domingo, 3 de novembro de 2013

O protestantimso os seus reflexos.

A "Reforma" Protestante alcançou êxito em muitas áreas da Europa. Em sua forma luterana é predominante no norte da Alemanha e em toda a Península Escandinava. Na Escócia surgiu a Igreja Presbiteriana. As Igrejas Reformadas também frutificaram nos Países Baixos, na Suíça e no oriente da Hungria. Com o desenvolvimento dos impérios europeus, principalmente o Império Britânico, nos séculos XIX e XX o protestantismo continuou a se expandir, se tornando uma fé de escala mundial. Essa expansão não atingiu de forma significativa países predominantemente católicos, como o caso da Espanha.

Elas surgiram a partir do inconformismo do padre alemão Martinho Lutero (1483-1546) em aceitar algumas práticas da Igreja Católica. Lutero atacava duramente a venda de indulgências, ou seja, a obtenção de perdão para um determinado pecado em troca de dinheiro. No dia 31 de outubro de 1517, Lutero pregou na porta de uma igreja de Wittenberg, na Alemanha, um manifesto com 95 teses em que atacava não só a venda de indulgências, como também outros procedimentos da Igreja Católica, como a negociação de cargos eclesiásticos. O papa Leão X exigiu uma retratação do padre, ameaçando condená-lo por heresia. Mas Lutero não voltou atrás e rompeu com a Igreja Católica, dando início à chamada Reforma Protestante, movimento que se espalhou pela Europa, impulsionado pela maior flexibilidade religiosa que oferecia.
 
Os inimigos dos reformistas passaram a se referir a seus seguidores como "luteranos". Estes, por sua vez, preferiam ser chamados de "evangélicos", termo hoje muito usado para se referir aos fiéis das igrejas protestantes. A liberdade pregada por Lutero acabaria abrindo espaço para o surgimento de várias correntes religiosas. "O protestantismo tem uma pedra fundamental: a autonomia. A idéia de que só Deus salva, a subjetividade do indivíduo e a possibilidade de assumir e viver as diferenças vai gerar uma variedade enorme de igrejas", diz o cientista da religião João Décio Passos, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Isso ajuda a entender por que hoje existem tantas ramificações entre os protestantes.
 
Crença na autonomia Liberdade pregada por Lutero deu origem a várias correntes religiosas:
 
Luteranos
A ruptura de Luterano com os católicos, em 1517, lançou as bases para a expansão do protestantismo. Os luteranos condenavam o comportamento moral dos padres católicos e acreditavam que a salvação estava nas escrituras sagradas.
 
Presbiterianos
Inspirados no teólogo fracês João Calvino (1509-1564), pregavam a predestinação divina: ou seja, só os eleitos por Deus se salvariam. O teólogo holandês James Arminius (1560-1609) criaria depois outra vertente do presbiterianismo: o Arminianismo.
 
Anglicanos
O rei inglês Henrique VIII (1491-1547) queria anular seu primeiro casamento para se unir a outra mulher. Após a recusa do papa Clemente VII, ele rompeu com a Igreja Católica e criou a anglicana em 1534, ficando livre da interferência papal.
 
Batistas
O movimento anabatista já existia quando Lutero começou a questionar a Igreja Católica. Mas, como outras correntes protestantes, o movimento só ganhou expressão após a Reforma. Acabou dando origem à Igraja Batista.
 
Metodistas
Surgiram na Inglaterra no século 18, propondo reformar a Igreja Anglicana. Baseadas na crença da salvação pela fé em Cristo, as idéias metodistas não conseguiram mudar os anglicanos, mas deram origem a uma nova corrente protestante.
 
Pentecostais
Começaram a aparecer no início do século 20 como uma dissidência dos metodistas. Em 1910, foi fundada a Congregação Cristã do Brasil; no ano seguinte, a Assebléia de Deus, e em 1962, Deus é Amor. Os pentecostais crêem na cura pela fé.
 
Neopentecostais
Fazendo parte do grupo a Igreja Universal do Reino de Deus, de 1977, e a Igreja Renascer em Cristo, de 1986. Os neopentecostais têm em comum a adoçãoda mídia para pregar aos fiéis, além dos cultos espetaculares e a realização de exorcismos.
 
A ética protestante e o espírito do capitalismo segundo Max Weber
 
Max Weber realizou extensos estudos sobre economia, história e as diversas religiões. Em suas analises desenvolveu teorias sobre a sociedade e se interessou particularmente pelas relações entre o capitalismo e o cristianismo. Partindo do pressuposto de que é preciso conhecer a concepção global que anima o ator social e o ambiente no qual este vive, Weber dedicou grande parte de seus estudos à religião. O sociólogo tinha a convicção de que as concepções religiosas têm um papel preponderante na condução econômica de uma sociedade e, consequentemente, são também causa das transformações econômicas que ocorrem nestas sociedades.
 
Uma das principais perguntas que se fazia na sociologia do final do século XIX, era em que medida as concepções religiosas das diferentes sociedades influenciaram seu comportamento econômico. Grande parte das pesquisas realizadas por Weber nesta área figura nos três volumes de seu estudo incompleto Sociologia da Religião. O conteúdo básico destes estudos é uma análise dos aspectos mais importantes da ordem social e econômica da sociedade ocidental, nos diversos períodos históricos.
 
Sociologia da Religião de certo modo é uma resposta – pelo menos a de Weber – para solucionar o dilema que em grande parte preocupava a intelectualidade da época: saber qual seria o fator primordial a influenciar as mudanças sociais (e uma das grandes mudanças sociais analisadas na época eram o capitalismo e seu surgimento). Para Marx, cujas idéias eram bem fundamentadas filosófica e economicamente (O Capital e outros escritos), eram as condições econômicas a provocar as mudanças sociais. Para outros analistas, eram as condições geográficas, climáticas ou políticas. Pensadores como o filósofo Dilthey, o teólogo Troeltsch e o sociólogo Sombart, estavam convencidos de que as mudanças sociais eram basicamente motivadas pelas idéias e convicções éticas. Para eles o capitalismo não poderia ter surgido sem que houvesse uma profunda mudança espiritual, como a Reforma Protestante, ocorrida no final da Idade Média. Todavia, foi somente o estudo de Weber que conseguiu apresentar consistência suficiente para se contrapor à teoria de Marx (que apresentava os mais fortes argumentos à época).
 
No entanto, diferente de Marx, que com a ajuda do materialismo dialético pretendia explicar a natureza e com o materialismo histórico ambicionava encampar todo o devir histórico, Max Weber não tinha tais pretensões. Escreve Cohn que:
 
“Weber combate resolutamente a idéia de que a Ciência possa engendrar “concepções do mundo” de validade universal, fundadas no sentido objetivo do decurso histórico. Esse sentido objetivo não existe e por isso mesmo não existe uma ciência social livre de pressupostos valorativos.” (Cohn, 1989: p. 21)
 
Em seus estudos, Weber fez uma comparação entre as diversas sociedades ocidentais, local de origem do capitalismo, e as sociedades orientais, onde nenhum sistema econômico parecido havia se desenvolvido. Depois de exaustivas análises, concluiu que o protestantismo, mais especificamente o calvinismo, foi o fator principal do desenvolvimento do capitalismo.
 
“Weber volta-se então para outras formas de protestantismo diversas do luteranismo, em especial para o calvinismo e outras seitas, cujo elemento básico era o profundo isolamento espiritual do indivíduo em relação a Deus, o que na prática significava a racionalização do mundo e a eliminação do pensamento mágico como meio de salvação. Segundo o calvinismo, somente uma vida guiada pela reflexão contínua poderia obter vitória sobre o estado natural, e foi essa a racionalização que deu à fé reformada uma vertente ascética” (Os Pensadores: 1980, p. XX)
 
E mais à frente, completando este raciocínio:
 
“Em síntese, a tese de Weber afirma que a consideração do trabalho (entendido como vocação constante e sistemática) como o mais alto instrumento de ascese e o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem deve ter sido a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida constituída pelo espírito do capitalismo” (Ibidem, p. XXI).
 
Todavia, Weber não considera o espírito do capitalismo como consequência direta da Reforma Protestante. Em sua análise, o sociólogo procura muito mais identificar em que medida o protestantismo contribuiu para modelar este sistema econômico. Weber afirma, no entanto, que não existe um só tipo de capitalismo, mas diversos tipos. Em consequência desta constatação, passa a definir um “tipo ideal” de capitalismo, que na sua concepção – claramente explicitada em seu A ética protestante e o espírito do capitalismo – tem características como:
 
“Segundo Max Weber, o capitalismo é definido pela existência de empresas (Betrieb) cujo objetivo é produzir o maior lucro possível, e cujo meio é a organização racional do trabalho e da produção. É a união do desejo de lucro e da disciplina racional que constitui historicamente o traço singular do capitalismo ocidental. Em todas as sociedades conhecidas houve sempre indivíduos ávidos de dinheiro, mas o que é raro, e provavelmente único, é o fato de este desejo tender a satisfazer-se não pela conquista, especulação ou aventura, mas pela disciplina e pela ciência” (Aron: 2008, p. 773-774)
 
O livro A ética protestante e o espírito do capitalismo é o mais conhecido de Max Weber e de certo modo enfoca suas principais conclusões sobre a relação entre o surgimento e a evolução do capitalismo e o protestantismo (especificamente o calvinismo). O autor inicia a obra com uma análise de diversos períodos históricos, em diversas sociedades, relacionando a atividade econômica com as crenças religiosas. A partir do capítulo II – O espírito do capitalismo, começa um extenso e profundo estudo relacionando práticas industriais, agrícolas e comerciais com a religião da época (séculos XVI-XVIII), com ênfase no protestantismo e suas diversas seitas, espalhadas por toda a Europa. O ponto alto do livro é o capítulo V – O ascetismo e o espírito do capitalismo, no qual o autor coloca as suas principais conclusões. Aspecto interessante deste livro, que em uma enquete realizada pelo jornal Folha de São Paulo em 1999 foi eleito por vários intelectuais como um dos mais importantes do século XX, é que tenha somente 132 páginas de texto (na versão integral brasileira). As notas de Weber, por outro lado, ocupam 90 páginas de citações e referências, demonstrando e fundamentando os raciocínios e fatos apresentados no texto.
 
A redação do texto (1905) se deu após o retorno de Max Weber de uma viagem aos Estados Unidos (o texto só foi publicado na forma de livro em 1920, ano da morte de Weber). A publicação, no entanto, não faz uma análise do capitalismo nos Estados Unidos, mas das origens desta forma de organização econômica e social. Inegável, porém, é que o sociólogo foi fortemente influenciado pela dinamicidade e pujança do capitalismo americano, que àquela época já despontava como a mais forte “roda propulsora” do sistema – situação acentuada após a 1ª Guerra Mundial (1914-1918).
 
Fica a questão sobre o que Weber efetivamente queria transmitir. Para Weber, segundo Anthony Giddens, “a Revolução Industrial e a emergência do capitalismo eram provas de uma tendência maior no sentido de racionalização”. Outro aspecto importante na análise de Weber é a associação do capitalismo com a burocracia – e aí temos novamente os tipos ideais –, a única maneira de organizar e gerir eficientemente um grande número de pessoas em um ambiente de crescente complexidade econômica e social.
 
Por fim cabe assinalar outro importante aspecto do pensamento de Weber, cada vez mais patente no horizonte cultural, principalmente depois da 2ª Grande Guerra (1939-1945). Trata-se do gradual processo que o pensador chamou de "desencantamento", a forma pela qual o pensamento científico (fortemente influenciado pelo capitalismo e pela Revolução Industrial) fez desaparecer as forças “sobrenaturais” (religião, pensamento mágico e  crenças diversas) do passado. As interpretações míticas da realidade foram gradualmente sendo substituídas por uma visão racional.
 
Religião, reforma e transformação social













 
Conclusão moderada

Calvino de fato interessou-se vivamente por questões econômicas e existem elementos na sua teologia que certamente contribuíram para uma nova atitude em relação ao trabalho e aos bens materiais. A sua aceitação da posse de riquezas e da propriedade privada, a sua doutrina da vocação e a sua insistência no trabalho e na frugalidade foram alguns dos fatores que colaboraram para o eventual surgimento do capitalismo. Mesmo um crítico contundente da tese de Weber como André Biéler admite: “Calvino e o calvinismo de origem contribuíram, certamente, para tornar muito mais fáceis, no seio das populações reformadas, o desenvolvimento da vida econômica e o surto do capitalismo nascente” (O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 661).

Todavia, esse e outros autores têm ressaltado como a ética e a teologia do reformador divergem radicalmente dos excessos do capitalismo moderno. Por causa das difíceis realidades econômicas e sociais de Genebra, Calvino escreveu amplamente sobre o assunto. Ele condenou a usura e procurou limitar as taxas de juros, insistindo que os empréstimos aos pobres fossem isentos de qualquer encargo. Ele defendeu a justa remuneração dos trabalhadores e combateu a especulação financeira e a manipulação dos preços, principalmente de alimentos. Embora considerasse a prosperidade um sinal da bondade de Deus, ele valorizou a pessoa do pobre, considerando-o um instrumento de Deus para estimular os mais afortunados à prática da generosidade. A tese de que as riquezas são sinais de eleição e a pobreza é sinal de reprovação é uma caricatura da ética calvinista. Para Calvino, a propriedade, o lucro e o trabalho deviam ser utilizados para o bem comum e para o serviço ao próximo.

Em conclusão, existe uma relação entre o calvinismo e o capitalismo, mas não necessariamente uma relação de causa e efeito. Provavelmente, mesmo sem o calvinismo teria surgido alguma forma de capitalismo. Se é verdade que a teologia e a ética reformadas se adequavam às novas realidades econômicas e as estimularam, todavia, o tipo de calvinismo que mais contribuiu para fortalecer o capitalismo foi um calvinismo secularizado, que havia perdido de vista os seus princípios básicos. Entre esses princípios está a noção de que Deus é o Senhor de toda a vida, inclusive da atividade econômica, e, portanto, esta atividade deve refletir uma ética baseada na justiça, compaixão e solidariedade social.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário