por fazer tudo fácil pela negligência confessional. Agora que o mundo não é puritano, mas pagão, é a Igreja que está protestando contra a negligência da vestimenta e das maneiras pagãs. Ela está fazendo o que os puritanos desejariam fazer, quando isso fosse realmente desejável. Com toda a probabilidade, o melhor do protestantismo somente sobreviverá no catolicismo; e, nesse sentido, todos os católicos serão ainda puritanos quando todos os puritanos forem pagãos.

Assim, por exemplo, o catolicismo, num sentido pouco compreendido, fica fora de uma briga como aquela do darwinismo em Dayton. Ele fica fora porque permanece, em tudo, em torno dela, como uma casa que abarca duas peças de mobília que não combinam. Não é nada sectário dizer que ele está antes, depois e além de todas as coisas, em todas as direções. Ele é imparcial na briga entre os fundamentalistas e a teoria da origem das espécies, porque ele se funda numa Origem anterior àquela origem; porque ele é mais fundamental que o fundamentalismo. Ele sabe de onde veio a Bíblia. Ele também sabe aonde vão as teorias da evolução. Ele sabe que houve muitos outros evangelhos além dos Quatro Evangelhos, e que eles foram eliminados somente pela autoridade da Igreja Católica. Ele sabe que há muitas outras teorias da evolução além da de Darwin; e que a última será sempre eliminada pela novíssima teoria da ciência mais recente. Ele não aceita, convencionalmente, as conclusões da ciência, pela simples razão de que a ciência ainda não chegou a uma conclusão. Concluir é se calar; e o homem de ciência dificilmente se calará. Ele não acredita, convencionalmente, no que a Bíblia diz, pela simples razão de que a Bíblia não diz nada. Você não pode colocar um livro no banco das testemunhas e perguntar o que ele quer dizer.

A própria controvérsia fundamentalista se destrói a si mesma. A Bíblia por si mesma não pode ser a base do acordo quando ela é a causa do desacordo; não pode ser a base comum dos cristãos quando alguns a tomam alegoricamente e outros literalmente. O católico se refere a algo que pode dizer alguma coisa, para a mente viva, consistente e contínua da qual tenho falado; a mais alta consciência do homem guiado por Deus.
 
Cresce a cada momento, para nós, a necessidade moral por tal mente imortal. Devemos ter alguma coisa que suportará os quatro cantos do mundo, enquanto fazemos nossos experimentos sociais ou construímos nossas utopias. Por exemplo, devemos ter um acordo final, pelo menos em nome do truísmo da irmandade dos homens, que resista a alguma reação da brutalidade humana. Nada é mais provável, no momento presente, que a corrupção do governo representativo solte os ricos de todas as amarras e que eles pisoteiem todas as tradições com o mero orgulho pagão. Devemos ter todos os truísmos, em todos os lugares, reconhecidos como verdadeiros. Devemos evitar a mera reação e a temerosa repetição de velhos erros. Devemos fazer o mundo intelectual seguro para a democracia. Mas na condição da moderna anarquia mental, nem um nem outro ideal está seguro. Tal como os protestantes recorreram à Bíblia contra os padres, porque estes podem ser questionados, e não perceberam que a (sua interpretação particular da) Bíblia também poderia ser questionada, assim também os republicanos recorreram ao povo contra os reis e não perceberam que o povo também podia ser desafiado.

Não há fim para a dissolução das idéias, para a destruição de todos os testes da verdade, situação tornada possível desde que os homens abandonaram a tentativa de manter uma Verdade central e civilizada, de conter todas as verdades e identificar e refutar todos os erros. Desde então, cada grupo tem tomado uma verdade por vez e gastado tempo em torná-la uma mentira. Não temos tido nada, exceto movimentos; ou em outras palavras, monomanias. Mas a Igreja não é um movimento e sim um lugar de encontro, um lugar de encontro para todas as verdades do mundo.