quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A oração.

Por Padre Paulo Ricardo.

Santa Teresa d'Ávila em seu livro chamado "Castelo Interior", também conhecido como "As Sete Moradas", faz um juízo muito severo acerca da oração feita com distração. Ela diz: "Não chamo oração aquilo em que não se percebe com quem se fala e o que se pede. Não se trata de oração".


Santo Tomás de Aquino, por sua vez, parece estar em frontal contradição com Santa Teresa. Respondendo à pergunta se "é necessário que a oração seja atenta", ele diz o seguinte: "Quanto ao décimo terceiro, assim se procede: parece que É necessário que a oração seja atenta. [...] Em sentido contrário, os santos às vezes também distraíam-se na oração, como atesta o Salmista: "O meu coração me abandonou"." (cf. Suma Teológica II-II, q. 83, a. 13) Em latim, cor meum dereliquit me.

Então, aparentemente existe uma incompatibilidade entre as opiniões desses dois grandes santos. Qual deles tem razão? Ambos. E é o próprio Santo Tomás quem explica:

"Respondo: Essa questão é importante principalmente quando se aborda o tema da oração vocal. A necessidade da atenção na oração vocal é entendida de duas maneiras: Na primeira, como é necessário aquilo com que se alcança melhor o fim. Segundo esta consideração, a atenção é absolutamente necessária.
Na segunda maneira, considera-se necessário aquilo sem o qual a ação não conseguirá os seus efeitos. Os efeitos da oração são três: o primeiro efeito é comum a todos os atos informados pela caridade, que, por isso, são meritórios. Para ter este efeito não será necessário que a atenção seja diuturna, porque o impulso da intenção inicial, com a qual se vai orar, torna meritória toda a oração, como acontece aos outros atos meritórios. - O segundo efeito, a impetração, que lhe é próprio. Para se conseguir este efeito também será suficiente o impulso da primeira intenção, a que Deus atenta em primeiro lugar. Assim, Gregório a isto se refere nestes termos: "Deus não atende a oração de quem não pretende orar." - O terceiro efeito da oração é aquele que é contínuo, a saber, uma certa refeição espiritual da mente. A atenção é necessariamente exigida para esta oração. Escreve a respeito a primeira Carta aos Coríntios: 'Se oro só pela língua, minha mente será infrutífera'."
 
Assim, segundo o Aquinate, primeiramente a oração tem um valor meritório, pois a pessoa ama a Deus rezando. Em segundo lugar, ela pode ter um valor de intercessão, ou seja, de alcançar graça diante de Deus, também chamado de impetratório. E, em terceiro lugar, a oração tem o valor de santificação ou de refeição da alma.

Levando em conta esses três níveis de valoração, Santo Tomás diz que nos dois primeiros pode haver alguma distração que, mesmo assim, a oração terá algum valor. Porém no terceiro nível é absolutamente necessário que a pessoa esteja atenta à ela.

Nesse sentido, Santo Tomás e Santa Teresa estão em pleno acordo. É justamente sobre a "refeição da alma" que Santa Teresa fala em seu livro. De como é que se deve fazer para adentrar cada vez mais nas moradas da alma, alimentando-se e crescendo espiritualmente. Mas, então, que valor existe uma oração quando ela é feita distraidamente? Ela tem valor meritório se é feita com amor, porém, não é necessário que seja feita por amor o tempo todo, basta a intenção inicial, diz Santo Tomás. A luta contra as distrações é bastante meritória.

O segundo valor, chamado impetratório, também tem valor, pois a pessoa pode ter se distraído, mas Deus não se distraiu dela. A oração com distração não produz o crescimento necessário para fazer com que o indivíduo passe de morada em morada no seu castelo interior, portanto, é preciso lutar contra ela, concentrando-se para que haja realmente uma refeição espiritual.
Importante é continuar a rezar, mesmo distraído, combatendo a distração, colocando toda a sua atenção em Deus e em seu amor.

Qual o valor da oração?
Muitas vezes, os cristãos se dispõem a interceder pela conversão de alguém que se encontra numa situação de pecado ou se destruindo por um vício. Surge, porém, uma dúvida: quem recebe uma oração de intercessão tem a sua liberdade destruída?
A resposta católica de hoje tenta mostrar a relação existente entre a ação de Deus e a liberdade de uma pessoa que é alvo de uma oração de intercessão.

Qual é o método teológico para responder a esse tipo de dúvida?

 Partirmos da revelação. E o que nos foi revelado é que precisamos interceder. Esta é a atitude fundamental.

 Os apóstolos rezavam pelos seus inimigos, eles rezavam por aqueles que não aceitaram a verdade da fé. Esta é a realidade, a do Cristo vivo em sua Igreja. Isto é que os apóstolos faziam nos primeiros séculos do cristianismo e é o que jesus fez ('pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem').
Jesus orava pelos que o rejeitavam. Essa é a atitude de NSJC. Se ele fazia assim, façamos o mesmo também nós.

O primeiro passo para responder a uma dificuldade teológica não é procurar argumentos racionais para crer, mas crer, ter fé e então procurar uma explicação racional, se possível.

Primeira dificuldade teológica: por que é preciso pedir a um Deus onisciente?
Segunda: ao pedir por alguém, isso não tira a liberdade da pessoa por meio da intercessão?

A razão pode nos dizer:

 A oração cristã nos insere num mundo em que Deus e o homem estão unidos. Jesus é a união entre a vontade divina e a vontade humana.

 No Horto dos Oliveiras vemos o grande mistério da vida de oração em que a vontade humana precisa adequar-se à vontade divina. Jesus pede, concede e consegue, pois através da redenção completa do ser humano a oração é atendida.

 Na humanidade de Cristo está incluída toda a humanidade. E na divindade do Cristo está incluído o Deus único e verdadeiro.

 No mistério do Cristo que ora as duas vontades, divina e humana, se conformam e entram em harmonia, em profunda comunhão.

E como fica nossa oração nisso?

 A nossa oração faz parte desse mistério. A vontade do homem Jesus, a minha vontade e as pessoas pelas quais intercedo, tudo isto está unido no mistério do Cristo que ora.
Temos assim uma comunhão entre nós, que nos permite crer no mistério da oração. A mãe e o filho fazem parte do mesmo corpo, do Cristo total.

E como Deus age? Não sabemos exatamente, mas sabemos que Deus age. Nós não somos alheios e independentes um dos outros, mas somos como um que faz parte de muitos, um que faz parte do outro.

Esse é o Cristo total que como diz o filósofo Pascal está em agonia até o fim dos tempos, em que toda a humanidade e Cristo na humanidade oram, gemem e suam sangue, dirigindo-se ao Pai.

A história da humanidade inteira resume-se na história de Cristo. Ali acontece o mistério da oração cristã.
Nós somos parte desse mistério que é o mistério da Igreja, do Corpo de Cristo.

A oração de intercessão não é uma mágica. Quando a oração se aproxima da vontade de Deus, isso afeta a todos.

A distração ao orar.

Embora não seja desejável, a distração é uma realidade na vida de todo cristão. Já se sabe que mesmo a oração feita de maneira distraída possui valor diante de Deus. Contudo, ela não propicia que a pessoa avance na vida de santidade e adentre outras moradas. A luta de todos deve ser, portanto, para combater a distração e assim auferir dela a refeição da alma, como ensina Santa Teresa d'Ávila.
Em primeiro lugar é preciso definir o que é essa 'atenção' que se quer alcançar. Santo Tomás de Aquino ensina que existem três tipos:

a. a atenção das palavras;
b. a atenção dos sentidos;
c. a atenção da presença.

A primeira é quando a pessoa pronuncia as palavras com alguma concentração, mas sem se deter no que elas significam. Quando isso acontece, ou seja, quando a pessoa medita no sentido do que está dizendo, é evidente que está no segundo caso. Apesar de já ter sido grande o progresso ainda existe uma outra distração a ser vencida: a do terceiro caso. É preciso estar atento ao fato de que existe uma presença, existe uma Pessoa com a qual se está falando na oração. Se isso não é percebido, a pessoa ainda está dispersa.
A distração pode ser voluntária ou involuntária, segundo o frade dominicano Frei Antonio Royo Marin, em sua obra Teologia de la perfeccion cristiana". A distração involuntária pode ser causada pela própria índole (temperamento) do indivíduo, por fadiga mental, por culpa do diretor espiritual (que pode determinar um tipo de oração para a qual a pessoa ainda não está preparada) e, por fim, por culpa do demônio (nesse caso, o remédio é o uso de água benta durante os momentos de oração).

As causas voluntárias da distração, segundo Frei Antonio Royo Marin, são:

a. a falta de uma preparação próxima (rezar sem preparar o local, sem determinar o tempo, não ter postura de oração);

b. a falta de preparação remota (quando a pessoa vive uma vida dispersa por culpa pessoal).

O frade ensina o remédio para lutar contra a distração, salientando que é realmente um combate e esse combate também tem o seu mérito diante de Deus. É um meio de santificação também a luta para a concentração. Se as causas são involuntárias o frade explica que é possível livrar-se dos influxos do temperamento com o uso de alguns auxílios: ler e falar em voz alta, rezar por escrito, fazer atos de devoção (fixar os olhos no sacrário, em uma imagem, etc.), escolher matérias de oração mais concretas e menos abstratas, propiciando o entendimento e a concentração, humilhar-se diante de Deus, quantas vezes forem necessárias.

Para as distrações voluntárias os remédios são: a preparação próxima (preparar o local, determinar o tempo e adotar uma postura), e a preparação remota (cultivar o silêncio, fugir da curiosidade vã).

O cultivo do silêncio, diz ele, ajuda a 'ouvir' melhor a Deus, faz com que a pessoa se encontre consigo mesma, além disso, produz uma higiene (saúde) psíquica. Já a curiosidade vã leva a pessoa a sair do foco da vida e se não tem foco na vida, terá na oração? Dificilmente.

Tudo isso pode ser resumido em guardar os sentidos, a imaginação e o coração. O homem não é uma lata de lixo que pode ver tudo, ouvir tudo, experimentar tudo e ainda achar que sairá ileso disso tudo. As imagens e os sons armazenados podem se transformar em lixo. Assim, quando a pessoa se põe em oração é impedida por todo esse lixo que está entulhando o seu coração.

A concentração na oração é uma luta, uma batalha. Hoje foram oferecidas algumas dicas, alguma armas para ajudar nesse combate. Mas, mesmo lutando, seja humilde, lembre-se que a oração com distração também tem valor. Não desista de lutar. Deus aprecia todo o esforço. Com a luta o homem pode se tornar mais forte, mais santo, mais filho de Deus.
 

Maturidade na oração   

Como deve ser a nossa oração? Vamos examinar a nossa forma de orar, para que a nossa oração seja eficaz, para que o poder de Deus se manifeste em nossas vidas. Orar com poder não quer dizer que eu seja poderoso, orar com poder é orar de uma forma tal que eu deixe de atrapalhar Deus em fazer a Sua vontade em nossas vidas.

Os discípulos de Jesus se aproximam do Senhor da mesma forma que nos aproximamos d'Ele hoje: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11, 1). Esse pedido nasceu da admiração deles ao verem Jesus orando. Jesus se fez homem para nos ensinar o que é ser humano. Não sabemos ser gente, ser humanos. Quando olhamos para o ser humano vemos uma tarefa, uma missão: de realizar os sonhos de Deus em sua vida. É importante nos darmos conta de que fomos escolhidos por Deus, não viemos a este mundo por acaso e agora temos que dar conta da vida. Existe um sonho de Pai, um projeto de Deus para você. A nossa primeira atitude deve ser de nos esforçarmos para nos adequar a esse projeto de Deus.
 
Eu gosto de usar uma comparação: Quando a sapa põe milhares de ovos e surgem vários girinos, nem todos vão virar sapo. Somente aqueles que se tornam sapo realizam o projeto de Deus. Deus nos criou com uma missão, um projeto, e Deus se fez homem para mostrar o que é ser homem, mas projeto de Deus em nós está deturpado por causa do pecado original. Jesus vem se mostrar como ser humano completo. Como ser humano completo, pessoa divina, Ele reza. Só o Evangelho de Lucas nos mostra nove momentos nos quais Jesus estava orando. Sua oração devia ser fascinante, seus discípulos se deram conta de que não sabiam como fazer e lhe pediram que lhes ensinasse a orar.
 
Jesus ensina o Pai Nosso, em duas passagens, mas em Lucas 11, a oração está em uma forma mais abreviada: “Quando orardes dizei, santificado seja o Teu nome, venha o Teu Reino”. Aqui já acontece uma revolução, algo extraordinário, Jesus nos ensina a orar ao Pai para realizarmos o Seu Reino, o reinado de Deus em nossa vida.
 
No início é um esforço humano, mas Deus nos visita e concede o dom, a graça de orar. Não somos nós, mas é Cristo que ora em nós pelo Seu Espírito. Para que isso aconteça é preciso a pregação a respeito do kerigma, o primeiro anúncio do amor de Deus, da necessidade de renunciar ao pecado e buscar a conversão. No Evangelho de Marcos, no Horto das Oliveiras, Jesus também ora. “Não Seja feita a minha, mas a Tua vontade”. Essa é a característica da oração cristã, pedir que seja feita a vontade do Senhor. A oração pagã é diferente, as pessoas perguntam qual é a nossa vontade e não a vontade de Deus. Deus é o oleiro, que modela o barro, temos que parar de nos comportarmos como se fossemos criadores. Jesus veio ao mundo para nos ensinar a fazer a vontade de Deus.
 
Um exemplo de oração pagã moderna é o livro: O Segredo. O Livro é puro paganismo, milhões de pessoas estão caindo nesse erro. O livro fala da lei da atração, se desejamos as coisas boas elas acontecem, mas se desejamos coisas ruins, elas também acontecem. Segundo a autora é preciso desejar intensamente aquilo que se quer. Quem está comprando o livro “O Segredo” são universitários, pessoas com um grau de cultura elevado. É materialismo e paganismo disfarçados, são enganosos os preceitos que estão nesse livro. Ela consegue nos enganar porque mexe com o pecado original em nós, queremos ocupar o lugar de Deus em nossa vida.
 
Tantas pessoas morrendo de fome na África, será que essas pessoas não desejam comida? Está faltando maturidade, compreender o que é a vida humana, o universo não está aí para fazer a sua vontade. O paganismo é assim, são forças cósmicas, e nesse livro, a autora fala de universo, é o velho paganismo disfarçado. Ela fala tantas coisas mas sem pensar nas conseqüências. Não podemos ser infantis e achar que a nossa vontade é o melhor para nós.
 
Enquanto o pagão é como os profetas de baal que clamam por aquilo que desejam, o cristão expreessa o desejo de fazer a vontade de Deus. Jesus suou sangue no Horto das Oliveiras. Se Ele que é nosso Mestre e Senhor, quem somos nós para achar que a nossa oração vai ser uma coisa fácil. Muitas vezes fazer a vontade de Deus é um verdadeiro parto, mas é a melhor coisa para nós. Mesmo que a vontade de Deus nos assuste, mesmo que vejamos uma cruz, sabemos que por trás dela, Deus tem uma ressureição para nós. Nós estamos prontos para fazer a vontade de Deus. Não se trata de fazer a minha vontade, façamos que o nosso coração entre em sintonia com a vontade de Deus.

Os santos seguiram a Nosso Senhor e ensinaram que a “oração é uma conversa ou colóquio com Deus” (S. Gregório de Nissa); “A oração é falar com Deus” (S. João Crisóstomo); “a oração é a conversão da mente a Deus com piedoso e humilde afeto” (Sto. Agostinho); “A oração é a elevação da mente a Deus, a petição a Deus de coisas convenientes” (S. João Damasceno); “ a oração é o piedoso afeto da mente dirigida a Deus” (S. Boaventura); “é tratar de amizade, estando muitas vezes tratando a sós com quem  sabemos nos ama” (Sta. Teresa D’Ávila).

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