domingo, 25 de maio de 2014

Educação Religiosa é Oportuna?

A. A. P. (São Paulo): “O adolescente tem que escolher ele mesmo as suas crenças ao atingir a idade do discernimento. Por conseguinte, não deve ser educado na religião católica, para que não se torne um renegado, caso na idade madura não esteja de acordo com a fé católica”.
 
Para esclarecer a dificuldade, tenhamos em vista que a criança é essencialmente um ser dependente de seus pais, e dependente (à diferença do que se dá com a prole de irracionais) até idade mais ou menos adiantada. Aos pais, portanto, que deram a vida à prole, cabe a obrigação de fornecer todo o necessário à consolidação e ao aperfeiçoamento dessa vida.
 
Ora a prole precisa evidentemente de sustento físico (alimento, teto e roupa) que garanta a vida de seu corpo; isto, os pais, ao menos em teoria, não o sonegam a seus filhos. — Mas, além de valores corpóreos, há em todo ser humano, mesmo infantil, valores espirituais; com outras palavras, há tendência a um termo supremo que não seja limitado como a matéria e que proporcione o Bem-estar, a Felicidade simplesmente dita. Sendo assim, incumbe aos pais e educadores atender também a esses valores espirituais da criança e proporcionar-lhe tudo (instruções e exemplos) que os possa desenvolver e encaminhar para seu termo autêntico. Isto implica, entre outras coisas, educação religiosa e, falando-se objetivamente (independentemente das concepções que os pais possam nutrir de boa fé), educação religiosa católica.
 
Mas não se poderia desejar que a formação espiritual da criança conste apenas do ensino de ciências e letras e de certas normas éticas, como se verifica na escola dita «neutra»? As questões religiosas, as quais dependem de fé, não parecem necessárias à formação de um bom cidadão.
 
Este raciocínio procede de errôneo conceito de religião.
 
Religião significa cultivo de relações do homem com Deus, com Aquele que, por definição, é o Bem Supremo; a religião, portanto, tende a levar o homem à sua perfeição simplesmente dita; ela interessa o homem todo, ser corpóreo dotado de inteligência e amor. Ao contrário, qualquer ciência ou arte que o indivíduo possa cultivar, aperfeiçoa-o apenas sob um aspecto, tornando-o bom físico, bom matemático, bom médico, mas não necessariamente homem bom (um bom médico pode ser um homem mau, ao passo que um homem sinceramente religioso é bom como homem; é homem bom).
 
Por conseguinte, vê-se que a formação religiosa é o ponto culminante para o qual converge qualquer educação de valores; é ela que dá consistência à formação profissional e moral do indivíduo. Com efeito, nem mesmo os preceitos da ética mais nobre são capazes de construir uma autêntica personalidade humana, se são separados de Deus e da religião; a moral leiga, moral que apela para um ideal meramente humano a conquistar, cedo ou tarde mostra-se impotente para dirigir o homem, pois a autoridade da ética sem Deus não pode deixar de ser relativa, sujeita a ser controvertida e reformada, como tudo que é criado.
 
A titulo de ilustração, vão aqui citados alguns testemunhos de pensadores modernos a respeito da “moral leiga”:
«T. Dostoieswsky, psicólogo dos mais finos e profundos, introduz num dos seus romances um jovem ateu, Ivã Fedorovitch, deduzindo da sua incredulidade todas as consequências imorais; o egoísmo passaria a ser a lei universal e necessária, lei incontestàvelmente nobre e louvável. Um dos servos, que lhe ouvia a lição, aproveitou-a e pouco depois, num crime friamente premeditado, rouba e assassina o pai de Ivã. — Porque o mataste? pergunta-lhe o jovem, inquieto e sobressaltado, — Eu pensava com este dinheiro começar vida nova em Moscou ou talvez no estrangeiro; era a minha idéia que tudo é permitido. Fostes vós que me ensinastes isto; e vós me ensinastes muitas coisas; se Deus não existe, não há virtude, porque seria inútil. Isto me pareceu verdade» (episódio transcrito da obra de Leonel Franca, Ensino religioso c ensino leigo. Rio de Janeiro 1931, 12).
 
R. Baden-Powell, o famoso fundador dos escoteiros, benemérito pela sua obra de psicólogo e educador, afirmava que a incredulidade constitui, ao lado do jogo, do vinho o do prazer, um dos grandes perigos para a juventude, e acrescentava:
 
Se você está realmente decidido a se encaminhar para o sucesso, isto é, para a felicidade, deve tratar não sòmente de não ser absorvido pela mistificação irreligiosa, mas de dar uma base religiosa à sua vida» (Rovering to success. London, S. d. pág. 176).
 
A ineficácia da formação técnica e principalmente da formação moral que não estejam associadas à educação religiosa, se manifesta bem nas estatísticas de criminalidade infantil. Verifica-se que a laicização do ensino acarreta, como uma de suas consequências palpáveis, o progresso da criminalidade entre as crianças.
 
Com efeito, em 1880 foi o ensino laicizado na França em virtude da Lei Ferry. Pois bem; em 1887, A. Guillot, juiz de instrução em Paris, podia escrever:
 
«Há uma dezena de anos os crimes cometidos pelos jovens multiplicaram-se em proporção assustadora. As estatísticas mostram que o número de delinquentes de menos de 20 anos se quadruplicou: de cerca de 5 000 elevou-se a 20 000. A nenhum homem sincero, quaisquer que sejam as suas opiniões, pode escapar que este aumento espantoso da criminalidade coincidiu com as modificações introduzidas na organização do ensino público. Para a consciência dos que julgaram encontrar um progresso nestes novos caminhos, deve ser uma preocupação grave este espetáculo da jovem geração que se distingue pela sua perversidade brutal (Paris qui souffré. Paris 1887. pág. 250).
 
Em 1896 o mesmo autor testemunhava no jornal «Figaro» (19/VTII):
 
«Nada há de que nos maravilhemos,.. Desde 1887, inclinado continuamente sobre a miséria moral da infância, as minhas opiniões se vêm dia para dia confirmando... A criança que não é dirigida para as coisas superiores— que não se sente sob o olhar e a ação de Deus, uma vez homem, irá ao prazer e ao interesse. Nem espera chegar a homem. Desde cedo começa a tratar como velhas ficções tudo que lhe custa, tudo que lhe pesa, o sacrifício, o dever, a própria honra. Com o ideal religioso desaparece qualquer outro ideal. E os sem-pátria nascem do mesmo tronco que os sem-deus. No peito das crianças sopram já os ódios, as invejas, os ciúmes, a sede de prazeres que consomem os seus maiores. Se o mal não é maior, devemo-lo às escolas livres que conservam na França um núcleo de homens que temem e servem a Deus; devemo-lo às inumeráveis obras de caridade, religiosas na sua maioria, que se ocupam da infância e se esforçam, com os meios mais engenhosos, por preservá-la, defendê-la e salvá-la».
 
Outros depoimentos frisantes se podem ler na obra de Franca. Ensino religioso e Ensino leigo. pág. 35«57.
 
As considerações acima habilitam-nos a concluir que subtrair às crianças o ensinamento religioso é crime não menos grave (para não se dizer: mais hediondo) do que lhes sonegar o pão cotidiano; equivale a deixar de alimentar não o seu corpo mortal, mas o seu espírito e a sua personalidade, que consequentemente se tornarão atrofiados ou monstruosos.
 
Mas, dir-se-á, os pais e educadores que tomam atitude neutra e silenciosa perante a religião, não querem em absoluto sufocar os sentimentos religiosos dos jovens; apenas desejam que estes se desenvolvam espontaneamente, de sorte a se evitar ruptura ou apostasia por parte do adolescente. — Na verdade, é impossível a neutralidade em matéria de religião. Quem educa sem mencionar o nome de Deus, já profere uma tese a respeito de Deus: dá a entender que é plenamente concebível a vida humana sem Deus, e que Este, quando sobrevém, sobrevém acidentalmente, dando como que uma modalidade, não, porém, a estrutura à existência do indivíduo. Uma 1a atitude no educador significa atribuir igual valor à afirmação e à negação de Deus, significa praticamente negar a Deus; é tomar a posição do ateísmo sem o nome respectivo, como dizia Leão XIII : «Istud ab atheismo, si nomine aliquid diffcrt, re nihil differt» (ene. «Immortale Dei»). Deus por definição é tudo, e merece lugar primacial na orientação da vida humana, ou simplesmente é banido, pois seria contraditório ao conceito mesmo de Deus atribuir a Este o papel de rótulo ou cartaz complementar de uma realidade já feita.
 
Note-se ainda: na prática é impossível aos pais e mestres mencionar os objetos e valores abordados pelas ciências (o corpo humano, a história da civilização, a economia...) sem que toquem indiretamente a questão mais profunda atinente à origem e à finalidade desses valores; e esta é a questão religiosa, à qual só se pode dar resposta afirmativa ou negativa (jamais neutra), pois o homem, sempre que age, age ao menos virtualmente em vista de um Fim último (que é o verdadeiro Deus ou um fantoche de Deus); é a idéia de Deus ou do Fim supremo
que, em última análise, dá a estrutura a cada um dos atos humanos, por mais insignificante que pareça.
 
Aos que propugnam o silencio em matéria religiosa, será preciso lembrar mais o seguinte: dificilmente a criança, por suas reflexões pessoais apenas, chegará à verdade no terreno religioso. È fato reconhecido que, para a aquisição de ciências profanas (matemática, física, história...), a inteligência necessita de uma pedagogia; a criança vai à escola. Com muito mais razão a necessidade de um guia se impõe a fim de que ela distinga claramente a Deus e para Este se encaminhe; pois a natureza humana se ressente do desequilíbrio da concupiscência e das paixões, que lhe obscurecem o intelecto e debilitam a vontade; as desordens morais desviam o raciocínio do seu objetivo lógico, impedindo-o de reconhecer devidamente a Deus; é o que a experiência comprova sobejamente.
 
Seria, por conseguinte, utópico julgar que a criança, destituída de guia em matéria religiosa, chegaria por si mesma à Verdade neste terreno. Em relação ao último Fim, que fala à personalidade inteira, todo um mundo de interesses particulares se agita, devida ou indevidamente, dentro de cada indivíduo; requer-se, pois, uma sábia direção extrínseca que ponha ordem dentro desse mundozinho da criança. Em consequência, incumbe imperiosamente aos pais e mestres propor a Luz sobre tal questão. E esta Luz — repita-se — provém não de qualquer crença religiosa, mas exclusivamente da fé católica, pois há um só Deus; em consequência há uma só concepção autêntica de Deus e da via pela qual os homens vão a Deus; brevemente, há uma só religião : a religião monoteísta que Cristo, rematando a história antiga, veio ensinar aos homens, e que se transmite ininterruptamente de Cristo a nós por meio da Sta. Igreja Católica (o assunto já foi abordado em «Pergunte e Responderemos» 8/1957 qu, 1),
 
Não há dúvida, a manifestação da verdade católica, assim como pode concorrer para o bem do adolescente, pode também provocar da parte deste uma repulsa explícita, dando ocasião a que se torne um degenerado. Isto, porém, caso aconteça, acontece independentemente da intenção de pais e mestres, em virtude de um abuso que o jovem faz de sua liberdade. O caso do apóstata da fé ou de quem extingue a sua vida sobrenatural é análogo ao do suicida, que põe fim à sua vida natural: não é por causa de um hipotético suicídio da futura prole que os casais deixam de comunicar a vida ou gerar seus filhos. O perigo de abusos não deve impedir que se proporcionem aos homens os bens capazes de os tornar dignos e felizes nesta vida e na futura.
 

terça-feira, 20 de maio de 2014

O Círio Pascal

 
Por Dom Henrique
Na Liturgia Latina, o mais belo e significativo símbolo pascal é o Círio. Ele simboliza o próprio Cristo ressuscitado.
 
Em geral, não é muito valorizado por falta de catequese litúrgica, mal gravíssimo da Igreja latina atual.
 
Nunca se deve, no âmbito da Liturgia, utilizar uma imagem de Cristo Ressuscitado. Numa procissão sim, pois não se trata de um ato litúrgico, mas gesto da religiosidade popular.

Por que representar o Ressuscitado por uma vela gigante?
 
Nos evangelhos, o Cristo ressuscitado não pode ser descrito ou representado: Seu aspecto é glorioso, Ele não pode mais ser visto, apreendido pelos sentidos, a não ser que Se faça ver. O Ressuscitado não voltou a esta vida, ao estado e à fisionomia que tinha antes, nos dias de Sua humilhação. Ele agora é Senhor, é Adon, como o Adonai, o Senhor Deus, Ele agora é Kyrios! Por isso mesmo a Igreja O representa no Círio, para deixar claro que Ele agora é todo Misterioso, todo Senhor glorioso na Sua santíssima humanidade divinizada.
 
O Círio Pascal!

Virgem, como é Virgem o Ressuscitado, Novo Adão, Princípio da nova criação.

Nele se inscrevem o Alfa e o Ômega, primeira e última letras do alfabeto grego, pois o Ressuscitado é Princípio e Fim da história e de todas as coisas.
 
Uma grande cruz com cinco cravos domina todo o Círio, pois a Ressurreição é fruto da Paixão, de modo que o Ressuscitado traz e trará para sempre no Seu corpo glorioso as gloriosas chagas, como troféus.

Vem também inscrito os algarismos do ano em curso, pois, na Santa Liturgia, o Mistério Pascal torna-se presente, continuamente contemporâneo a cada geração de cristãos e atuante na vida da Igreja. A Igreja e cada cristão encontram realmente, na Liturgia pascal, o Vencedor da Morte, feito Senhor e Cristo!
 
O fogo que consome o Círio e ilumina as trevas é símbolo do próprio Espírito Santo, no qual o Pai ressuscitou o Filho Amado; Espírito que vivifica, aquece, ilumina! É este Espírito o grande Dom que o Ressuscitado faz continuamente à Sua Igreja, vivificando-a, iluminando-a, aquecendo-a de Vida divina e transfigurando-a como presença do Reino de Deus neste mundo e semente de Vida Eterna.

Por isto mesmo, o Círio deve ser conservado com respeito sagrado. Será sempre incensado ao início das missas de Tempo Pascal nas quais se use o incenso (não é incensado nem ao Evangelho nem ao ofertório).
Deve ficar próximo ao ambão, como sinal eloquente da luz de Cristo ressuscitado que ilumina as Escrituras.
 
Somente é retirado após as segundas vésperas da Solenidade de Pentecostes. Deve ser, então, colocado no Batistério, ao lado da pia batismal.
 
Existe um belo costume de se retirar alguns fragmentos da cera do Círio e colocá-los num pequeno relicário precioso - de ouro ou prata - que é levado no pescoço, como medalha, em geral com a imagem do Cordeiro do Apocalipse, e se chama Agnus Dei. Que bela relíquia: um pequeno fragmento da cera do Círio, imagem Daquele que esteve morto, mas agora vive e vivifica para sempre!

sábado, 10 de maio de 2014

A gnose.

O GNOSTICISMOColossenses 2.8

"Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo". (Cl 2.8)

O Gnosticismo era uma heresia presente na Igreja primitiva, vinha trazendo uma doutrina diferente daquela deixada por Cristo, e o seu desenvolvimento na história foi marcante e real. Contudo, ela foi combatida pelos Pais Apostólicos, pelos apologistas. E hoje? Será que o "Gnosticismo" com sua filosofia e influência, está presente em nosso meio, nos púlpitos de nossas igrejas, como esteve na igreja primitiva e a história?

Por isso, nos será importante conhecer o gnosticismo e sua influência na história para que possamos confiadamente analisar a situação da Igreja atual e sua tendência ao gnosticismo, isto para que "ninguém nos engane com raciocínios falazes", pois como "recebemos Cristo Jesus, o Senhor, assim andemos nele, nele radicados, e edificados, e confirmados na fé..."
O GNOSTICISMO NA HISTÓRIA

Antes da primeira metade do Século XX , apologistas, tais como Irineu, Tertuliano, Hipólito e Epifânio eram as fontes básicas de informações a respeito dos gnósticos. Segundo as denúncias, os gnósticos desviavam os cristãos mediante as manipulações das palavras e a torção dos significados das Escrituras. Usavam os textos bíblicos visando seus próprios propósitos, principalmente as histórias em Gênesis, o Evangelho segundo João e as epístolas de Paulo, aliás, a descoberta de uma biblioteca gnóstica em Nag Hammadi, no Egito, tem confirmado isto.


São treze códices antigos, incluindo cinquenta e dois tratados, dos quais seis representam duplicações. Um grande número deles claramente representa uma perspectiva gnóstica cristã, sendo que os três mais conhecidos são os evangelhos valentinianos: O Evangelho de Tomé (composto de uma série de breves palavras de Jesus), o Evangelho de Filipe (uma coletânea de expressões sobre a deidade e a unidade, que relembra a linguagem do quarto evangelho mas especificamente orientado em direção à mitologia gnóstica e possivelmente ligado com o Evangelho da Verdade escrito por Valentino, mencionado em Irineu). Há, também, entre os tratados gnósticos cristãos apócrifos de Tiago, os Atos e Pedro e dos Doze Apóstolos, o Tratado da Ressurreição, a longa coletânea conhecida como o Tratado Tripartite, e três edições do apócrifo de João (a história da criação, que envolve uma reinterpretação dos relatos de Gênesis).

Os apologistas consideravam o gnosticismo como produto da combinação entre filosofia grega e o cristianismo, é a helenização aguda do cristianismo (Adolf Harnack). O gnosticismo combinava elementos da filosofia grega, das religiões pagãs misteriosas, do judaísmo e do cristianismo, contudo, de forma diferente, o gnosticismo já existia no mundo pré-cristão, como aliado das religiões místicas orientais e atualmente, o gnosticismo tem sido visto como uma forma de misticismo, com influências babilônicas, egípcias, iranianas e hindus, além de sua forma de filosofia mística. No gnosticismo se combinavam a orientalização da civilização greco-romano e a helenização do Oriente. Provavelmente, a doutrina do gnosticismo foi influenciada, em parte, pelo mitraísmo, uma das religiões misteriosas da Pérsia. Mitra era um deus-herói, o qual, enquanto esteve na terra, dedicou-se ao serviço da humanidade. Após uma ceia que celebrava o sucesso de seus labores remidores, ele ascendeu aos céus; dali ajuda seus seguidores na terra no conflito deles contra as forças do mal. Os iniciados nessa adoração passam por sete estágios de desenvolvimento, o que prefigurava a passagem final da alma pelos sete céus. Mediante cerimônias místicas é que seus seguidores passariam por vários graus, e essas cerimônias incluíam abluções, refeições sagradas, ritos sacramentais, etc. Tal religião admitia somente varões em suas fileiras, pelo que somente os homens poderiam ser remidos.

E no que se refere ao cristianismo, o gnosticismo consistia, essencialmente, na tentativa de fundir as revelações dadas por meio de Cristo e seus apóstolos com os padrões de pensamento já existentes, o cristianismo tornar-se-ia apenas mais outro culto misterioso greco-romano.
GNOSTICISMO - TERMINOLOGIA E DOUTRINA

A palavra gnosticismo vem do grego "gnoskein" , "saber" e que segundo R.N. Champlin, refere-se a um movimento dedicado à obtenção de um conhecimento genuíno maior, por meio do qual, se cria, poderia ser obtida a salvação, ou seja, a gnose se propõe fazer o homem tomar consciência por si mesmo de que ele é deus, para que este conhecimento o leve à salvação.

De acordo com Samuel Vieira, o termo "gnose" ou conhecimento até a época de Platão, nunca foi usada senão no sentido de "conhecimento", a verdadeira realidade é discernida não pelos sentidos, mas pelo intelecto. Com o cristianismo o termo gnose passou a ser empregado de forma distinta, sendo designativo de um sistema filosófico ou uma certa forma de filosofia religiosa influenciada pelas idéias e linguagens cristãs.

O termo "gnósticos" foi originalmente usado pelos próprios grupos que buscavam a gnose, para eles, a questão fundamental é a "perfeição" (teleiõsis), obtida pela gnose, pelo conhecimento.

O Gnosticismo é uma descrição geral de uma série de escolas heréticas que ameaçaram a igreja, um movimento de ensinos esotéricos baseados em mitos que descreviam a criação do mundo por um demiurgo, afirmando que a salvação é encontrada através da gnose. Expliquemos melhor:

Segundo Champlin, o gnosticismo pintava a realidade dividida em dois dramas distintos, um espiritual e cósmico e outro histórico e terreno; no mesmo está retratado o ciclo de criação, da existência , dos sofrimentos, da morte e da ressurreição. Nos mais elevados céus estaria um ser supremo, intocável e inabordável. Um ser deísta "transcendental", o qual mediante poder criador, delegaria poder a seres inferiores, uma sucessão quase interminável de sombrios "aeons" (as emanações angelicais), os quais entrariam em contato com a matéria, ao mesmo tempo que ele não se deixava tocar na matéria, visto que esta seria o princípio mesmo do mal, o que só poderia contaminá-lo.


Também haveria um demiurgo - que teria criado o mundo, o qual entraria em contato com o mesmo. Antes de tudo, haveria trinta emanações superiores, e estariam bem próximas ao fogo central. Cada uma dessas emanações originou a emanação imediatamente inferior, pelo que haveria uma espécie de resplendor divino cada vez menor, com poderes cada vez mais limitados. Bem longe da chama divina, eis que chega uma emanação, a mais distante das trinta, que chegaria na linha separatória entre o que é celeste e o que é terreno. Visto estar ela tão distanciada de Deus, quando criou a terra, fez um mau trabalho, o que explicaria a confusão e os sofrimentos que há neste mundo como o problema do mal. Essa última das trinta emanações seria o demiurgo, sendo identificado com o Deus do Antigo Testamento, o Deus dos judeus - também haveria a pleroma ou manifestação total de Deus, nas dimensões celestiais, que seriam suas emanações, inferiores acompanhantes, de natureza terrena. O Deus Altíssimo não seria o responsável pela criação deste mundo e seu caos, pois este seria o domínio do "demiurgo".

O objetivo da vida seria então, a libertação da alma, que é a parte imaterial do homem, deste mundo material, porque a matéria, incluindo nosso corpo físico, seria inerentemente má, totalmente incapaz de redenção. Assim sendo, o alvo seria a separação entre o espírito e a matéria, ficando de lado a imperfeição e o mal, com a volta às dimensões do espírito, da luz e da santidade. Ora, em vista da matéria não poder ser redimida, não importa o que se faz com o corpo. A alma pode ser cultivada ao mesmo tempo em que o corpo é entregue a punição com ascetismo ou à licenciosidade e prazeres carnais, neste caso, ascetismo ou licenciosidade seriam meios de cooperação para a libertação da alma do meio ambiente físico.

Portanto, o propósito do gnosticismo seria o aniquilamento da raiz verdadeira de todo o mal, que é a matéria , para a elevação da alma, através do conhecimento e sabedoria esotéricos, reveladas aos gnósticos através de certos ritos, sacramentos, práticas mágicas, etc.

O gnosticismo prometia um conhecimento supremo por meio de práticas esotéricas ocultistas; os iniciados seriam conhecedores "do bem e do mal", experimentando o perfeito aeon e o soberano mônada que moram acima e além do universo; estas emanações sucessivas seriam conhecidas pela aletheia (verdade), logos (palavra) e zoe (vida), o nous (pensamento) e pela iniciação. Os iniciados teriam um entendimento completo e verdadeiro do universo, seriam os iluminados que teriam acesso aos segredos do Espírito, libertando-se do mundo mal da matéria. A gnose era, assim um conhecimento sublime.

Além disso, o gnosticismo falava, de acordo com Ricardo Gondim, do homem como um composto de corpo, alma e espírito. O corpo e a alma, produtos de poderes cósmicos, são partes do mundo e estão sujeitos às forças cegas do destino. O espírito, ou o pneuma, é a porção da substância divina que se liberta através do conhecimento. Como espírito liberta, alma adquire capacidade para superar o corpo (que é mau).

Segundo as idéias gnósticas , os homens pertenceriam a três categorias: os hílicos, os psíquicos e os pneumáticos. Os hílicos estariam presos à matéria, estando sempre sujeitos ao mal, às influências do reino das trevas, pelo que seriam totalmente incapazes de receber a redenção. Esse grupo incluiria a vasta maioria dos homens, sendo impossível para eles qualquer raio de esperança. Os psíquicos estariam sujeitos a uma redenção inferior, por meio da fé. Nessa classe eles numeravam os profetas do AT, bem como homens bons de toda sorte; mas, apesar da redenção dos tais ser digna, nunca faria os homens subirem aos paroxismos da glória. Os pneumáticos, sim, seriam os homens verdadeiramente espirituais, reabsorvidos no ser divino, perdendo totalmente a individualidade, conseguindo a redenção máxima através da "gnosis". Somente um exíguo número de iniciados poderia receber esse conhecimento remidor. Para eles o conhecimento seria manifestação superior a fé.

Além do mais, os gnósticos acreditavam que Cristo era mais um dentre os muitos "aeons" ou emanações angelicais. Seria um dentre muitos salvadores ou pequenos deuses, mas em sentido algum seria divino como Deus é divino, apenas um "aeon" que participava, em parte, da essência e dos atributos divinos. O fato de que os "aeons" podiam ter contato com a matéria, o princípio mesmo do mal, mostrava que Cristo não seria um "aeon" muito elevado. Nenhum "aeon" , muito menos o Verbo Divino (a primeira emanação) poderia encarnar-se , porquanto isso o envolveria na corrupção do mal. Portanto, o mundo seria um caos, porque o seu próprio criador teria problemas.

Contudo, os gnósticos eram "docéticos" (dokeo ' aparecer). Acreditavam eles que o "aeon" chamado de Espírito-Cristo, na realidade não se encarnava. Isso seria impossível, porque tal coisa serviria somente para corrompê-lo. Antes, seu suposto corpo humano seria um "fantasma", e tudo quanto fez aqui: encarnação, sofrimento, morte na cruz, foi um papel teatral. Ou então, conforme pensavam muitos gnósticos, o Espírito-Cristo teria vindo possuir o corpo físico de Jesus de Nazaré, quando de seu batismo tendo-o abandonado por ocasião de sua morte, pelo que a morte de Jesus não teria nenhum valor como expiação. Cristo, na qualidade de "aeon" poderia ser adorado como outros "aeons" o poderiam.
O GNOSTICISMO CONTEMPORÂNEO

Há na Igreja hoje, assim como em várias seitas (Ex.: Ciência Cristã, Ciência Divina, Teosofia, Igreja da Unificação, Escola da Unidade do Cristianismo, etc.), uma presença daquilo que ficamos conhecendo como a "heresia gnóstica", ou pelo menos, traços de algumas das suas características, como o forte/falso misticismo , o dualismo e um certo tipo de ascetismo, que afetou a Igreja do primeiro século e tem alcançado a igreja atual.

Poderemos detectar um certo gnosticismo em nossas Igrejas hoje, especialmente se tomarmos por paralelo a Igreja aos Colossenses, e a carta que o apóstolo Paulo escreve para os crentes de Colossos combatendo o gnosticismo e os seus ensinos que tinham base nas religiões misteriosas orientais.

Na igreja de Colossos, grande importância era dada aos "aeons"(seres angelicais/ emanações de Deus), entre eles Cristo, que era apenas um dos mediadores e salvadores, um pequeno deus, mais um dentre muitos "aeons", com um corpo aparente, que não poderia sofrer e nem morrer. Sua morte não teve valor expiatório, pois o "aeon" que tomara conta do corpo de Jesus, o homem, quando de seu batismo, abandonou-o por ocasião de sua crucificação. É o "dualismo" que existe entre a "matéria"(corpo) e o "Espírito", pois a carne é má e nenhum "aeon" santo poderia, na realidade, tomar carne humana, sem contaminar-se a si mesmo. Os "aeons", ou poderes angelicais, estavam no mesmo pé de igualdade com Cristo, e este tinha sua estatura diminuída. Os gnósticos não reconheciam a existência do Deus Triúno, e o Único que, com razão pode ser adorado pela criatura humana. Contudo, hoje o que mais temos visto é uma adoração, ou seria, uma exaltação aos anjos. Músicas lhe são prestadas, e visões confirmam a sua presença em cultos, onde eles descem, sobem, rodeiam a igreja, se instalam em pontos estratégicos da mesma, aumentando o poder e a autoridade da ministração.

Além disso, os gnósticos tinham incorporado alguns elementos das leis cerimoniais judaicas, aumentando as suas tendências ascéticas, criam que o desígnio do sistema cósmico é destruir toda a matéria, incluindo o corpo físico, visto que a matéria é má. O gnóstico pode cooperar com esse desígnio abusando do corpo, de maneira extremamente ascética ou licenciosa.

Os gnósticos tinham a idéia equivocada de que não importa o que fazemos com os nossos corpos, pois estes seriam veículos incuráveis do princípio do pecado, pensavam que deveriam abusar do corpo, sem que isso em nada prejudicasse a alma.

Os Colossenses optaram por um gnosticismo ascético, restrições dietéticas, jejuns e provisões ritualistas intermináveis, eram vegetarianos e celibatários, pregavam uma doutrina que ordenava : "não manusear", "não provar", principalmente no que diz respeito às questões sexuais.

Assim como os gnósticos de Colossos, muitos cristãos (e suas respectivas denominações) têm praticado um ascetismo extremado em suas igrejas. É proibição quanto às vestes, cortes de cabelo, hábitos higiênicos: como a depilação feminina, etc., são regras, ordenanças, tradições legalistas com objetivo de mortificar a carne e "elevar" o Espírito.

Os gnósticos também primavam (principalmente) por um falso misticismo, um misticismo oriental que não transformava moralmente, pois, devido às suas visões e êxtases, eles estavam "fora" das questões morais e éticas. Eles eram os "pneumáticos", ou os verdadeiramente espirituais, que tinham a salvação não mediante a fé, mas, mediante o "conhecimento" (falso), aqueles que mediante ritos sagrados, artes mágicas e misticismo, receberiam a redenção completa, a reabsorção pelo Espírito divino, perderiam a identidade pessoal , e teriam o "Ego" transformado em "superego".

Por fim, o que temos visto nas igrejas evangélicas hoje (em especial, no nosso Brasil), são pastores induzindo pessoas à acreditarem no poder das "inúmeras correntes", campanhas de "n°" dias, óleos de Israel, sal ungido ( e, também, flores, sapatilhas, tapetes, roupas e até travesseiros ungidos); no poder das palavras de fé - confissão positiva. Muitas igrejas são conhecidas por sua Teologia da Prosperidade, onde a saúde perfeita, a prosperidade material, são "provas" da satisfação de Deus para com o indivíduo; pela prática, ou seria, pela exploração do exorcismo (estes dias ouvi de um pastor o convite para um banho de 'descarrego' em sua igreja , durante um programa em um dos meios de comunicação.

CONCLUSÃO


 A heresia gnóstica esteve presente na igreja cristã primitiva por cerca de cento e cinquenta anos, e oito livros do Novo Testamento foram escritos contra ela: Colossenses, três epístolas joaninas e a epístola de Judas, além de alusões feitas também no Evangelho de João, no livro de Apocalipse e na epístola aos Efésios.

O gnosticismo era uma mistura de misticismo oriental, filosofia, mitologia, astrologia, neoplatonismo grego, judaísmo e por fim, também, cristianismo. Os gnósticos se gabavam de uma filosofia superior, sustentavam que a salvação é fruto do conhecimento (da gnosis), e praticavam um misticismo falso, onde Cristo não é o centro nem o "o poder mais elevado que um indivíduo busque entrar em contato", pelo contrário, os gnósticos diminuíam a pessoa de Cristo, valorizando coisas inferiores como seres angelicais e visões, negando a honra que cabe à Cristo e ignorando o seu senhorio. Russell Norman Champlim, fala que "os mestres gnósticos faziam dos poderes angelicais objetos de adoração, e também desviam as nossas mentes para longe da posição de Cristo como cabeça; no entanto, a condição básica para que alguém seja discípulo autêntico de Cristo é que aceite seu senhorio (Cl 2.9)". Na verdade, muitos religiosos hoje, tem supervalorizado a presença e atuação dos anjos nos cultos e desvalorizado a pessoa de Cristo. Já não vale a obra expiatória de Cristo e seu sofrimento, seu sangue vertido não foi suficiente, é preciso que o "crente-gnóstico-pneumático" se esforce em suas práticas ascéticas, elevado misticismo, acirrada adoração aos anjos, ajudando Cristo na obra de salvação.

Os gnósticos cristãos do passado eram ascéticos, quando não licenciosos, adoravam anjos, não tinham idéia de expiação pelo sangue, acreditavam em uma grande hierarquia de poderes angelicais, "aeons" que seriam mediadores entre Deus e os homens e, elevavam a "gnosis" (o conhecimento) em contraste com a "fé", como meio de "salvação". E as nossas Igrejas hoje, em que elas se assemelham ao gnosticismo passado?

Podemos citar alguns exemplos de práticas gnósticas dentro da Igreja hoje, como o uso de objetos e símbolos materiais destinados a curas e milagres, são flores, sais e óleos ungidos. Programas evangélicos televisionados que exploram o exorcismo de demônios, além de pedir aos telespectadores que coloquem peças de roupas e copos de água sobre o televisor para estes serem abençoados. Ainda, existe o "quite de beleza da rainha Ester" e o "travesseiro da ressurreição dos sonhos"..., além das divinas revelações do inferno e do céu e a prática da palavra positiva e de chavões como: "tá amarrado!", "queima!", etc. Kennety Hagin, em um dos seus livros ensina: "Eu disse: em nome de Jesus (você entende, o nome representa toda a sua autoridade e poder!) não tenho dor de cabeça. Em nome de Jesus não vou ter dor de cabeça. E em nome de Jesus... a dor de cabeça saiu... Alguém disse: "gostaria que funcionasse para mim". Não funciona por meio do desejo. Funciona por meio do conhecimento". Correntes e campanhas exaustivas, supervalorização de dons e venda de meios de graça, além do acirrado ascetismo de algumas denominações.

Todas estas coisa nos lembra o gnosticismo combatido tão fortemente pelos apóstolos, como o trecho de I Tm 2.5 que foi escrito para contrapor o gnosticismo que propunha uma grande quantidade de mediadores, Cristo é o único mediador entre Deus e o homem; quando o apóstolo fala (Cl 1. 16) que só há um poder Criador e não vários "aeons" criadores, dignos de adoração; e que "todas" as pessoas podem chegar ao "pleno conhecimento da verdade", e sejam salvos mediante o sacrifício expiatório de Cristo, e não apenas os "pneumáticos" ou os verdadeiramente "espirituais" como se consideravam os gnósticos. Além disso, no seu combate ao gnosticismo, Paulo escrevendo aos Colossenses, salienta as ordens angelicais (1.16), asseverando que Cristo é o seu Criador e Senhor, exigindo ele adoração, que não pode ser conferida aos anjos (Cl 2.18), faz alusão aos "mistérios"(1.26;22), ataca o ascetismo exagerado (2.20), dá a definição de "sabedoria" e de "conhecimento"(2.2,3), como algo pertencente originalmente a Cristo, sendo Ele o "pleroma", a "plenitude"(2.8,9), salienta que toda criação encontrará em Cristo o Princípio e Fim (1.16), nega o "deísmo", pois Cristo é a imagem e manifestação do deus invisível (1.15), senhor do Universo (2.19), além de dá o valor à morte de Cristo como expiação e salvação para todos (1.20).

Portanto, o gnosticismo que tão preocupadamente foi combatido pelos apóstolos e posteriormente pelos Pais da Igreja e grandes Apologistas dos primeiros séculos, deverá ser detectado e urgentemente combatido em nossas igrejas. É uma forma de gnosticismo/misticismo sutil, uma idéia corrosiva em "pele de cordeiro". A igreja deve estar atenta para estes fatos e retornar com todo ardor para as Escrituras , pois somente ela produz o Conhecimento verdadeiro , e somente Cristo, o Filho de Deus dá salvação para o homem perdido.

Finalmente, "Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra. E em Jesus cristo, seu Filho Unigênito, nosso Senhor, concebido pelo Espírito Santo e nascido da virgem Maria; que padeceu sob Pôncio Pilatos , foi sepultado, e ao terceiro dia ressurgiu dos mortos; que subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai Todo-Poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos.

Creio no Espírito Santo, (na igreja universal), na comunhão dos santos, na remissão de pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém." (Credo Apostólico - Século III e IV)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUER, Johannes. Dicionário de Teologia Bíblica. Vol. I. Loyola, São Paulo: 1988.

CHAMPLIM, R. N. BENTES, I. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. II. Candeia, São Paulo: 1997.

CHAMPLIM, R. N. Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. Milenium, São Paulo.

ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Vol. II. Vida Nova, São Paulo: 1990.

FRIES, Heinrich. Dicionário de Teologia Bíblica. Vol. I. Loyola, São Paulo: 1988.

VIEIRA, Samuel. O Império Gnóstico Contra-Ataca. Cultura Cristã, São Paulo: 1999.

Por: EUDALDO FREITAS MEDRADO 

A Trindade e os falsos deuses.

Deus não é uma “brisa suave que navega no íntimo da natureza”, mas a Trindade que ama o homem e o leva à plenitude de seu ser.
Os gurus da espiritualidade moderna têm constantemente relegado Deus à esfera dos sentimentos e da subjetividade. Para a "nova era" pagã, a divindade não passa de "um fluido", "um sopro", "uma brisa suave navegando no íntimo da natureza". Não é raro ouvir teólogos e pessoas aparentemente cultas apresentando uma visão maleável de Deus, visão que elas mesmas criaram e indicam aos outros como um remédio grosseiro para suas angústias.
Esses charlatões foram a causa de o Papa Paulo VI ter afirmado, com tristeza, que "a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus": "Não se tem mais confiança na Igreja; põe-se confiança no primeiro profeta profano que nos vem falar em algum jornal ou em algum movimento social, para recorrer a ele pedindo-lhe se ele tem a fórmula da verdadeira vida".

Isto que o Papa identificou há mais de 40 anos continua acontecendo hoje. De fato, "não se tem mais confiança na Igreja": as pessoas têm preferido aderir às posições e ideias do mundo a ouvir o Papa e os bispos em comunhão com ele; têm preferido as próprias opiniões às palavras do Sagrado Magistério; têm se tornado, em suma, autênticos protestantes, já que, longe de acatar a autoridade da Igreja, fazem os seus próprios dogmas e leis morais. O objeto da adoração que fazem, no fim das contas, não é Deus Criador, mas eles mesmos.

Negar a Igreja, no entanto, pavimenta o caminho para uma grande Babel. O que são tantas teorias confusas a respeito de Deus senão uma negação do sobrenatural? A teologia do conhecido pastor luterano Dietrich Bonhoeffer, ao propor um modo de ser cristão "sem Deus", é uma dessas teorias. Segundo ele, seria importante tomar a coragem e a doação do "Jesus histórico" como exemplos, mas Deus mesmo não existiria, seria apenas uma explicação mágica para a resolução de um problema intelectual.

É claro, falar de Deus como de uma noção abstrata é muito conveniente. Afinal, se Ele é apenas uma centelha presente na natureza; se não se trata de um ser pessoal, que criou o mundo e amou o homem a ponto de não se apegar "ciosamente a ser igual em natureza a Deus Pai", mas assumir "a condição de um escravo, fazendo-se aos homens semelhante", então, está a se falar de algo distante, que absolutamente não diz respeito ao homem. Ao contrário, se é verdade que Ele se encarnou e, humilhando-se ainda mais, obedeceu "até à morte, até à morte humilhante numa cruz", assumir isso compromete toda a existência humana. Com efeito, toda ela passa a ser encarada tão somente como resposta a esse amor de Cristo, tão "forte como a morte" .

Se, por um lado, é conveniente não se comprometer, as satisfações que essa opção traz são sempre inconvenientes. Só o Deus trino da religião cristã pode verdadeiramente saciar os seres humanos e, enquanto estes teimam com teorias relativistas, caminham pelo escuro, às apalpadelas. Se, além disso, eles apregoam como verdadeiras essas opções que não passam de válvulas de escape, a situação torna-se ainda mais terrível. "São cegos guiando cegos" , diria Jesus, olhando para o seu comportamento.

Para solucionar toda essa confusão, a única saída chama-se fé. Deus não é o "espírito de luz" que a modernidade moldou, mas a Trindade santa que Cristo revelou e deixou estampada na Cruz. Ainda que permaneça um mistério e que não caiba na cabeça humana, assim é o Deus que falou a Israel e se mostrou em Jesus Cristo. Construir outras ideias de divindade, ainda que aparentemente lógicas, equivale a confeccionar para si imagens de barro, que "têm boca e não podem falar, têm olhos e não podem ver; tendo ouvidos, não podem ouvir, nem existe respiro em sua boca". "Como eles" – adverte o salmista – "serão seus autores, que os fabricam e neles confiam!" .

Por Equipe Christo Nihil Praeponere